Discurso do PR, José Maria Pereira Neves, na Universidade do Luxemburgo

Por ocasião da Visita de Estado ao Grão-Ducado do Luxemburgo

24 de maio de 2023

É uma honra estar aqui hoje para falar de “Cabo Verde, um País Azul”. Gostaria, nesta conversa, de realçar a importância para o nosso país, da economia azul, da transição energética e da economia digital em nossa jornada rumo a um futuro sustentável e próspero.

Cabo Verde é uma economia insular sem recursos naturais tradicionais e altamente vulnerável a muitos níveis. As suas conquistas em termos de desenvolvimento são um testemunho de boa liderança e de trabalho árduo do seu povo, nas ilhas e na imensa diáspora.

Com efeito, Cabo Verde demonstrou que o desenvolvimento é possível com poucos ou nenhuns recursos. O Banco Africano do Desenvolvimento explicou, num relatório publicado em 2012, que este sucesso se deve essencialmente ao investimento consistente no desenvolvimento humano, à boa governação, à estabilidade social e política, à generosidade dos seus parceiros de desenvolvimento, de entre os quais gostaria de realçar particularmente o Luxemburgo, e do inestimável contributo material e espiritual da sua diáspora.

A história de Cabo Verde é uma lição de como gerir o impossível e encontrar formas de prosperar em circunstâncias difíceis. Transformámos um país árido, onde a fome era a norma, num país de rendimento médio. Tornámo-nos num dos países mais democráticos de África, onde os direitos fundamentais estão garantidos para todos.

Mas continuámos a ser condicionados pelas nossas condições iniciais, ao mesmo tempo que estão a surgir novos desafios. A economia cabo-verdiana apresenta muitas vulnerabilidades, tem problemas estruturais e é muito exposta, uma vez que está muito dependente de certos setores, com especial destaque para o do turismo. Além disso, é caracterizada por uma grande precariedade laboral e fragmentação e exiguidade do mercado nacional, conduzindo a um certo défice de coesão territorial que convém corrigir.

Num mundo caracterizado pela volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade, a tarefa mais importante que os cabo-verdianos e os seus líderes enfrentam atualmente e no futuro é como diversificar e transformar a economia de maneira sustentável.

A construção de uma economia azul, a transição energética, e o aproveitamento da economia digital são os pilares desta diversificação da economia para um futuro sustentável e próspero. Precisamos trabalhar em conjunto, governos, empresas, instituições acadêmicas e sociedade civil, para promover essas transformações e garantir um legado positivo para as gerações futuras.

As mudanças climáticas são uma realidade que afeta todos os cantos do planeta, e nós, como um pequeno estado insular, estamos particularmente vulneráveis aos seus efeitos. Cabo Verde, pelas suas fragilidades ecológicas associadas aos riscos ambientais e às vulnerabilidades globais, requer dos poderes públicos um esforço contínuo de proteção dos recursos naturais e da qualidade de vida dos cidadãos. Agora, nosso objetivo é construir uma consciência global que mobilize a todos.

Por isso, o direito ao ambiente mereceu destaque na Constituição da República que no seu Artigo 73º consagra o direito de todos os cabo-verdianos a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender e valorizar. Para garantir este direito ao ambiente, a Constituição obriga os poderes públicos a terem um papel de prevenção ao dano.

Como um pequeno estado insular, nossos recursos naturais são uma fonte inestimável de riqueza. Nossos oceanos e mares oferecem um vasto potencial para o desenvolvimento econômico sustentável. A economia azul engloba setores como a pesca sustentável, a criação de áreas marinhas protegidas, o estabelecimento de práticas de aquacultura ambientalmente responsáveis, a energia das marés e a biotecnologia marinha, a melhoria da infraestrutura relacionada à economia azul, como portos, instalações de processamento de pescado, instalações de energia renovável marinha e infraestrutura turística costeira. Em todos estes sectores Cabo Verde ambiciona dotar-se de uma capacidade de formação e investigação através de parcerias com países como Luxemburgo.

Ao investir nesses setores, não só estaremos explorando nossos recursos de forma responsável, mas também estaremos criando oportunidades de emprego e fortalecendo nossa identidade como uma Nação voltada para o mar garantindo ao mesmo tempo, a conservação dos ecossistemas marinhos e a preservação dos recursos para as gerações futuras. Por isso, Cabo Verde elegeu a construção de uma economia azul como uma das suas primeiras prioridades.

Também, o desenvolvimento de Cabo Verde não pode ser pensado sem ter em conta a dimensão arquipelágica, a insularidade, o peso muito reduzido de muitas das ilhas. Cabo Verde é dos arquipélagos africanos mais afetado pelos custos da insularidade resultantes da descontinuidade entre as nove ilhas habitadas, da dispersão do seu território e da sua população residente.

Por isso, a questão da conectividade entre as ilhas, sobretudo a nível marítimo, é fundamental e deve merecer toda a nossa atenção, visando consolidação de uma economia azul.

A transição para fontes de energia renováveis é essencial para reduzir nossa dependência de combustíveis fósseis e mitigar os impactos negativos do aquecimento global. Ao investir em energia eólica, solar e outras formas de energia limpa, não só estaremos protegendo o meio ambiente, mas também estaremos impulsionando nossa economia, criando empregos verdes e promovendo a inovação tecnológica.

Felizmente, pela sua localização geográfica e por ser um arquipélago, Cabo Verde tem um grande potencial de produção energética, ultrapassando de longe as suas necessidades. Por isso, o problema principal é encontrar a tecnologia de armazenamento para se libertar completamente das energias fósseis. Hoje, a possibilidade para Cabo Verde de produzir hidrogénio verde para armazenamento e exportação é um sonho que parece ao nosso alcance. O Luxemburgo financiou, em 2013, um estudo Cabo Verde 100% energias renováveis que pareceu na altura uma meta muito ambiciosa, mas que hoje pode se tornar uma realidade.

Vivemos em uma era de avanços tecnológicos sem precedentes, e não podemos deixar de aproveitar as oportunidades que a economia digital nos oferece. Por isso, Cabo Verde deve, crucialmente, apostar no conhecimento científico e vencer o desafio da transformação digital, tendo em vista a competitividade, a prosperidade e o bem-estar das populações.

A resposta à crise pandémica revelou como a ciência e inovação científica são os alicerces das melhores decisões. Nunca como hoje os cidadãos puderam testemunhar em tempo real o impacto da investigação científica nas suas vidas. Enormes adaptações e alterações foram introduzidas num curto espaço de tempo, quer na produção de conhecimento, diagnósticos e equipamentos, quer na mobilização de recursos humanos altamente capacitados. O papel dos cientistas e das decisões baseadas na ciência, na evidência e na ética, tornou-se fundamental no nosso quotidiano e deve servir de motor à recuperação económica um pouco por todo o mundo.

O mundo atual, além de global, é um mundo cada vez mais digital. Cabo Verde deve ser por isso uma República baseada na inovação, com serviços públicos cada vez mais desmaterializados, em que os cidadãos contactam com o poder público de uma maneira fácil, direta, digital e também inclusiva. Fomentar um sistema nacional de inovação é essencial para impulsionar a economia do conhecimento. Isso pode ser alcançado por meio do lançamento do parque tecnológico, incubadoras e aceleradoras de start-ups, espaços de co-working, além da promoção da colaboração entre empresas, universidades e instituições de pesquisa.

Cabo Verde deve destacar-se na ciência e na tecnologia, tendo já alguns recursos humanos formados ao mais alto nível. Por exemplo, a investigação em sustentabilidade energética pode ajudar o País a passar de uma situação de dependência de recursos, para uma de liderança a nível da nossa sub-região africana. É imperativo aproveitar este momento para transformar a nossa economia, investindo na ciência e na tecnologia.

Investir em infraestrutura digital, promover a educação em ciência da computação e apoiar a inovação tecnológica são medidas essenciais para impulsionar nossa economia e nos posicionar como um centro de excelência em tecnologia e empreendedorismo. Além disso, a economia digital pode ser um catalisador para a inclusão social e o desenvolvimento humano, permitindo que todos os cidadãos tenham acesso a serviços e oportunidades que antes eram inacessíveis.

A digitalização global acarreta inúmeros desafios aos quais devemos responder. Desde logo, deve-se garantir que a digitalização da sociedade não se traduza numa deterioração da nossa democracia. Por outro, é crucial investir em estratégias sérias de cibersegurança cívica e literacia digital. Outrossim, é essencial dotar as gerações mais novas das ferramentas que lhes permitam identificar conteúdos enganadores e falsos e, simultaneamente, apoiar programas de aprendizagem e formação digital ao longo da vida.

Para concluir, devo reconhecer que o sistema de governança global está em mudança acelerada e profunda, para responder à complexidade do mundo atual.

Felizmente a cooperação entre o Luxemburgo e Cabo Verde tem sido um modelo de cooperação internacional porque baseada na previsibilidade dos recursos postos a disposição de Cabo Verde, mas também pelo respeito das prioridades do Governo de Cabo Verde. Por isso, tenho grande esperança que saberemos consolidar esta parceria nestes novos setores fundamentais para podermos diversificar a nossa economia: a transformação digital, a economia do conhecimento, a transição energética e a economia azul.

Restará aos líderes cabo-verdianos, a todos os níveis, seja na esfera pública ou no sector privado, estar à altura dos desafios no século XXI e impulsionar e conduzir a mudança que será necessária para alcançar a modernidade e a prosperidade.

Muito obrigado pela vossa atenção.

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