16 de outubro de 2025
Intervenção de S.E. o Presidente da República de Cabo Verde,
Senhor José Maria Pereira Neves
Senhor Presidente da Câmara Municipal da Praia,
Senhor Secretário-Geral da UCCLA,
Senhor Ministro da Cultura e das Indústrias Criativas,
Senhoras e Senhores Escritores, Artistas e Académicos,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Reunimo-nos hoje neste espaço de saber e de memória, onde o espírito e a lembrança se entrelaçam, para celebrar a língua que nos une — essa língua viva e cintilante que transporta em si o eco das travessias, a sabedoria dos encontros e a pluralidade dos mundos que a habitam. O XIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa constitui, assim, um convite à introspeção e à esperança, um pretexto para pensar o papel da literatura na preservação do humano e na reinvenção do futuro.
No ano em que Cabo Verde celebra o cinquentenário da sua independência, este Encontro assume um significado particularmente simbólico. A literatura foi, desde sempre, um dos alicerces mais sólidos da nossa construção identitária.
Entre muitos outros contributos, foi também nas páginas de Eugénio Tavares, de Baltasar Lopes, de João Vário, de Germano Almeida ou de Arménio Vieira que a consciência nacional se foi reconhecendo e afirmando, encontrando na literatura uma das suas expressões mais profundas e projetando, ao mesmo tempo, a alma cabo-verdiana no espaço vasto da lusofonia e do mundo.
Na literatura encontrámos refúgio e revelação; nela aprendemos a transformar a escassez em criação, o isolamento em universalidade e a insularidade em abertura ao mundo.
Essa herança literária, forjada nas ilhas, não se esgota em si mesma: inscreve-se numa constelação mais vasta, que transcende fronteiras e geografias. É expressão de uma comunidade espiritual e cultural que, ao longo dos séculos, soube transformar as feridas do passado em caminhos de diálogo e em formas de beleza.
A lusofonia é, hoje, mais do que um legado histórico: é um projeto civilizacional em perpétua construção. É o lugar onde o diverso se reconhece no diverso, onde a diferença não separa, mas fecunda. É uma morada comum erguida sobre o verbo, onde cada povo imprime o seu timbre, o seu ritmo e o seu silêncio.
Ao evocarmos recentemente o quinto centenário do nascimento de Luís Vaz de Camões, somos chamados a revisitar a sua herança intemporal — a do poeta que fez da língua instrumento de universalidade, da palavra expressão de beleza e da arte caminho de transcendência.
Camões, que criou esta nossa pátria comum da língua portuguesa, é, ainda hoje, símbolo da inquietação humana e do fascínio pela descoberta. Nos seus versos, o mar é metáfora de todas as travessias — das que rasgam os horizontes e das que mergulham nas profundezas da alma.
A sua obra recorda-nos que nenhuma viagem é completa, que o destino humano é feito de errância e de reinvenção.
A literatura, em qualquer latitude, é a mais sublime escola de liberdade. É nela que a imaginação ousa desafiar o dogma, que o pensamento se emancipa das amarras do poder e que o espírito reencontra a sua dignidade. Já dizia Alberto Caeiro que “Pensar incomoda como andar à chuva/Quando o vento cresce e parece que chove mais”. Escrever é um ato de insubmissão e de coragem; é interrogar o real, nomear o indizível, restituir humanidade às palavras e sentido às coisas. Uma sociedade que ambiciona permanecer livre precisa de escritores que a questionem, de leitores que se deixem comover e de bibliotecas que guardem a memória do efémero.
Vivemos, contudo, um tempo em que a criação artística e literária se vê confrontada com novas fronteiras. A Inteligência Artificial inaugura um horizonte simultaneamente fascinante e inquietante, em que o engenho humano parece competir com o próprio mistério da criação. As máquinas aprendem a narrar, os algoritmos reproduzem o estilo, e a técnica, em vertiginosa ascensão, ameaça substituir o espanto. Perguntemo-nos: que será da arte quando o cálculo quiser ocupar o lugar do enigma? Que restará da literatura se o verbo perder o vínculo com a emoção, a dúvida e o desassossego que a tornam profundamente humana?
Mais do que recear o novo, cumpre-nos compreendê-lo. A Inteligência Artificial não deve ser um sucedâneo da consciência, mas o reflexo da sua complexidade. A técnica, por si só, é cega; necessita da luz da ética, da cultura e da sabedoria para não se tornar instrumento de alienação. A literatura, guardiã da alma e da sensibilidade, tem aqui uma missão inadiável: a de preservar o mistério e a beleza que nenhuma máquina poderá traduzir. É nela que reside a memória do humano, o fôlego do imaginário e a transcendência que escapa a toda a codificação.
Este Encontro de Escritores, ao propor o diálogo entre independência, literatura e inteligência artificial, restitui à cultura o seu papel matricial na construção do futuro. Num tempo dominado pela velocidade e pela volatilidade, urge devolver profundidade ao pensamento, densidade à emoção e permanência ao espírito. Precisamos, mais do que nunca, de poetas que interroguem o sentido, de ensaístas que humanizem a dúvida e de artistas que resgatem o sagrado da palavra.
Permitam-me, pois, saudar a Câmara Municipal da Praia, a UCCLA e a Biblioteca Nacional de Cabo Verde por esta notável iniciativa, que reitera o papel da capital do país como espaço de encontro atlântico e de irradiação cultural, e que confirma a língua portuguesa como património vivo e universal.
Que o XIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa seja um hino à liberdade criadora e à diversidade, um tributo à imaginação e à dignidade da palavra. Que daqui germinem novas obras, novos olhares e novas formas de compreender o mundo. Porque é pela literatura que os povos se pensam, se transformam e se reconciliam com a sua própria humanidade.
E que nunca nos esqueçamos: é a palavra que funda o ser, é nela que o espírito se reencontra quando tudo o resto se torna ruído. Que esta celebração da língua e da criação nos recorde que a cultura permanece a mais nobre forma de resistência e o mais sólido alicerce da paz.
É neste espírito de comunhão e de esperança que tenho a honra de declarar aberto o XIII Encontro de Escritores de Língua Portuguesa.
Muito obrigado.

