Discurso Proferido pelo Presidente da República, Jorge Carlos de Almeida Fonseca por ocasião da Abertura do XIII Congresso
Mundial dos Farmacêuticos de Língua Portuguesa
Praia, Salão de Banquetes da Assembleia Nacional,
04 de Outubro de 2018
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia Nacional
Exmo. Senhor Ministro, da Saúde e Segurança Social
Exmo. Senhor Presidente substituto da Câmara Municipal da Praia,
Exma. Sra. Bastonária, da Ordem dos Farmacêuticos de Cabo Verde,
Exmo. Senhor Bastonário da Ordem dos Engenheiros de Cabo Verde,
Exmos Senhores participantes no XIII Congresso Mundial dos Farmacêuticos de Língua Portuguesa
Minhas senhoras e Meus senhores,
As minhas primeiras palavras são dirigidas a todos os participantes deste importante conclave, muito especialmente aos que vieram de fora da cidade da Praia, nomeadamente aos oriundos de Angola, Brasil, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, S. Tomé e Príncipe e Timor Leste.
Não podia prosseguir sem referir a justíssima homenagem prestada à Dra. Judite Lima, que foi uma grande pioneira da Farmácia cabo-verdiana, através duma atividade abnegada e muito competente, em condições particularmente difíceis, especialmente nos primórdios da independência.
É uma honra e um prazer recebe-los nesta nossa querida Terra que fez questão de se vestir de verde para vos acolher, e cujas gentes, a começar pela Senhora Bastonária da Ordem dos Farmacêuticos de Cabo Verde, tudo farão para que se sintam em casa e apreendam, na prática, a profundidade dessa parte da alma cabo-verdiana que se manifesta na morabeza.
Desejamos que, para além do debate cientifico numa área particularmente importante para nós, sintam a nossa realidade, conheçam as pessoas da nossa terra, as suas dificuldades e a simplicidade da sua rica e complexa grandeza, através da sua arte, da sua cultura, da sua fala, da vida que a cada instante recria e enriquece.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
É com muita alegria que procedo à abertura deste XIII Congresso Mundial de Farmacêuticos de Língua Portuguesa, não apenas pela extraordinária importância de que se reveste este evento que reúne profissionais de uma das mais importantes áreas da saúde, mas porque se trata da minha primeira intervenção formal após a minha eleição para presidir a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Tenho a oportunidade de, simbolicamente, vivenciar a concretização de uma das minhas grandes ambições que é a realização da CPLP das pessoas, dos povos, das nossas sociedades, objectivo maior que deve ser perseguido pela nossa Comunidade.
Iniciar a minha Presidência da CPLP- que tem por lema, as pessoas, a cultura e os oceanos – inaugurando um encontro de alto nível de pessoas, congregadas através de organizações da sociedade civil, enche-me de júbilo, porque vem ao encontro do que sempre defendi.
Durante dois dias de trabalho intenso, dezenas de especialistas dos países da CPLP debruçar-se-ão sobre temas de uma actualidade gritante e que dizem respeito a todos os homens e mulheres dos nossos países, numa área vital para todos, a saúde.
As pessoas que irão reflectir sobre as questões propostas, fazem-no, na qualidade de cidadãos interessados em trocar experiências, partilhar ideias com vista a encontrar os melhores caminhos, as melhores soluções para os desafios que se colocam aos cidadãos dos nossos países.
Entendo que a construção da CPLP deve seguir esta via. A via das pessoas, dos técnicos, dos profissionais, que nas diferentes esferas de atuação, pretendem edificar uma instância que, antes de mais, deve ter o rosto das pessoas, conter as preocupações das pessoas, os seus anseios e potencialidades.
A língua, a cultura e o próprio oceano mais não são do que simples, ainda que importantes pretextos ou instrumentos que permitem o encontro, por vezes complexo, de pessoas.
As vicissitudes da história proporcionaram-nos a possibilidade de utilização de uma língua comum, a incrustação de traços semelhantes nas nossas culturas, facilitando o entendimento entre gente espalhada por quatro continentes e que, no fundo, quer apenas viver e ser feliz.
Na realidade o Estado e suas diferentes instituições só concretizam, no seio da CPLP, a sua razão de ser, quando, nas diversas áreas, proporcionam ou facilitam esse encontro, essa troca de ideias, de
propósitos, interesses, de afetos entre as pessoas concretas.
As suas aspirações e anseios precisam voar nas asas da imaginação na musicalidade dos ritmos e no balanço da poesia, que rasgam horizontes e absolutizam a relatividade mas não dispensam mensageiros de carne e osso. Não dispensam as pessoas, portadoras de cultura, dúvidas, inquietações.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Por ocasião da celebração dos seus 25 anos, a Associação dos Farmacêuticos de Língua Portuguesa, AFPLP, organiza o seu XIII Congresso Mundial sob o lema “Farmacêutico no Sistema de Saúde”. Poderia parecer inusitado que, para uma profissão que tem mais de oito séculos de existência, ainda hoje se discuta a sua relação com o sistema que a define e no seio do qual sempre existiu.
Naturalmente, tal estranheza dissipa- se quando se atentar para o facto de essa profissão, que não pode ser estática, estar em evolução constante, aliás , a exemplo do que acontece como o sistema de saúde, que acompanha e em certa medida é a emanação da sociedade em que se insere.
Da botica à farmácia de hoje transformações fundamentais ocorreram no mundo e nos sistemas de saúde, exigindo adaptações frequentes, muito particularmente nos tempos atuais em que as transformações, a todos os níveis, ocorrem num ritmo tão acentuado que a necessidade de mudanças constantes parece ser a característica definidora dos dias de hoje.
Um dos desafios que hoje se coloca aos profissionais da saúde, farmacêuticos incluídos, é a aparente contradição entre a tendência para a acentuada especialização, potencialmente segmentadora e atomizadora de grande parte das áreas da saúde, e a necessidade de uma compreensão cada vez mais holística da pessoa doente ou da pessoa saudável.
A especialização tem permitido penetrar e desvendar a intimidade das células e mesmo perscrutar os mistérios da própria vida. A biologia molecular, a nanotecnologia, a genética, entre outros, têm proporcionado avanços muito importantes ao nível do diagnóstico e dos tratamentos de inúmeras doenças.
A inteligência artificial tem proporcionado avanços até há bem pouco inimagináveis.
Cada vez fica mais claro que são diversos os saberes que podem dar conta da complexidade do ser humano e a necessidade que cada vez mais se impõe, de forma lapidar, de ele, doente ou saudável, apenas podem ser apreendido numa perspetiva integrada. e abrangente
É neste quadro que, entendo que, mais do que nunca, a perspetiva global é a mais indicada para dar conta dessa complexidade em que o homem se desdobra e que amalgama as vertentes biológica, psicológica e sociocultural.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Ouso acreditar que, num contexto de mudanças permanentes, o debate constante é o caminho mais seguro para inevitáveis adaptações.
A perspetiva multidisciplinar que essa visão encerra implica negociações permanentes, uma vez que os progressos de cada área têm de ser partilhados especialmente num domínio, como o da saúde, em que as fronteiras entre determinados saberes nem sempre se mostram claros.
Não se trata, naturalmente, do retorno à época anterior ao século XIII em que a medicina e a farmácia se fundiam na botica, mas de potencializar as contribuições dessas diferentes áreas da saúde em benefício das pessoas e das comunidades.
Para tal, o perfil de cada profissão deve ter os contornos tão definidos quanto possível, especialmente quando o traço de união entre as profissões é o medicamento, instrumento fundamental no diagnóstico, na prevenção e no tratamento das pessoas que sofrem.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
A importância do medicamento nos sistemas de saúde é enorme, pois, não raras vezes, o acesso a esse produto significa a diferença entre a vida e a morte, entre uma qualidade de vida adequada e um sofrimento atroz.
Sabemos que o grande objetivo dos sistemas de saúde é proporcionar aos cidadãos, nas diferentes fases das suas vidas, os meios que lhes permitam viver melhor, prevenir as doenças e curá-las ou tratá- las quando aparecem.
Neste quadro, talvez não seja exagerado afirmar que tudo gira à volta do medicamento, pois boa parte da intervenção dos profissionais de saúde tem por objetivo definir os processos terapêuticos, entre os quais os medicamentos têm papel central, mais adequados para solucionar ou prevenir os problemas que afetam as pessoas.
O farmacêutico, profissional que lida com as diferentes facetas deste instrumento, pedra angular de qualquer sistema de saúde, tem uma responsabilidade acentuada que deve traduzir-se na assunção plena das suas responsabilidades e no reconhecimento, por parte das autoridades sanitárias e da
sociedade, papel importante que ele tem para o sistema e que vai muito além da relação imediata que mantém com o medicamento.
A garantia do efectivo exercício do direito à saúde, consagrado nas diferentes Constituições, pode, em parte, ser avaliado pelo acesso aos medicamentos essenciais que, em grande parte, depende da intervenção do farmacêutico inserido nos hospitais, nas farmácias comunitárias, ou nas estruturas de planeamento.
Cabe, ainda, ao farmacêutico participar e ou acompanhar a produção de fármacos, actividade de grande complexidade que envolve investigação de ponta e avultadíssimos investimentos.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
A definição de prioridades na produção e distribuição de medicamentos, de um modo geral, espelha as grandes assimetrias regionais e sociais que caracterizam o mundo de hoje, e reflete, por vezes os conflitos e tensões entre as lógicas de investimentos que devem ter retorno e a saúde das pessoas que não deve ser tratada como uma mera e simples mercadoria.
Esta realidade levou O Prémio Nobel de Medicina Richard J. Roberts a questionar em que medida a indústria farmacêutica não conduz à produção de medicamentos com vista ao lucro, e não o tratamento e a cura dos doentes.
Nesta linha de pensamento explica-se a existência das chamadas doenças negligenciadas, como a malária, a oncossarcose, a filariose, a dengue, entre outras, que, no geral, não seriam objeto de grande preocupação da indústria farmacêutica, pois afectam populações de países pobres que não teriam como assegurar o retorno do capital investido.
Contudo, convém referir que alguns laboratórios têm desenvolvido programas que procuram minimizar as consequências desta trágica realidade.
Em grande parte dos nossos países, parcelas significativas das nossas populações não têm acesso, ainda, a medicamentos essenciais e outras actividades relacionadas com os cuidados básicos de saúde. Geralmente essa realidade é um indicador das condições de saúde que prevalecem, o que, a par de outras limitações, pode configurar um quadro de exclusão social.
Infelizmente, esta situação pode conduzir a práticas muito nocivas, como a auto medicação e o comércio ilegal e perigoso de medicamentos.
Esta realidade apenas pode ser alterada definitivamente, no âmbito de mudanças essenciais de todo o sistema ou mesmo de políticas sociais mais abrangentes.
Contudo, convém não perder de vista que a relação que existe entre os factores que determinam a conformação dos sistemas de saúde e estes, não são mecânicas. Por isso, é possível dentro de certos limites a estruturação de sistemas que podem contribuir para a melhoria das condições de saúde das pessoas mesmo na ausência de grandes alterações das determinantes sociais da doença.
Nestas circunstâncias a contribuição da saúde para o desenvolvimento é deveras inquestionável.
Minhas Senhors e Meus Senhores,
Fica muito clara a importância do papel do farmacêutico em todo esse processo. O seu conhecimento é fundamental na elaboração e concretização de políticas de saúde, particularmente em condições difíceis, como ocorre em muitas regiões dos nossos países.
O programa do Congresso propõe o debate de temas de grande atualidade cujas abordagens, seguramente, serão contribuições de peso para os responsáveis pela saúde nos nossos países.
Pela importância de que se reveste, permito-me destacar um que vem preocupando de forma muito particular os profissionais da saúde, os decisores políticos e os cidadãos.
Refiro-me à resistência antimicrobiana que constitui um dos mais sérios desafios dos dias de hoje e que tem acarretado muito sofrimento e consumido recursos muito elevados que poderiam ser canalizados para outras áreas da saúde.
Estou certo de que serão propostos caminhos no sentido de se concretizarem as propostas da OMS para se fazer face à resistência antimicrobiana, especialmente no que se refere à racionalidade dos sistemas de saúde, nomeadamente, no que toca ao acesso aos medicamentos essenciais, ao reforço da vigilância laboratorial, à prevenção e controlo das infecções, bem como à utilização adequada dos medicamentos na pecuária.�
Excelências,
Eminências,
Ilustres convidados,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Agradeço penhoradamente o convite para presidir a abertura deste XIII Congresso Mundial dos Farmacêuticos de Língua Portuguesa e as generosas palavras que me foram dirigidas.
Renovo os votos de boas vindas aos que vieram de outros países, e exprimo a minha profunda convicção de que todos os participantes contribuirão para que os objetivos deste Congresso sejam atingidos para bem da saúde de todas as mulheres e homens da nossa Comunidade.
Declaro aberto o XIII Congresso Mundial dos Farmacêuticos da CPLP.
Muito obrigado.