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Presidência da República de Cabo Verde

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PR alerta para insuficiências que tornam incompleto o direito de todos à justiça em prazo razoável

O Presidente da República, José Maria Neves, advertiu hoje que o direito fundamental de todos ao acesso à Justiça, em prazo razoável e independentemente da condição socioeconómica, consagrado na Constituição da República, continua incompleto.

O Chefe de Estado presidiu, esta manhã, à cerimónia de abertura do Ano Judicial 2025/2026, no Palácio da Justiça da Praia, que este ano acontece, pela primeira vez, no mesmo mês da retoma dos trabalhos dos tribunais, depois das férias judiciais.

José Maria Neves apontou que “a morosidade processual, as pendências acumuladas, as prescrições, as fragilidades na assistência judiciária e a distância ainda sentida por demasiados cidadãos em relação aos tribunais continuam a corroer a confiança na Justiça e a desafiar a sua credibilidade”.

O Mais Alto Magistrado da Nação também chamou atenção para queixas de cidadãos, empresas e outras entidades, não só no que se refere à morosidade e às prescrições, como também — o que é mais grave — sobre processos julgados, mas sem sentença do juiz.

Estes fatores comprometem a transparência e a confiança que todos devem ter na Justiça, lembrou.

O Chefe de Estado reconheceu os avanços registados nos últimos tempos, como o recrutamento de magistrados, procuradores e oficiais de justiça, a modernização tecnológica, a criação de mecanismos como a vigilância eletrónica e as salas de escuta para vítimas vulneráveis, bem como o pacote legislativo de 2025, que reformou a organização judiciária e os estatutos das magistraturas.

No entanto, alertou que os tribunais de primeira instância acumulam mais de onze mil processos pendentes, que o Serviço de Inspeção Judicial funciona com apenas um inspetor, quando a lei exige um corpo estruturado, e que o rácio de juízes é insuficiente para responder à crescente procura.

Mas, “mais do que diagnóstico, a hora reclama soluções firmes e estratégias coerentes”, instou o Chefe de Estado, que defendeu a instalação efetiva do Serviço de Inspeção da Magistratura, o reforço dos quadros de oficiais de justiça, a expansão da rede judiciária e a digitalização integral dos processos, ciente das limitações dos recursos.

O Presidente da República instou a justiça cabo-verdiana a ousar mais, para, ao longo deste novo Ano Judicial, ser mais célere, mais próxima, mais inspiradora e com respostas oportunas e efetivas.

Sendo a Justiça uma “obra coletiva”, José Maria Neves apelou à corresponsabilidade de todos os operadores judiciários e da sociedade civil, para que cada tribunal se imponha como uma casa de confiança e cada decisão judicial um ato de cidadania.

Leia o discurso na íntegra, aqui:

Este é um momento distinto na vida da República. É, pois, com elevada honra que tomo a palavra nesta sessão solene de abertura do Ano Judicial de 2025/2026. Não se trata de um mero ritual protocolar: é, antes, o instante em que a Nação reafirma o seu pacto sagrado com a Justiça, esse alicerce maior do Estado de Direito Democrático, sem o qual não há liberdade genuína, nem paz social duradoura, nem desenvolvimento sustentável.

A Constituição da República, no seu artigo 22.º, consagra de forma clara e inequívoca o direito fundamental de todos de acesso à Justiça, em prazo razoável e independentemente da condição socio-económica de cada um. Tal direito integra, ao lado da saúde e da educação, a tríade estruturante do bem-estar social e da dignidade humana. Contudo, é de se reconhecer que esse direito permanece incompleto. A morosidade processual, as pendências acumuladas, as prescrições, as fragilidades na assistência judiciária e a distância ainda sentida por demasiados cidadãos em relação aos tribunais, continuam a corroer a confiança na Justiça e a desafiar a sua credibilidade.

Tenho recebido de cidadãos, empresas e outras entidades, em audiências, cartas, mensagens ou petições, reclamações não só no que se refere à morosidade e às prescrições, como também, o que é mais grave, sobre processos julgados, mas sem sentença do juiz. Há pessoas à espera de uma sentença há meses e até anos. Esta é uma situação que não pode continuar, sob pena de comprometermos a transparência e a confiança que todos devemos ter na justiça.

Não obstante, é justo e necessário realçar os avanços registados. Nos últimos anos foram recrutados magistrados, procuradores e oficiais de justiça, reforçando a capacidade do sistema. A modernização tecnológica começa a transformar a tramitação dos processos e a relação dos cidadãos com os tribunais, através do Sistema de Informação da Justiça, do Portal da Justiça, das salas de escuta de crianças e adolescentes vítimas de abuso, dos mecanismos de videoconferência e de vigilância eletrónica. O Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses constitui, hoje, um pilar de rigor e de modernidade na investigação criminal. Na área da reinserção social, a vigilância eletrónica representa um passo significativo na humanização do sistema prisional.

De destacar, igualmente, o recente pacote legislativo de 2025, reforma estruturante, consensual e amadurecida, que revisitou a lei da organização judiciária, os estatutos das magistraturas e a orgânica dos Conselhos Superiores, incluindo os serviços de inspeção. A estas medidas acresce a criação de gabinetes de apoio aos tribunais de primeira instância, o reforço das assessorias junto dos tribunais superiores e a melhoria do regime remuneratório dos magistrados. Esse esforço é herdeiro de um percurso iniciado com a revisão constitucional de 2010, que desenhou uma nova arquitetura da Justiça cabo-verdiana. Quinze anos volvidos, essa reforma conhece agora um novo ciclo de maturação, sinalizando um horizonte de esperança e de consolidação institucional.

Todavia, a realidade impõe prudência e determinação. Os relatórios mais recentes revelam que, apesar de mais processos decididos do que entrados em alguns anos, as pendências mantêm-se em número teimosamente elevado, ultrapassando os onze mil nos tribunais de primeira instância. O Serviço de Inspeção Judicial continua muito frágil, funcionando apenas com um inspetor quando a lei prevê um corpo estruturado. E o rácio de juízes permanece manifestamente insuficiente: apenas 12,6 por cada cem mil habitantes, quando a procura de justiça não cessa de crescer.

Mais do que diagnósticos, a hora reclama soluções firmes e estratégias coerentes.

Os cabo-verdianos reconhecem que o poder judicial é independente. Trata-se de um ganho marcante da República e precioso bem que solidifica os pilares do Estado de Direito, garante as liberdades e a democracia, robustece as instituições e empresta-lhes credibilidade e prestígio. Mas é preciso estarmos cientes de que a independência do poder judicial requer meios e impõe responsabilização dos operadores judiciários, a todos os níveis.

Torna-se urgente instalar, de forma efetiva, o Serviço de Inspeção da Magistratura, com o recrutamento do respetivo corpo de inspetores e a inscrição das verbas necessárias no Orçamento do Estado, em respeito pela autonomia administrativa e financeira dos tribunais e do Ministério Público. É indispensável reforçar os quadros de oficiais de justiça, assegurando que todos os tribunais e procuradorias disponham, pelo menos, do número mínimo fixado por lei.

A médio prazo, urge expandir a rede judiciária com juízos de proximidade, administrativos e de instrução criminal; elaborar e executar planos estratégicos de desenvolvimento de recursos humanos nas magistraturas, garantindo formação contínua, atualização científica e promoções atempadas; acelerar a digitalização integral dos processos, tornando efetiva a interoperabilidade entre tribunais, Ministério Público e Ordem dos Advogados; e consolidar os mecanismos alternativos de resolução de litígios — mediação, arbitragem, justiça restaurativa — de modo a reduzir a excessiva judicialização da vida social e económica.

Numa visão de futuro, é imperativo concluir o Campus da Justiça, símbolo de modernidade e dignidade institucional; fortalecer o Centro de Formação Jurídica e Judiciária, erigindo-o em motor de excelência técnica e ética profissional; e afirmar Cabo Verde como referência africana em Justiça digital, acessível, célere, transparente e amiga do cidadão, guardiã dos direitos fundamentais e atenta às novidades tecnológicas e às gerações vindouras.

Sei que os recursos financeiros e materiais jamais serão ilimitados. Mas a força da Justiça não reside apenas em meios. Reside, sobretudo, na integridade, na responsabilidade e no desempenho de cada operador judiciário, seja magistrado, procurador, advogado ou oficial de justiça. Reside no compromisso inabalável de colocar o interesse nacional e a dignidade humana acima de conveniências particulares.

A Justiça é, em última instância, uma obra coletiva. Requer corresponsabilidade dos órgãos de soberania, das magistraturas, da advocacia, da sociedade civil e de cada cidadão. Todos temos de assumir a nossa parte: prevenir litígios desnecessários, despolitizar o que é da justiça e assegurar decisões céleres, justas e compreensíveis.

Que este Ano Judicial de 2025/2026 seja lembrado como o ponto de inflexão em que a Justiça cabo-verdiana ousou ser diferente: mais célere, mais próxima, mais inspiradora e que entrega respostas oportunas e efetivas às pessoas e à sociedade. Que cada tribunal se imponha como casa de confiança; que cada processo se converta em esperança; que cada decisão judicial seja vivida como ato de cidadania, de confiança renovada na democracia e de fé no futuro.

Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores, declaro solenemente aberto o Ano Judicial de 2025/2026.

 

 

 

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