8 de Outubro de 2025
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Dirijo calorosas saudações a toda a comunidade académica — ao Magnífico Reitor, docentes, estudantes, funcionários e parceiros — e agradeço, de forma especial, ao Professor Doutor Gabriel Fernandes pelo convite para presidir a este ato de abertura do ano académico da Universidade de Santiago.
Esta cerimónia tem um significado especial para mim, porque a minha vida profissional sempre esteve ligada à formação e aos jovens, e a educação foi, em todo o meu percurso público, uma prioridade constante.
Uma universidade não é apenas um lugar onde se ensina — é um espaço onde se aprende a pensar, a questionar e a servir. É o lugar onde a Nação se revê, se corrige e se reinventa. A abertura de um novo ano académico é, sempre, um momento de renovação da esperança e do compromisso com o conhecimento.
Para os jovens que agora iniciam o ensino superior, é o começo de uma etapa decisiva, que deve ser vivida com disciplina, perseverança e paixão. Estudar numa universidade é um privilégio e uma responsabilidade: a de preparar-se para liderar o processo de desenvolvimento do país.
Os cabo-verdianos sempre apostaram nos seus recursos humanos e na educação como um elevador social. O ensino superior foi e será um motor de mobilidade social, de redução das desigualdades e de educação cidadã. O vosso esforço deve ser no sentido de conseguir assimilar os conhecimentos ministrados num nível de excelência.
Num país ainda marcado por desigualdades e fragilidades estruturais, a universidade tem de ser mais do que um templo do saber — tem de ser uma oficina de soluções. As secas que castigam o campo, o desemprego que limita os sonhos dos jovens, a precariedade que fere a vida de tantas famílias — tudo isto reclama inteligência, inovação e coragem.
É na ciência, na investigação e no vigor da juventude que se encontram as respostas às dores antigas e aos desafios novos do povo cabo-verdiano. O ensino superior tem também a responsabilidade de reduzir as assimetrias regionais, de aproximar oportunidades e de transformar o saber em justiça social. O conhecimento só cumpre o seu papel quando chega a todas as fissuras da sociedade.
As Universidades devem concorrer para o processo de desenvolvimento de Cabo Verde nos mais diversos setores, buscando soluções no domínio da competitividade, da economia, dos negócios e da governança, bem como otimizando a gestão das energias renováveis. É preciso ensinar ciências e línguas, sem descurar o digital e a Inteligência Artificial. Devem igualmente contribuir para a modernização dos nossos hospitais e o desenvolvimento da indústria farmacêutica. Na área da saúde, podemos incentivar a vinda de estudantes da CEDEAO, bem como da CPLP, e criar condições para o estudo de doenças tropicais. Aliás, as tecnologias informacionais podem levar as universidades ao mundo e à diáspora. É possível criar uma rede nacional de ensino e de investigação, que integre as capacidades da diáspora e internacionalize as nossas universidades. A educação, a saúde, a transição digital e a transição energética poderão beneficiar enormemente dessa rede e Cabo Verde acelerar o seu ritmo de crescimento e de transformação, se sofisticarmos os processos de formação das políticas públicas e ganharmos em termos de eficiência na sua implementação. A Universidade de Santiago tem dado passos significativos na criação da Universidade online, com relevantes ganhos para o ensino superior, ciência e inovação e para a inserção da diáspora na dinâmica de desenvolvimento nacional.
Precisamos também de uma juventude que não tema pensar diferente, que questione o estabelecido e que transforme a curiosidade em caminho. A ciência floresce onde há liberdade de espírito e coragem para experimentar. Em suma, a investigação e a inovação são eixos estratégicos para superar as vulnerabilidades de um pequeno Estado insular. Há que consagrar a devida atenção a áreas como a transição digital, a economia azul, a adaptação às mudanças climáticas e o empreendedorismo juvenil.
Das Universidades espera-se que sejam um farol e um palco para a discussão de ideias sobre o futuro, a par das suas atribuições mais tradicionais. Não é, pois, despiciendo associar a missão da Universidade à Agenda 2030 e à visão de Cabo Verde 2075. Deseja-se que a sua relação com a sociedade seja de proximidade e que os quadros aqui formados tenham um perfil que se adeque às demandas do nosso mercado de trabalho, respondendo às suas reais necessidades, mas sem perder de vista que devem estar munidos de ferramentas para enfrentar o mundo, que é cada vez mais global.
A Universidade de Santiago tem desempenhado um papel central no ecossistema do ensino superior cabo-verdiano e contribuído para o desenvolvimento das regiões em que está inserida, aproximando a academia das comunidades locais. O conhecimento não deve ficar encerrado entre paredes: deve chegar ao campo, à fábrica, à oficina e ao mar. Cabo Verde precisa de uma universidade que pense com o país e que sinta com o seu povo. É minha convicção de que esta Universidade continuará a formar quadros de excelência, comprometidos com o desenvolvimento de Cabo Verde.
Para que as nossas Universidades possam corresponder de forma eficaz às expetativas nela depositadas, torna-se crucial que tenhamos uma visão clara da sua importância, o que significa investir mais no ensino superior. Como medida de inclusão, devemos atribuir mais bolsas de estudo. Nesta linha, e sabendo o peso representado pelo custo dos alojamentos e das refeições no orçamento dos estudantes deslocados, há que aumentar a disponibilidade de residências universitárias, bem como o acesso às cantinas universitárias.
A Academia deve estar atenta à conjuntura por que a humanidade vem passando. A situação global tem sido de imprevisibilidade e repleta de ambiguidades; grassam as crises da democracia. As políticas públicas são ineficazes e as desigualdades crescem. O direito internacional anda fragilizado e escanteado; os mais fortes tentam impor as suas regras; assiste-se ao desgaste das Instituições e consequente desgaste dos governos. Torna-se premente que os democratas se cheguem à frente, assumindo a dianteira na defesa da liberdade e da democracia, com os cidadãos e a sociedade a integrar, de forma ativa, esta luta.
No caso de Cabo Verde, urge lançar um olhar incisivo e atento sobre o atual estado de coisas. Não se pode esvaziar a Democracia do seu conteúdo social: o voto chega nas pessoas, mas a Democracia não chega nas pessoas, quando estas continuam à margem do desenvolvimento e o acesso aos serviços básicos é caracterizado pela precaridade. As pessoas votam, mas as suas vidas não melhoram. Em Cabo Verde, temos de estar atentos aos sinais. Haverá desencanto com a política, as políticas e os políticos, quando o Estado não consegue entregar os resultados de acordo com as expectativas e é patente a incoerência entre a retórica discursiva e a prática política.
É preciso ultrapassar as narrativas e as declarações pomposas, pois que estas proclamações não têm levado a resultados efetivos. Naturalmente que as Universidades também estão a sofrer erosão com o cansaço das Instituições. Esta juventude, que constitui o contingente dos estudantes universitários, tem acumulado frustrações e reivindica um futuro melhor. Ela deve ganhar consciência política para melhor entender os problemas da atualidade. A Academia deve, também, contribuir para a busca de soluções para os problemas que afetam o nosso país, para que todos nós saiamos a ganhar.
Recentemente, a Diretora-Geral da UNESCO confiou-me a honra e a responsabilidade de ser Patrono da História Geral de África, um dos maiores projetos intelectuais do continente africano. Este empreendimento monumental visa restabelecer uma continuidade africana, há muito negada, e restituir aos nossos povos o domínio sobre a sua própria história, as suas lutas e os seus legados. Esta não é uma mera tarefa simbólica: é um imperativo de transmissão, uma alavanca para a refundação dos nossos sistemas educativos e uma ferramenta estratégica para a autoestima coletiva. Deixo o desafio de serem os seus arquitetos e exorto-vos a fazer de Cabo Verde um ator impulsionador desta releitura crítica e criadora da história africana. O saber histórico não é um luxo académico: é uma arma de lucidez.
Enquanto cabo-verdianos, esta missão ressoa de forma muito particular. Encontramo-nos na encruzilhada de vários mundos. Foram feitos enormes esforços no passado para concretizar dois corpus documentais e três volumes sobre a História Geral de Cabo Verde. No entanto, a nossa história mais recente, em particular os séculos XIX e XX, permanece ainda largamente fragmentária, dispersa, por vezes silenciada — no que respeita às resistências nas suas formas mais variadas, às migrações forçadas, às memórias camponesas, femininas, culturais, diaspóricas, às dificuldades e aos desafios da marcha rumo à Independência, cujo cinquentenário celebramos este ano.
É por essa razão que lanço, aqui e agora, um apelo inequívoco à comunidade académica e científica no país, na diáspora e no mundo inteiro: é urgente prosseguir este trabalho de inventário, de narração e de análise crítica da nossa própria história. Os séculos XIX e XX foram séculos de viragem, marcados pela repressão colonial, pelas secas, pelos numerosos ciclos de fomes, pelas insurreições, pelo emergir de uma consciência nacional, pela mobilização dos intelectuais, pelas solidariedades transatlânticas e pelas premissas da nossa independência. Estas dinâmicas têm de ser estudadas, contextualizadas, publicadas e ensinadas. Não pode haver uma política cultural coerente, nem uma cidadania ativa, sem um conhecimento rigoroso deste passado.
É tempo de agir com rigor e método. De reunir os nossos historiadores, linguistas, arquivistas, antropólogos, jovens investigadores e os nossos guardiões da memória viva. É tempo de estruturar um programa ambicioso, transversal e interinstitucional para prosseguir a escrita da nossa própria História Geral — uma história que não se reduza nem à colonização nem à Independência, mas que questione as nossas contradições, os nossos legados, as nossas continuidades. O nosso futuro joga-se também na forma como ensinamos o passado. É aqui, na Universidade, que este movimento se deve enraizar. Aproveito esta oportunidade para partilhar convosco uma convicção: não existe soberania verdadeira sem consciência histórica.
A questão da Língua cabo-verdiana merece particular atenção. Polémicas como as recentes que levaram à suspensão do manual do 10.º ano prejudicam o ensino da língua cabo-verdiana e devem ser ultrapassadas com serenidade e consenso científico. Urge aproximar posições e avançar, de forma serena, para a sua plena oficialização, conforme os comandos constitucionais. A comunidade científica é unânime em reconhecer que o ensino da Língua cabo-verdiana deve iniciar-se o mais cedo possível, pois facilita a aprendizagem do português e de outras línguas.
Para concluir, realço a missão das Universidades enquanto espaços de pensamento crítico, liberdade e pluralidade. A Universidade é o lugar por excelência da livre discussão de ideias e da irreverência nos debates. Cabe a estes jovens estudantes, a chamada “geração Z”, assumirem-se como protagonistas de um Cabo Verde mais desenvolvido, justo e sustentável.
A juventude será sempre um vetor de inovação, criatividade e transformação social, com causas a defender e bandeiras a erguer, conjugando conhecimento com valores éticos e cívicos. O saber é mais do que poder: é responsabilidade, é serviço, é gesto de amor pela vida. Que esta universidade continue a formar não apenas mentes brilhantes, mas também consciências luminosas. Com efeito, espero que tirem o melhor proveito da vossa passagem pela Universidade e que ela, para além de vos fornecer o diploma académico, vos prepare com valores para servirem a Nação e a Humanidade.
Muito Obrigado Pela Vossa Atenção!