Discurso de Sua Excia. Presidente da República, Dr. José Maria Neves, por ocasião da cerimónia de abertura do 1.º Encontro de Quadros Maienses PR Residentes na Cidade da Praia

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Discurso sob improviso

Cumprimentar a Senhora Ministra da Justiça, também. Para além de ministra, deve ser do Movimento Independente Maiense (MIM). E cumprimentar também a Senhora Presidente da Assembleia Municipal da Praia, a Senhora Vereadora, aqui, da Ilha do Maio. E cumprimentar o Senhor Presidente do MIM, a Senhora Vice-Presidente, e todas e todos os quadros aqui da Ilha do Maio e todas e todos que o protocolo manda observar. Sintam-se, todas e todos, cumprimentados.

Não trouxe um discurso escrito. Nós, em Cabo Verde, precisamos conversar entre nós. E quis que não fosse algo de meramente formal, de meramente protocolar, para conversar. Porque o que Cabo Verde precisa, em primeiro lugar, é de boas condições de fala. E, segundo, é de uma boa conversa, de um bom diálogo. Este ano, vamos comemorar os 50 anos da nossa independência.

Quem, como eu, adolescente, conheceu Cabo Verde em 1975 e hoje vê o caminho percorrido, pode dizer, com consciência tranquila, que valeu a pena. Demos um salto enorme em Cabo Verde, nos domínios da educação; a vossa presença aqui, o facto de, antes de ontem, na ilha de Santo Antão, terem ido, afinal, duas equipas, final da taça, do Sal Rei, da ilha da Boa Vista, e a Palmeira, da ilha do Sal. Este facto, aliado à vossa presença aqui, mostra a mudança de Cabo Verde. Porque antes, em 1975, a disputa era entre Praia e São Vicente. Hoje, todas as ilhas podem disputar entre si. E esta é uma grande mudança que a independência trouxe. Maio também pode ter campeão nacional, sim, já teve, mas é para exprimir essa força, hoje, Maio também pode ter campeão nacional.

E é importante verem todos os ganhos no domínio da educação. Nós tínhamos dois liceus, hoje temos perto de 50 liceus. Mas como não foi o caminho percorrido, em 1975, para garantir a democratização do acesso ao ensino básico, porque não havia escolas, foi necessário construir escolas para o ensino básico, para garantir que todas as crianças, em todas as ilhas, pudessem ir à escola, formar, do início, professores, e, na década de 90, podermos ter massa crítica suficiente para desenvolver o ensino secundário, e, na década de 2000, sim, avançar com o ensino superior em Cabo Verde. E hoje temos universidades em Cabo Verde.

Perto de metade dos cabo-verdianos estão no sistema de ensino. Se pensarmos nos estudantes, nos alunos do ensino básico e do ensino secundário, se pensarmos na formação profissional, se pensarmos nos professores, nos formadores e no quadro de apoio técnico, mais da metade da população de Cabo Verde está no sistema de ensino, no sistema educativo cabo-verdiano. Bem-aventurado o povo que investe tanto na educação!

Mas a saúde, de treze médicos, sem hospitais, hoje temos dois hospitais centrais, quatro hospitais regionais, centros de saúde em todas as ilhas, em todos os municípios, e temos também médicos em todas as ilhas e todos os municípios. Um ganho extraordinário a nível da saúde! A nível da segurança social, Cabo Verde hoje tem uma cobertura de segurança social porque desde a primeira hora investimos na segurança social! Não é evidente hoje, mas poucos países em África têm um sistema de segurança social como o nosso com a cobertura superior a 62% da população cabo-verdiana.

Mas, os ganhos que nós tivemos a nível das infraestruturas, a infraestruturação no país, os aeroportos, os portos, as estradas, a eletrificação, as telecomunicações, as escolas, os hospitais, os centros de saúde, os liceus, as universidades, nós investimos pesadamente na infraestruturação do país. E hoje, 50 anos depois, Cabo Verde é um país de rendimento médio, é parceiro especial da União Europeia, é um país com uma democracia vigorosa, é um país com um Estado de Direito, é um país estável e é um país onde os direitos e as liberdades e as garantias dos cidadãos são efetivamente respeitados.

Então, fizemos um grande caminho, o percurso é extraordinário e devemos valorizar a resiliência dos cabo-verdianos, não era evidente, em 1975, que os cabo-verdianos poderiam fazer esse percurso. E de um país improvável, hoje definitivamente Cabo Verde é um país possível!

Hoje temos economia, hoje podemos discutir sobre os caminhos, podemos pôr sobre a mesa opções e podemos escolher a melhor opção, em termos de ideias, em termos de lideranças, em termos de equipas. Nós podemos, sim, fazer escolhas entre várias opções, o que em 1975 não era evidente. Hoje temos um poder local forte, um poder local vigoroso, um poder local que está a assumir cada vez mais um novo protagonismo no seu processo global de desenvolvimento.

E este é o balanço que nós devemos fazer nos 50 anos, celebrar as conquistas, celebrar os ganhos, destes 50 anos, a independência, a democracia, a liberdade, o Estado de Direito, as instituições que nós construímos, a estabilidade política que nós temos, que são fatores importantes para o desenvolvimento do nosso país.

Mas, 50 anos depois, é tempo de imaginar o futuro. O futuro que nós podemos construir é aquele que nós conseguirmos imaginar hoje. E, nestes 50 anos, para além de celebrar os ganhos do passado, é fundamental perscrutar o futuro, é fundamental imaginar que futuro queremos para este nosso país. Em primeiro lugar, quero dizer-vos o seguinte, e quero ser muito claro, fizemos razoavelmente bem o que nós tínhamos de fazer nestes 50 anos. Podemos até discutir, uns poderão dizer, deveríamos estar mais avançados neste ou noutro domínio.

A discussão sempre é possível. Mas, globalmente, consideremos que é consensual que nós crescemos e que nós fizemos razoavelmente bem o que nós tínhamos de fazer. Partimos, juntamente com outros países, em condições muito mais difíceis, muito mais precárias, e hoje estamos um pouco mais à frente, andamos mais depressa.

50 anos depois, não podemos continuar a fazer da mesma forma. Estamos num tempo em que é preciso mudar, e mudar radicalmente muitas coisas. E uma das coisas que nós precisamos mudar é o processo de decisão. É o processo de formação das políticas públicas. Se antes nós podíamos decidir em 6, 12, 18 meses, hoje temos que decidir em horas.

Se antes nós podíamos decidir sem debater, hoje não. Hoje temos de debater, hoje temos que justificar as nossas decisões, criar espaços de contra-argumentação e permitir que os outros também questionem o que estamos a decidir. Hoje temos de criar uma outra dinâmica de relacionamento entre o Estado e a sociedade, entre o Estado e o cidadão. É fundamental realizarmos essa mudança.

O processo decisório tem que ser muito mais sofisticado. Dou-vos um exemplo apenas. Em 2001, eu podia assinar um acordo de pescas com a União Europeia sem muito debate.

Não haveria muitos questionamentos. Hoje, se eu assinar um acordo de pescas e não abrir debates com os armadores, com os pescadores, com os partidos políticos, com a sociedade, com os cidadãos, com a academia, com as ONGs, corro o risco dessa decisão ser permanentemente contestada na esfera pública. Hoje, é preciso criar novos canais de relacionamento entre aqueles que governam e a sociedade civil.

Mais, é preciso um novo equilíbrio entre a sociedade civil e o Estado, um novo equilíbrio. Só com esse equilíbrio, sem que a balança penda apenas para o Estado, poderemos encontrar os caminhos que hão de levar-nos a uma maior sofisticação das políticas públicas em casa.

E o segundo aspeto é que temos de fazer as coisas mais depressa. E é isso que nós estudamos como eficiência. É fazer certo as coisas, eficiência, mas fazê-las rapidamente. Reduzindo os custos. Não é por acaso que os americanos dizem que time is money! É precisamente isso. Nós desperdiçamos muito tempo. O Alvin Toffler diz que a diferença entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento está no tempo. É fundamental pensarmos nisso.

A terceira questão tem a ver com os resultados. Nós vamos à universidade, falamos de eficiência, falamos de eficácia. É claro que eficácia tem a ver, como eu já vos disse, com fazer certo as coisas num tempo adequado. E a eficácia tem a ver com fazer coisas certas. Tem a ver com os resultados. Então, temos que perspetivar mais os resultados. Em Cabo Verde ficamos a discutir, discutir, discutir formas. Quem entra ou quem sai em primeiro lugar? Quem está mais ou menos bem-vestido? Quais são as regras formais? E esquecemos dos resultados, que afinal é a razão das discussões que nós fazemos. É, sim, sofisticar o processo decisório, mais eficiência na execução e mais eficácia nos resultados. Fundamental.

Outra dimensão extremamente importante. Nós temos que reaprender a discordar entre nós. A democracia é um espaço de divergência. A democracia é desacordo, a democracia é desentendimento. Só que temos que saber desacordar. Temos de saber construir espaços de desentendimento.

Porque, também como diz Eclesiastes, “há um tempo para tudo. Há um tempo para o amor e há um tempo para a guerra”. Há um tempo para desacordo, isso eu é que estou a dizer, não é, Eclesiastes. E há um outro tempo para acordo, para entendimento. Mas para isso temos de aprender a desacordar. Para podermos saber acordar. Portanto, em Cabo Verde, não temos tido capacidade de conseguir acordos.

Não é possível que fiquemos quatro, seis anos sem poder renovar um órgão externo no Parlamento porque não há acordo entre os partidos políticos. Não é possível o Tribunal Constitucional terminar o mandato, não há acordo para a renovação do mandato do Tribunal Constitucional. Não há possibilidade de renovar o mandato dos membros da Comissão Nacional de Eleições.

Não há possibilidade de renovar o mandato, acho que já estão há quase seis anos, da Autoridade de Regulação da Comunicação Social. Não é possível. Nos tempos de hoje, seis anos são quase 60, ou 80, ou 100. Temos de poder andar mais depressa. O que é que tem que mudar? É o chip, as nossas cabeças. Há um programa que está a ficar cada vez mais dentro da caixa que se chama Fora da Caixa. Então, temos de começar a pôr as nossas mentes fora da caixa. E é essa a ideia que eu queria dizer-vos.

Por outro lado, e para terminar, eu queria dizer-vos que precisamos de um novo pacto entre as ilhas. Nós somos ilhas. Um arquipélago não tem capital, tem ilhas. Um arquipélago tem de se dar mais poder nesses dez anos, nesses cinquenta anos. Já é tempo de darmos mais poder e mais recursos às ilhas. As ilhas têm de ter um novo formato institucional para assumirem novo protagonismo no seu processo de desenvolvimento. É fundamental que nós consigamos um novo pacto entre as ilhas, para combatermos definitivamente as assimetrias regionais. Para que cada ilha assuma cada vez mais o compromisso na resolução dos seus desafios.

E é importante que hoje muitos dos poderes, muitos dos recursos que estão no Governo Central sejam, sim, transferidos às ilhas, aos municípios ou a outras entidades institucionais que venhamos a criar para que as ilhas possam assumir um novo protagonismo no seu processo de desenvolvimento.

Temos dito que Cabo Verde é um país pobre. Não! A pobreza tem a ver com a mente de cada um de nós. Portanto, a construção deste futuro que nós queremos imaginar tem de ser construído com as mãos e com as mentes. Novas mentes! Então, nós temos sim hoje os alicerces, as bases para modernizar Cabo Verde, para construir um país mais próspero, um país mais justo e um país com mais oportunidades!

Nós estamos aqui no Tech Park, um grande empreendimento! Pela via da economia digital, nós podemos criar enormes oportunidades e enormes possibilidades de desenvolvimento de Cabo Verde.

Vejam o sol, o vento que nós temos aqui em Cabo Verde. A transição energética que nós podemos fazer, mas não só para produzir energia, mas podemos transformar Cabo Verde num centro internacional de formação na área das energias renováveis. A todos os níveis, desde a formação profissional, a doutoramento e pós-doutoramento, a investigação na área das energias renováveis. As energias do futuro. Cabo Verde pode investir pesadamente neste domínio e sermos uma potência neste domínio.

Mas vejam o mar, nós somos quase 100% o mar. O nosso nome é um paradoxo. Nós somos nem Cabo, nem Verde. Nós somos as 10 ilhas azuis aqui no meio do Atlântico. Então, o mar, as oportunidades que o mar nos oferece, desde a produção de água, da produção de energia, da produção de medicamentos, da indústria alimentar, dos transportes, do turismo. O mar é o futuro de Cabo Verde! E aqui também Cabo Verde pode ser um centro internacional de formação, a todos os níveis. De investigação, também a todos os níveis. E Cabo Verde ser um centro de atração, de investigadores, de empresas, para criarmos oportunidades.

E nós temos as indústrias criativas. Cabo Verde tem enormes potencialidades. Esses são os minérios do futuro. O mar, as indústrias criativas, o sol, o vento, as tecnologias informacionais. E eu sei, eu sei que até agronegócio nós podemos desenvolver em Cabo Verde! Em Cabo Verde, não só aqui para as nossas ilhas, mas para exportação. Não investir em quantidade, investir em qualidade. Competir pela qualidade, pela inovação, pela inteligência.

Então, Cabo Verde tem futuro, sim! Hoje, os jovens estão a sair, massivamente. Mas os jovens saem porquê? Os jovens saem porque vão procurar novas oportunidades! Vão procurar melhores condições em termos salariais. Os salários em Cabo Verde ainda são baixos. Os rendimentos ainda são baixos. E basta ver a diferença entre um chef de uma cozinha aqui e nos Açores ou em Portugal, para não falarmos da Itália ou da França. Ele sai à procura de novas oportunidades, de novos rendimentos, de melhores salários, de melhores condições de vida. Temos condições em Cabo Verde, sim, de melhorar os salários, de melhorar os rendimentos e de criar melhores condições de vida entre todos os cabo-verdianos.

E o fundamental, minha gente, os partidos políticos são extremamente importantes para a democracia. São pilares do estado de direito democrático. Eu mesmo, nos meus 65 anos de vida, devo ter passado 55 nos partidos políticos.

Agora, eu quero dizer-vos: o mundo onde começa e acaba nos partidos políticos. Temos de despartidarizar a sociedade civil cabo-verdiana e criar as condições para os cidadãos, para a sociedade civil, livre das peias colocadas pelos partidos políticos, das balizas colocadas pelos partidos políticos, poderem debater e poderem imaginar este futuro juntamente, sim, com os partidos políticos que são importantes.

Então, parabéns, MIM. Parabéns por criar esse espaço para além dos partidos para pensar e imaginar este futuro. Eu tenho uma enorme confiança em Cabo Verde! Eu tenho uma enorme confiança nos quadros cabo-verdianos. Eu conheci a Isa Marley quando estava em Portugal a fazer doutoramento. E pude ver, estuda matemática, não é? Fez licenciatura em matemática. E quando ela me disse que era da Ilha do Maio, encontrar uma jovem em Lisboa com esta cabeça, da Ilha do Maio, eu digo: não, Cabo Verde tem futuro! Cabo Verde tem talento.

Qual é o problema? O problema é criar espaços para que esses talentos se apresentem na esfera pública. E este fórum é uma possibilidade de mostrar e de fazer brilhar os talentos da Ilha do Maio.

Então, parabéns. Podem dar asas à vossa imaginação! Os limites não existem para quem quer pensar, quer imaginar e quer construir um novo futuro para Cabo Verde. Não tenhais medo, não tenhais medo! O futuro está ao nosso alcance desde que estejamos preparados para construir. Porque o futuro existe quando for por nós construído com as nossas próprias mãos.

Parabéns e muito bom fórum sobre o desenvolvimento da Ilha do Maio!