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O Presidente da República, José Maria Neves, presidiu esta manhã, 12 de junho, data do centenário de São Filipe enquanto Cidade, ato esse que decorreu no nobre salão da Casa das Bandeiras. Na sua comunicação, o Chefe de Estado, que interveio na qualidade de Presidente de Honra do Centenário, realçou a rica história da cidade e do munícipio e das suas gentes orgulhosas do caminho percorrido.
Neste seu exercício de reflexão, Neves congratula-se com a ambição e visão de desenvolvimento demonstradas pela atual gestão camarária, sob a liderança do edil Nuias Silva. Mais do que isso, ao mesmo tempo que aponta caminhos para o futuro, o Presidente Neves encoraja as autoridades e cidadãos sanfilipenses a serem ousados e lança o desafio da cidade se candidatar a Património da Humanidade, pela sua riqueza histórica, cultural e arquitetónica.
“São Filipe tem tudo para ser património da humanidade. Temos de assumir isso como um desígnio nacional e agir em consequência”, salienta o Presidente da República.
Assim, José Maria Neves manifesta a sua confiança num futuro ainda mais risonho para a centenária cidade de São Filipe.
José Maria Neves aproveita ainda o ensejo para encorajar o reforço do diálogo entre o Governo central e autoridades municipais, na linha de uma maior descentralização que possibilte maior autonomia financeira e política das municipalidades. Isso, para que melhor possam materializar as suas políticas e projetos de desenvolvimento local.
Leia ou veja, na íntegra, o discurso de Sua Excia. o Presidente da República, Dr. José Maria Pereira Neves, a seguir:
Foi um grande Amigo de Cabo Verde e dos cabo-verdianos. Esteve presente em momentos decisivos da História contemporânea destas ilhas. Angola e a África perderam um líder que adubou a favor do Continente a nova geopolítica na África Austral e Central e garantiu a Paz e a Integridade Territorial em Angola.
Peço-vos um minuto de silêncio em memória do Presidente José Eduardo dos Santos.
Senhor Presidente da Assembleia Municipal de São Filipe,
Senhor Presidente da Câmara Municipal de São Filipe,
Senhores Presidentes de Câmara Municipal e de Assembleia Municipal aqui presentes,
Senhor Presidente Pedro Pires,
Senhores e Senhoras Eleitos Nacionais e Locais,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Não é todos os dias que uma cidade celebra o seu centenário, muito menos assim: orgulhosa, invicta e, sobretudo, plena de vida, de rumo para o desenvolvimento e de confiança no futuro. Parabéns, São Filipe Cidade!
Expresso, mais uma vez, toda a satisfação e todo o orgulho que tem sido para mim ser o Presidente de Honra das Comemorações do Centenário da Cidade de São Filipe, Centenário que se celebra precisamente hoje, dia 12 de julho.
Reitero as minhas felicitações à Câmara Municipal de São Filipe, na pessoa do Senhor Presidente, Eng. Nuias Silva, e congratulo-me pela riqueza do programa que, desde há alguns meses, tem sido cumprido, com criatividade e uma evidente preocupação de envolvimento dos cidadãos e diferentes instituições.
A todos parabenizo pelo alto desempenho, o que constitui motivo de regozijo e de orgulho generalizado para os que se associaram a estas festividades, ou nelas se envolveram, direta ou indiretamente. O trabalho e o empenho de cada um foram, ou melhor: têm sido de uma importância decisiva para o êxito destas celebrações. Espero que o sucesso alcançado tenha um efeito inspirador e multiplicador, com benefícios que perdurem no tempo.
Ou seja, era importante que as celebrações se traduzissem num ganho para a cidade e a para a ilha. Ganho de maturidade institucional, ganho na capacidade de articulação intra e interinstitucional e na da mobilização de vontades, ganho igualmente na vontade política e colectiva de desejar e projectar novos ciclos de progresso para a cidade, para todo o município e toda a ilha.
A celebração não é ponto de chegada nem objectivo que se contenta com si mesmo. Não! Estamos aqui todos a ser parte de um novo ciclo. Celebrar cem anos é abrir um ‘cem número’ de oportunidades, de desafios a vencer. É reacender o orgulho de ser cada vez mais São Filipe Cidade!
Este espaço que, desde há cem anos, é a cidade de São Filipe, rico em referências históricas que nos transportam para o século XV, é um lugar prenhe de memórias, bem como uma referência incontornável na formação da Nação cabo-verdiana. O contributo desta urbe para a formação desta ‘comunidade de destino’ que somos é, na verdade, extraordinário. E é admirável a forma, única à escala de Cabo Verde, como os são-filipenses têm sabido ser guardiões dessa memória, contribuindo ativamente para a preservação da identidade nacional.
Outrossim, é proverbial a elevada autoestima coletiva desta população. Este elevado espírito de cidadania cultural e patrimonial é o garante e porventura a forma mais eficaz de se manter uma cidade. Digo mesmo: de ser cidade, pois que não há cidade sem que se assuma e pratique, na plenitude, as exigências da mundividência urbana e mesmo cosmopolita. Ser cidade é também a capacidade de ser mundo ou de receber em si o mundo. O mundo no que ele tenha de diferenças e diversidades, de culturas e línguas, de ciência e tecnologia, de curiosidade e descoberta, de uma sempre renovada apetência para a novidade. Ser cidade é este permanente desejo de ser e ter Luz. O orgulho, a personalidade, a identidade e – por que não dizê-lo? – a “alma di Djarfogo” são assim ativos que militam a favor do desenvolvimento desta cidade e da ilha.
Na verdade, estamos perante um ativismo cívico, cultural e social, a todos os títulos exemplar, e que, ao longo da história, contribuiu para o vigor intelectual da sociedade cabo-verdiana. O Fogo, em geral, é berço de grandes figuras, entre nativistas, nacionalistas, escritores, músicos e outros ramos da Cultura, Homens e Mulheres que, com fibra e verticalidade, souberam alimentar um sentido de orgulho e lisura na feitura da História. Podemos citar Pedro Cardoso, Pedro Pires, Teixeira de Sousa, Abílio Macedo, António Carreira, Luís Rendall, e muitos outros.
E acrescento ainda, na linha dessa marca cosmopolita, a presença do músico e compositor B.Leza que, ainda jovem, veio trabalhar nesta cidade. Ajudou a juventude a desejar um outro tempo, influenciou positivamente a vivência foguense, sendo que muitas das suas composições emblemáticas foram feitas aqui em São Filipe.
Julgo que é chegada a hora de lançar luz, a tal luz do conhecimento, sobre as Mulheres que ajudaram São Filipe a percorrer este caminho jovem de cem anos. Nenhuma cidade se faz sem as suas Mulheres, a sua coragem, o seu labor, o seu carinho, a sua sabedoria. É preciso que esse contributo das Mulheres saia do anonimato. E saia com o mesmo fulgor e o mesmo calor de alma com que Ana Procópio nos ensinou a dizer e a ser gente destemida e autêntica.
A ilha do Fogo no seu todo é muito ciosa da sua memória, como bem atestam a Casa das Bandeiras e a Casa da Memória. Esse cuidado na preservação do passado e da memória coletiva segue a mesma preocupação dos historiadores quando alertam para o facto de que “um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado.” Neste particular, a Cidade dos Sobrados é um exemplo inspirador e que deve ser seguido.
A trajetória, até ao presente, autoriza-nos a um balanço positivo sobre os ganhos, e uma reflexão otimista quando perspetivamos os próximos anos. São Filipe e o Fogo estão preparados para ganhar o futuro. Nesta cidade e nesta ilha está gente empreendedora, resiliente, de uma persistência capaz de ir até ao limite. A população de Chã das Caldeiras é, seguramente, o exemplo vivo dessa vontade indomável de vencer obstáculos que, à partida, possam parecer intransponíveis.
A realidade do Fogo enquadra-se num todo nacional e, contabilizados quarenta e sete anos de Independência, e trinta e dois anos de implantação do multipartidarismo em Cabo Verde, é justo reconhecer os ganhos, que são aliás evidentes. Porém, os desafios renovam-se a cada dia e há que criar as condições para darmos o salto, com pragmatismo e inteligência.
Neste chão, temos os ingredientes que, bem agregados, contribuirão para que a ilha dê esse grande salto em direção ao futuro. A criação da perspetiva de futuro tem por base alguns questionamentos, designadamente, quais os recursos para que a ilha seja articulada como uma unidade territorial relevante para o desenvolvimento do todo nacional. O Fogo tem tudo para ser um polo dinamizador do progresso nacional.
As potencialidades aqui existentes são imensas e há que saber aproveitá-las. Desde já, o vulcão e todas as atividades conexas; o facto de o Fogo ser uma reserva mundial da biosfera pela Unesco; o turismo, nas suas mais diversas vertentes; atividades agrícolas, com destaque para a enologia e a produção de café; a pecuária, as indústrias agroalimentares e a gastronomia; as manifestações culturais, a exemplo das festas das bandeiras, cantadeiras, carpideiras; e géneros musicais, como talaiabaxo, são amostras de grandes capacidades de desenvolvimento, cujos ganhos se fariam sentir, até na vizinha ilha Brava.
Precisamos de inventividade e ousadia no plano dos investimentos transformadores da realidade da ilha e do país. Por exemplo, o caso da mobilização de água para o salto decisivo em matéria de agricultura. Não podemos continuar a adiar o que tem de ser feito. É preciso ousar.
Quando falamos das potencialidades, e para que estas sejam realmente concretizadas, não podemos esquecer de empoderar os cidadãos, e a juventude, em particular. Constata-se que muitos jovens têm ideias e projetos interessantes e viáveis, mas que acabam por esbarrar na dificuldade de financiamento dos mesmos. Reconhecemos o trabalho que vem sendo feito pela Pro-garante e pela Pro-empresa, mas é preciso ser mais ousado e ir mais longe.
A ilha e a região revelam-se atractivas, tanto para o investimento nacional, como o estrangeiro. Devem ser criadas as condições para que os mesmos possam efetivar-se, com destaque para o investimento dos nossos emigrantes. Um maior desenvolvimento só será alcançado com a densificação do tecido empresarial, sobretudo com micro e pequenas empresas, que estão fadadas a dar um enorme contributo para a inclusão e para o progresso das nossas ilhas.
Convém pontuar que Cabo Verde é uma Nação diasporizada e um Estado transnacional, duas realidades que devem ser aproveitadas de forma mais eficaz, designadamente pelo incremento das remessas de conhecimento, nos domínios da investigação, da saúde, da educação ou empresarial. Mas persiste a dificuldade, tanto para atrair, mas principalmente, para garantir a permanência desses quadros no país, para trabalhar na Administração Pública, tal é o choque de realidade entre o que temos e o que eles podem dar. Ou seja, há um ganho de eficácia e sofisticação que ainda não assegurámos.
Temos aqui e assim uma razão acrescida para acelerar o ritmo da nossa Administração Pública, pensando no irrecusável contributo que a nossa emigração pode proporcionar ao desenvolvimento da pátria. Pela sua imensa diáspora, pelos seus recursos e vocação, o Fogo pode servir de laboratório para aquilatar sobre o contributo desses nossos compatriotas para a ilha e para Cabo Verde. São Filipe e toda a ilha do Fogo podem ajudar Cabo Verde a desfrutar melhor da nossa Diáspora e a ser na verdade um bom Estado com Diáspora.
Por outro lado, devemos aproveitar e potenciar todos os fatores de desenvolvimento, sem perder de vista que Cabo Verde é muito mais do que a soma das ilhas. Urge combater a dupla insularidade e ter em conta que as sinergias geradas entre as diversas ilhas podem e devem ser melhor potencializadas.
Num arquipélago, a conetividade revela-se determinante como causa de constrangimento, ou um fator de competitividade. Há que, definitivamente, ultrapassar as dificuldades que ainda persistem e integrar o país, abrir as ilhas ao todo nacional e ao mundo. Quer dizer que é preciso que haja condições mais favoráveis para uma maior mobilidade de pessoas e bens entre todas as ilhas, sem exceção.
Se é certo que se deve prosseguir investindo na preservação do património cultural da ilha, em geral, também é verdade que os foguenses defendem bravamente tudo o que diz respeito à sua riquíssima cultura e identidade, o que é fácil de constatar, das festas populares à culinária, da música à literatura, estando assim criadas as condições para um futuro promissor nesta área.
A preservação do património construído é outro aspeto que merece ser realçado. A Cidade dos Sobrados merece destaque, e pela positiva. É caso singular em todo o território nacional e deve servir de exemplo para os demais centros urbanos históricos. Nos congratulamos com o empenho, o esmero e a devoção como particularmente os são-filipenses tratam esses imóveis que são um tesouro da arquitetura colonial e do património edificado de Cabo Verde.
São Filipe tem tudo para ser património da humanidade. Temos de assumir isso como um desígnio nacional e agir em consequência.
Insisto que, no concernente às relações entre o poder Central e o Poder Local, temos de inovar, modernizar, criar, atualizar e alterar a legislação atual de forma a responder aos desafios do presente e do futuro. São reformas necessárias para impulsionar o desenvolvimento local e atingir os resultados que todos nós justamente ambicionamos para todos os rincões de Cabo Verde.
Só a revisitação dessas leis permitirá a criação de novas medidas de política para uma descentralização do poder e a transferência de recursos para as ilhas e para os municípios, reduzindo a excessiva e castradora dependência financeira em relação ao Poder Central. Por exemplo, constata-se a existência de áreas de investimentos dentro do perímetro das Autarquias Locais, mas que estão com o poder Central.
Reitero a urgência da descentralização de recursos. Na presente conjuntura, temos de agir com inteligência, pelo que é fundamental acelerar o processo de descentralização dos diferentes programas de governação, com o concurso dos Municípios, ONG’s e empresas. Do mesmo passo, defendo que, no quadro da parceria especial com a União Europeia, os Municípios sejam activamente integrados.
Termino, renovando os votos de que a cidade de São Filipe, e a ilha do Fogo, continuem a trilhar os caminhos do desenvolvimento, com projetos estruturantes e que a “teimosia” e a ambição de sempre continuem a fazer chegar o progresso e o bem-estar, de forma permanente, a todos os sanfilipenses e a todos os foguenses.
Ser Cidade centenária é, acima de tudo, esta alegria e este orgulho reacendidos no peito de cada um dos sanfilipenses.
Parabéns, São Filipe Cidade.
Parabéns, Fogo. Parabéns, Cabo Verde.
Muito Obrigado.