10 /Maio/18 – Comunicado – Pedido de Fiscalização preventiva da constitucionalidade de norma que altera a Lei sobre os serviços públicos essenciais
A Assembleia Nacional submeteu à apreciação do Presidente da República, para promulgação, o acto legislativo que procede à segunda alteração à Lei n.º 88/VI/2006, de 09 de Janeiro, que consagra as regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente.
Pela referida alteração, estabelece-se que também os serviços de gestão de resíduos sólidos urbanos (lixo) são serviços públicos essenciais, passando, portanto, a estar abrangidos pela Lei que regula os serviços públicos essenciais.
Não obstante o Presidente da República concordar com a inclusão dos serviços de gestão de resíduos sólidos urbanos no elenco dos serviços essenciais, teve sérias dúvidas relativamente à conformidade constitucional da norma daquele acto legislativo que estabelece que o não pagamento de serviços de gestão de resíduos sólidos urbanos é causa de suspensão da prestação de qualquer outro serviço público essencial, ou seja, de suspensão do serviço de fornecimento de água, de energia eléctrica ou do serviço fixo de telefone.
Esta norma suscitou a S.E. o Presidente da República dúvidas quanto à sua conformidade com o artigo 81.º da CRCV, que estabelece os direitos dos consumidores, em especial o direito à qualidade dos bens e serviços consumidos e o direito à protecção dos interesses económicos dos consumidores, e com o artigo 17.º, n.º 5, também da CRCV, que consagra o princípio da proporcionalidade.
Face a estas dúvidas, S.E. o Presidente da República requereu ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da constitucionalidade da norma constante do artigo 2.º do acto legislativo que procede à segunda alteração à Lei n.º 88/VI/2006, de 09 de Janeiro, que consagra as regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente, em especial à alteração ao n.º 4 do artigo 5.º da Lei n.º 88/VI/2006, de 09 de Janeiro.
O Tribunal Constitucional, apreciado o pedido de fiscalização preventiva, através do Parecer n.º 1/2018, pronunciou-se no sentido de não considerar inconstitucional a norma constante do artigo 2.º do referido acto legislativo, na parte em que altera o n.º 4 do artigo 5.º da Lei n.º 88/VI/2006, de 09 de Janeiro, no que ao direito à qualidade dos bens e serviços consumidos e ao princípio da proporcionalidade diz respeito.
Mas, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 2º daquele acto legislativo, por violação do direito do consumidor à protecção dos seus interesses económicos, consagrado no artigo 81.º da CRCV. Entende o Tribunal que não se acautelou o equilíbrio nas relações entre o fornecedor e o consumidor, tão pouco se protegeu a parte mais fraca (o consumidor). Para o Tribunal, aquela norma atinge posições jurídicas individuais dos consumidores, quem o Estado se obriga a conferir protecção satisfatória, acarretando uma desconsideração, por parte do legislador, de um valor objectivo que se impõe aos poderes públicos, o de respeitar a salvaguarda dos interesses dos consumidores quando desenha o quadro jurídico infraconstitucional a eles aplicável.
Por último, o Tribunal Constitucional pronunciou-se, também, pela inconstitucionalidade da norma em questão por violação de dois princípios aplicáveis à Administração Pública: o princípio da justiça e o princípio da boa-fé. O princípio da justiça, significa que Administração deve guiar-se, na sua relação com os particulares, pelo princípio da dignidade da pessoa humana, pelo princípio da efectividade dos direitos fundamentais e pelo princípio da igualdade e da proporcionalidade. Esta medida de dupla suspensão de serviços não se afigura justa porque se ingere demasiado na esfera patrimonial dos consumidores, cujos interesses económicos legítimos devem ser protegidos quer pelo legislador, quer pela Administração. Por outro lado, a medida consagrada de dupla suspensão torna vulnerável a confiança que o mesmo deposita na previsibilidade em receber os serviços que contrata ao Estado, numa clara violação ao princípio da boa fé, princípio este que postula a fidelidade, a confiança, o cumprimento da palavra dada e a lealdade.
Assim, ao abrigo do artigo 279.º da CRCV, S.E. o Presidente da República devolveu à Assembleia Nacional, sem o promulgar, o acto legislativo que procede à segunda alteração à Lei n.º 88/VI/2006, de 09 de Janeiro, que consagra as regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente.