Patrono da Década do Oceano

Presidência da República de Cabo Verde

Ao Serviço da nação CaboVerdiana, Promovendo o desenvolvimento sustentavel e a proteção dos nossos oceanos para as futuras gerações.

Discurso de Sua Excelência Presidente da República, José Maria Neves na abertura da 1ª edição do Seminário Internacional Ler África Ibero-América

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

É com profunda honra e emoção fraterna que vos saúdo neste Seminário Internacional Ler África Ibero-América, que pela primeira vez tem lugar em solo africano e de modo tão simbólico em Cabo Verde. Sejam muito bem vindos a esta terra de Morabeza, onde a hospitalidade se confunde com a própria identidade e onde a cultura constitui um idioma de encontro.

Este arquipélago, que a geografia e a história moldaram como uma encruzilhada de rotas, um ponto de encontro e de partida, de fusão de povos e de sincretismo de culturas, afirma-se hoje como o palco ideal para um diálogo profundo entre duas línguas-mundo. Duas línguas que, nascidas na mesma península, se espalharam pelos oceanos, não como barreiras, mas como pontes, abraçando a diversidade e projetando-se na universalidade. Essas duas línguas contribuíram para o surgimento de outras línguas.

E nós temos uma língua, a língua cabo-verdiana que surge de um encontro entre culturas e entre povos. Esta criação dos filhos da terra, das Ilhas é um momento extraordinariamente importante. Ao falarmos das duas línguas, gostaríamos também que se projetasse a língua cabo-verdiana como um caminho para melhor aprendermos, hoje, o português e a língua espanhola. Não é pôr a língua  em confronto com a língua portuguesa ou a língua espanhola. É colocar as línguas em diálogo.

E este momento é simbolicamente importante, precisamente porque, num tempo de confronto, num mundo polarizado, onde avança o discurso do ódio, nós aqui estamos a dialogar, a conversar. E é simbolicamente importante, no mundo de hoje, estar a pôr a África e a Península Ibérica em discussão, em diálogo, e sobretudo porque esse diálogo pode ser luminoso para encontrarmos caminhos para o futuro.

É claro que, como diz “Nha Nácia Gomi”, é di diskuson ki ta nasi luz (é da discussão que nasce a luz). E, então que neste debate surjam novas luzes sobre o desenvolvimento pleno da língua cabo-verdiana conforme nos recomenda a Constituição da República de Califórnia. E esse diálogo  entre a África, a língua cabo-verdiana, a língua portuguesa, a língua espanhola, poderá ser também algo que poderá produzir luzes para a própria humanidade.

A escolha do campo de concentração do Tarrafal para acolher este encontro transcende a mera logística. É uma escolha impregnada de memória e de sentido. Este espaço onde se tentou aprisionar o espírito humano tornou-se santuário da resistência, testemunho da dignidade.

Aqui, onde a liberdade foi negada, a palavra persistiu e a leitura silenciosa e subversiva foi refúgio e redenção. O lema que nos convoca, “Utopia como resistência. Resistência como utopia”, ecoa com particular vigor neste lugar de dor e de superação. Porque a utopia é afinal a recusa da resignação. Ler é um ato de insubmissão. É libertar o pensamento das armadas da ignorância. É semear futuro onde outrora reinou o medo. Como entre estas paredes, a cultura sobreviveu à opressão. Houve quem escrevesse na sombra, quem resistisse pela imaginação, provando que se podem encarcerar corpos, mas nunca as ideias.

A literatura foi então um lume que manteve acesa a humanidade e a leitura o gesto que salvaguardou a liberdade interior. Por isso, celebrar a leitura aqui é afirmar, permitam-me a repetição,  que a palavra vence o silêncio e que o conhecimento é a mais perene das resistências. Num mundo em que o ruído das armas  continua a ofuscar o verbo e a razão, é consolador que estejamos reunidos para exaltar o livro, a leitura e a criação. Os livros são, na verdade, os nossos mais poderosos arsenais de paz porque educam, humanizam e reconciliam.

O meu reconhecimento ao Dr. Mário Lúcio por esta iniciativa luminosa e todo o meu apreço aos organizadores deste evento. A presença de escritores, editores, académicos e mediadores de leitura de várias latitudes, honra Cabo Verde, renova a fé na cultura como instrumento de aproximação entre os povos.

O português e o espanhol, línguas irmãs, que partilham origens e destinos, encontram-se aqui para reafirmar a sua vocação universal e o seu papel civilizacional. Temos, contudo, a responsabilidade de transformar estas línguas de herança em línguas do futuro, motores de conhecimento, de inclusão e de desenvolvimento humano. Ler é um ato de cidadania, um exercício de liberdade e o primeiro degrau de qualquer democracia madura.

Cabo Verde sabe-o bem. Em cada biblioteca erguida, em cada criança que aprenda a ler, cumpre-se uma promessa de emancipação. A leitura é o nosso mais seguro investimento no porvir.

Importa, pois, reforçar as políticas públicas do livro e da leitura, apoiar as editoras e livrarias locais, fomentar a tradução e a circulação de obras e promover parcerias internacionais que estimulem a criação, a pesquisa e o diálogo cultural. O futuro constrói-se com palavras. As estradas e os edifícios erguem-se sobre ideias e é de leitores que se faz a cidadania.

Que este encontro, realizado neste lugar de memória e de luz, nos inspire a transformar a dor em ensinamento, a resistência em dignidade e a utopia em projeto coletivo. Que as nossas línguas continuem a ser pontes de entendimento, instrumentos da liberdade e testemunhos da inesgotável capacidade humana de sonhar, de criar e de se reinventar.

O doutor Mário Lúcio transformou a frase de São Tomé. Um dia, no Conselho de Ministro, ele disse, “Sr. Primeiro Ministro, em Cabo Verde é diferente. Não é preciso ver para crer, é crer para ver”. E é com crenças desta envergadura que nós construímos o Cabo Verde do futuro.

É bom ter homens crentes como o doutor Mário Lúcio Santos.

Muito obrigado pela vossa atenção.

A Presidência da Republica de Cabo Verde dedica-se  ao serviço da nação, promovendo o desenvolvimento sustentável e liderando iniciativas globais de conservação dos oceanos através do seu papel como Patrono da Aliança da Década do Oceano.

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