3 de Dezembro de 2025
Minhas Senhoras e meus Senhores, É para mim uma honra tomar a palavra na abertura do VI Seminário Internacional da Academia das Escolas de Arquitetura e Urbanismo de Língua Portuguesa, que hoje se reúne em Cabo Verde. Agradeço, de forma muito sentida, o convite que me foi dirigido e que aceitei com grande entusiasmo, reconhecendo não apenas a relevância científica e cultural deste encontro, mas também o profundo significado simbólico de ver o nosso arquipélago acolher um diálogo tão vasto, plural e fértil sobre a arquitetura no espaço lusófono.
Quero saudar, com particular apreço, as instituições organizadoras, os académicos, os profissionais, os estudantes e todos os participantes vindos de vários continentes, que aqui se reúnem para pensar, debater e projetar o futuro da arquitetura e do urbanismo.
Vivemos tempos difíceis. Os tempos não são de encontro, são de distanciamento. Cada um quer viver no seu arquipélago, e pôr os arquipélagos em diálogo é algo de extraordinariamente importante nos tempos que correm.
O tema central deste Seminário — a relação intrínseca entre a Língua falada e escrita e a Arquitetura — é de uma pertinência notável, porque nos recorda que ambos estes sistemas, o da linguagem e o da construção, são modos de organizar o mundo, de criar sentido e de estruturar o espaço da vida em comum. Assim como a língua molda o pensamento, a arquitetura molda o modo de habitar; e, tal como a língua se transforma ao longo do tempo, também a arquitetura evolui, responde, resiste, adapta-se e reinventa-se.
Em ambos os casos, falamos de expressões culturais que constituem identidades, que preservam memórias e que traduzem o diálogo permanente entre o local e o global. Esta reflexão assume uma relevância particular no espaço lusófono, onde a diversidade geográfica e cultural se articula com uma herança linguística comum, fazendo da arquitetura um terreno privilegiado para observar as múltiplas formas de apropriação, reinvenção e continuidade que marcam as sociedades de língua portuguesa.
A arquitetura acompanha-nos desde os primórdios da civilização como testemunho da engenhosidade humana e como instrumento de organização coletiva. Das primeiras aldeias às metrópoles contemporâneas, das grandes obras públicas às habitações mais modestas, a arquitetura tem sido expressão simultânea de poder, de comunidade, de imaginação e de funcionalidade.
A história das sociedades é inseparável da história das suas construções. E, ao longo do tempo, assistimos a uma evolução marcada não só por avanços técnicos e estéticos, mas também por uma crescente consciência da necessidade de compatibilizar a criatividade com a sustentabilidade, a ambição com a preservação, o desenvolvimento com a proteção ambiental. No mundo atual, a arquitetura é, cada vez mais, chamada a responder a problemas complexos: mudanças climáticas, mobilidade urbana, exclusão social, vulnerabilidades territoriais, resiliência, economia circular, entre tantos outros.
Cabo Verde, pela sua condição insular, pela sua fragilidade ecológica e pela sua rica diversidade paisagística, conhece de forma muito direta a importância da arquitetura e do urbanismo como fatores determinantes da qualidade de vida, da segurança, da identidade e do desenvolvimento. O nosso país tem, ao longo das últimas décadas, procurado construir um percurso de modernização que se reflete também nas suas cidades, nos seus espaços públicos, nas suas infraestruturas e nas suas habitações.
Reconhecemos a evolução positiva registada em vários domínios: a valorização do património histórico, a emergência de novas centralidades urbanas, a multiplicação de iniciativas criativas ligadas à arquitetura, a afirmação de jovens profissionais formados nas nossas escolas e no estrangeiro. Mas, ao mesmo tempo, permanecem desafios significativos, que exigem reflexão profunda e ação determinada.
O arquiteto cabo-verdiano desempenha um papel crucial neste processo. É ele quem traduz as aspirações de uma sociedade em crescimento; quem procura equilibrar o ideal estético com o possível técnico e financeiro; quem enfrenta, muitas vezes, as tensões entre a visão profissional e as exigências políticas, económicas ou comunitárias; quem tem de garantir que as soluções adotadas respondam ao clima, ao território, à cultura e às necessidades reais das pessoas. A nossa realidade é exigente: entre o ideal e o possível existe um espaço de negociações complexas que precisa de ser preenchido com responsabilidade, rigor, criatividade e visão estratégica.
Sabemos o que seria desejável para a arquitetura em Cabo Verde: cidades planeadas com maior antecedência, espaços públicos integradores, harmonia entre natureza e construção, normas urbanísticas respeitadas, maior segurança nas expansões urbanas, mais acessibilidade, mais sustentabilidade, mais verde, mais coerência entre o que se projeta e o que efetivamente se constrói.
Sabemos, igualmente, que persistem dilemas difíceis. Ainda enfrentamos a falta de Planos Diretores Municipais atualizados ou, nalguns casos, sequer existentes; e esta carência, acumulada ao longo de anos, gera consequências graves: expansão urbana desordenada, ocupação de áreas de risco, fragilização das infraestruturas e aumento da vulnerabilidade das populações. Reconhecemos que a arquitetura deve escutar a linguagem da natureza e respeitar os seus limites. O nosso clima, as nossas encostas, as nossas ribeiras e as nossas zonas costeiras exigem uma arquitetura adaptada, segura, resiliente e consciente de que a negligência hoje se traduz em perdas amanhã. Este ano já vivenciamos situações desafiadoras que nos permitem constatar essa evidência.
Importa, igualmente, refletir sobre a responsabilidade das instituições. Tanto o poder central como o poder local têm parcelas complementares na construção do ordenamento do território. A omissão na criação de infraestruturas essenciais, a insuficiência na mitigação de riscos, a incapacidade de garantir o cumprimento das regras ou a tentação de ceder perante interesses momentâneos produzem danos duradouros.
Não é admissível que se continuem a autorizar loteamentos em áreas de risco, nomeadamente nos leitos das ribeiras, onde a natureza sempre reclamará o seu espaço.
Não é aceitável que bairros concebidos para pequenas moradias sejam, posteriormente, ocupados por edifícios de vários andares, submetendo as vias, as redes de água e de esgotos a pressões para as quais nunca estiveram dimensionadas. Não é compreensível que projetos previstos nos planos — espaços verdes, praças, equipamentos públicos — sejam mutilados ou sacrificados em nome de outros interesses que nada têm a ver com o bem-estar coletivo.
Não é sustentável que continuemos a permitir construções em zonas de servidão, onde deveriam existir avenidas marginais, miradouros, acessos públicos e não barreiras edificadas que amputam a paisagem e o usufruto comum. Não podemos deixar de lamentar que haja famílias que compram moradias com vista para o mar, de acordo com o plano, e que, poucos anos depois, acordam surpreendidas com novos edifícios em frente das suas janelas, fruto de licenças desconformes, negociações particulares ou interpretações permissivas do que deveria ser uma regra clara.
A convivência urbana deve ser harmoniosa e organizada, o que implica diferenciar usos e evitar a coabitação indesejável entre zonas residenciais e atividades industriais ou ruidosas como oficinas e serralharias. A fiscalização urbanística, quando frouxa ou intermitente, abre espaço a desigualdades, inseguranças e distorções. Precisamos de reforçar uma cultura de respeito pelo espaço público e pelo planeamento, porque uma cidade não é um aglomerado ocasional de decisões individuais, mas um organismo coletivo que se constrói diariamente e que afeta a vida de todos.
Permitam-me uma palavra dirigida aos arquitetos e aos estudantes de arquitetura: o vosso papel é incontornável. A sociedade espera de vós não apenas criatividade, mas também coragem ética e técnica para defender boas práticas, mesmo quando essas práticas contrariem pressões momentâneas. Cabo Verde precisa de profissionais que ajudem a fazer prevalecer a racionalidade técnica sobre os caprichos políticos, a visão de longo prazo sobre os impulsos imediatos, o interesse público sobre a conveniência circunstancial. A arquitetura cabo-verdiana tem futuro, e esse futuro depende em grande medida da firmeza com que a profissão conseguir afirmar critérios, promover a qualidade e zelar pelo respeito às regras.
Por tudo isto, este Seminário representa uma oportunidade valiosa. Pode ser — e espero sinceramente que seja — um raio de luz depois da tempestade: um momento para recentrar prioridades, para recuperar ambições, para partilhar conhecimentos, para renovar compromissos e para inspirar soluções. Que este encontro, reunindo académicos, arquitetos, urbanistas, decisores públicos (os grandes ausentes desta sala) e estudantes, contribua para uma reflexão madura e para caminhos práticos que nos aproximem de cidades mais humanas, mais belas, mais funcionais, mais seguras e mais sustentáveis.
Divulguem com serenidade todas as contribuições deste encontro. Há que fazer barrulho e há que levar esse barrulho a todos aqueles que, no dia a dia, decidem sobre o nosso futuro.
Declaro, com grande satisfação, aberto o VI Seminário Internacional da Academia das Escolas de Arquitetura e Urbanismo de Língua Portuguesa.


