Mensagem de S. E. o Presidente da República de Cabo Verde, Dr. Jorge Carlos de Almeida Fonseca, para o Dia da Criança Africana, 16 de Junho de 2019
Neste dia em que se assinala o Dia da Criança Africana, adoptado pela União Africana no início da década de noventa do século passado, em referência ao significativo e lamentável 16 de junho de 1976, em que uma manifestação pacífica, a favor do direito à uma educação de qualidade e à aprendizagem nas línguas maternas pelas crianças da maioria da população do país, foi violentamente reprimida pelas autoridades, levando à morte de vários estudantes e muitas crianças e a um evento de extrema violência que ficou conhecido como o “Levante do Soweto” (subúrbio negro de Johanesburgo), é fundamental que se continue a agir sobre os problemas e os desafios, assim como reflectir sobre as potencialidades das crianças do nosso continente africano.
O tema proposto para este ano pelo “Comité Africano de Peritos dos direitos e do bem-estar das Crianças” da União Africana, responsável pela concretização da “Carta Africana dos Direitos e bem-estar das Crianças”, consiste na “Acção humanitária em África: os direitos das crianças em primeiro lugar”, chamando a atenção para a necessária prioridade que os direitos das crianças devem assumir nos planos e programas de acção no nosso continente, particularmente em situações de crise humanitária, causadas por desastres naturais como tremores de terra, tsunamis e cheias, epidemias, acidentes industriais de larga escala, tensões e conflitos armados, em que as crianças são as mais vulneráveis e afectadas pelos impactos, resultando em violação dos seus direitos mais básicos, como a subsistência, o acesso a serviços de saúde, de educação e de protecção no geral.
Segundo dados da UNICEF, aproximadamente uma em que cada quatro crianças vive em países afectados por crises humanitárias, sujeitas a diversas violações dos seus direitos relacionados com o acesso a cuidados médicos e medicamentoso, água potável e saneamento, nutrição, educação e protecção. Detenções arbitrárias, torturas e outros tratamentos desumanos, recrutamentos forçados para os conflitos armados, escravidão, agressão e exploração sexual, como casamentos forçados, violações sexuais, tráfico humano e prostituição infantil forçada, são algumas das atrocidades que acometem as crianças nessas situações, principalmente as crianças em situação de vulnerabilidade e, particularmente, crianças com deficiências que exigem atenção especial. Agrava a situação o facto de os trabalhadores humanitários enfrentarem sérias dificuldades em aceder a esses países e a crianças nessas circunstâncias, por impedimentos naturais ou decisões dos perpetuadores dessas situações.
Por conseguinte, há uma significativa proporção de crianças em movimento através das fronteiras internacionais, acompanhadas pelas famílias, por outras crianças ou mesmo sozinhas, grande parte das quais no continente africano, sobretudo na África Ocidental e Central. Dados estatísticos registam que 50% dos refugiados em África são crianças e mais três milhões são forçadas a deixar os seus países de origem devido a diversas crises humanitárias.
Outros desafios para a plena realização dos direitos das crianças africanas são o combate e a eliminação da mutilação genital, do casamento infantil, do trabalho infantil e da má nutrição, os quais são, geralmente, agravados em situações de crise humanitária.
Com o progressivo desenvolvimento das novas tecnologias e a expansão da utilização da Internet no continente africano, inclusive pelos mais jovens, têm surgido também novos desafios, por exemplo, no que diz respeito à exploração sexual online, fenómeno ainda pouco conhecido e estudado.
Assim, para uma África mais próspera, baseada no desenvolvimento sustentável e inclusivo, orientado para as pessoas, contando com o potencial dos povos africanos, especialmente mulheres, jovens e crianças, com liberdade, democracia boa governação, e respeito pelos direitos humanos, justiça e Estado de Direito, pacífica e segura, com uma forte identidade cultural, como está definido na Agenda 2063 da União Africana, há que investir, acima de tudo, nas crianças e nos mais jovens, proteger e realizar plenamente os seus direitos de modo a que possam estar capacitados e em condições de erguer a África que se ambiciona.
É neste sentido que o Comité Africano de Peritos dos Direitos e do Bem-estar das Crianças desenvolveu a “Agenda 2040: promovendo uma África adequada para as crianças”, com o objectivo de restabelecer a dignidade das crianças africanas, principalmente as afectadas pelos diversos problemas do continente, aplicando as leis dos direitos humanos internacionais nas situações de emergência humanitária, com prioridade para as crianças.
Embora no nosso país as crianças não tenham enfrentado, até agora, situações de emergência humanitária, sejam legalmente protegidas por um conjunto de leis internacionais e nacionais e de políticas e programas de protecção dos seus direitos que lhes permite o acesso aos serviços básicos para o seu desenvolvimento integral, nomeadamente a nível da saúde, educação e protecção social, persistem muitos problemas e desafios que merecem a atenção especial das autoridades, dos diversos agentes sociocomunitários e das famílias.
Continua-se a verificar diversos casos de abuso e exploração sexual, com problemas ainda a nível da protecção das crianças a esse nível e da devida e necessária justiça para a adequada correcção dessas situações e tratamento das vítimas e dos agressores. Em relação à exploração sexual, é preciso uma especial atenção ao fenómeno da prostituição infantil nos meios urbanos e turísticos onde já há estudos preliminares que indicam a existência dessa nefasta violação do direito da criança.
Associados a esses problemas, estão os problemas da sensualização e exposição indevida das crianças, geralmente em eventos socioculturais, e o crescente, mas ainda pouco conhecido, problema da exposição das crianças através das tecnologias e da Internet.
Persistem também os problemas da negligência e dos maus-tratos infantis, do trabalho infantil, do fenómeno das crianças na rua e de diversas situações de vulnerabilidade, perpetuados principalmente no âmbito familiar ou doméstico.
De entre elas, as crianças com deficiência necessitam de uma atenção especial, para além do acesso ao ensino, mas de espaços e/ou serviços que proporcionem respostas adequadas ao seu desenvolvimento integral e inserção social.
Não posso deixar de me referir, também, aos relativamente recentes casos de desaparecimento de crianças, em que até ao momento não há respostas por parte das autoridades, o que é inquietante.
As nossas crianças continuam a ser a nossa maior esperança para a construção de um país cada vez mais próspero, pacífico e inclusivo, pelo que devem ser a maior aposta e prioridade das famílias, das comunidades, das organizações da sociedade civil e do Estado. É preciso, pois, que todos cooperem para que a protecção, o desenvolvimento integral e o bem-estar das nossas crianças se realizem plenamente.