PR insiste na criação de condições para maior autonomia financeira dos municípios

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O Presidente da República, José Maria Pereira Neves, presidiu este domingo, o ato solene de comemoração do 28º aniversário do Município de São Domingos e, na ocasião, realçou os ganhos conseguidos desde o estabelecimento do município, assim como os desafios que este enfrenta, entre os quais reduzir a alta dependência financeira do Governo central e que permitir-lhe-ia alavancar o seu desenvolvimento.

Entre as propostas avançadas pelo Chefe de Estado, este sugere a criação de um Fundo de Desenvolvimento Local e Regional. Este teria como propósito “conferir uma maior autonomia financeira dos Municípios em relação ao Governo. Tal Fundo a ser dotado de recursos provenientes do Fundo do Ambiente, Fundo do Turismo, Fundo de Manutenção Rodoviária, empréstimos concessionais e outros, reflete, “funcionaria como uma agência autónoma de financiamento do desenvolvimento dos Municípios”.

Da mesma forma, José Maria Neves, lança o repto de “os Municípios melhorarem a sua organização, bem como a capacitação dos serviços municipais, com destaque para os serviços financeiros, a fim de aumentarem a sua capacidade de arrecadação de receitas e, ao mesmo tempo, gerirem os recursos com maior eficácia e transparência”. Desta forma, afiança, “pode-se conseguir maior sustentabilidade financeira, o que diminuiria, também, a dependência em relação ao Governo”.

Leia o discurso, na íntegra:

DISCURSO DE SUA EXECELÊNCIA, O SENHOR PRESIDENTE DA

REPÚBLICA DE CABO VERDE, DR. JOSÉ MARIA NEVES POR OCASIÃO DA SESSÃO SOLENE DO DIA DO MUNICIPIO DE SÃO DOMINGOS

SÃO DOMINGOS, 13 DE FEVEREIRO DE 2022

 

Senhor Presidente da Câmara Municipal de São Domingos,

Senhora Presidente da Assembleia Municipal,

Senhores Autarcas e Deputados Municipais,

Ilustres Convidados,

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Caros Amigos,

Começo por saudar e agradecer o Senhor Presidente da Câmara Municipal de São Domingos, Dr. Isaías Varela, e a Senhora Presidente da Assembleia Municipal, Dra. Felismina Moreno, e dizer-vos que constitui um momento de imenso prazer estar aqui convosco a presidir esta Sessão Solene que assinala o Dia do Município de São Domingos.

Foi com satisfação que aceitei o vosso honroso convite, o qual se revela como mais uma ocasião para, estando com os representantes da população deste Concelho, e através deles, escutar o sentimento e o pulsar das gentes de São Domingos.

Trata-se, na verdade, de uma oportunidade para celebrarmos o municipalismo em Cabo Verde.

O Poder Local afigura-se como uma das conquistas mais relevantes da nossa Democracia, particularmente por ser um poder de proximidade e por já ter proporcionado testes de governação que ainda não foram ensaiados a nível central. Ou seja, já tivemos Câmaras suportadas por maiorias qualificadas, maiorias simples e maiorias relativas. Fica confirmado tratar-se de uma experiência político-institucional bem conseguida, a meu ver.

Com dissensos que são inerentes à Democracia, mas fundamentalmente com diálogo e consensos, os nossos Municípios têm sido um lugar de promoção e de realização da Democracia e, seguramente também, uma escola para o aprofundamento e o aperfeiçoamento das arestas de forma a agirmos, na Política, com mais tolerância e mais elevação. Este sentido de qualificação progressiva do ambiente democrático e do sistema político-institucional é essencial e necessário, especialmente num quadro de representação como é o nosso, pelo que o Poder Local se configura como um espaço ideal para essa prática.

Concomitante com o exercício da Democracia e dos ganhos inerentes neste campo, bem como do relativo progresso conseguido ao longo de cerca de trinta anos, constata-se que a população de São Domingos tem muitas demandas ainda não satisfeitas. Trata-se de um Concelho que no presente enfrenta desafios, mas que ambiciona um futuro com mais desenvolvimento e bem-estar.

Com efeito, e de acordo com os dados estatísticos disponíveis, conclui-se que alguns índices carecem de melhoria. Ainda o desemprego, a taxa de inatividade e, consequentemente a pobreza, superam a média nacional. Esta realidade tem implicações, por exemplo, no facto de a maioria dos dominguenses recorrer à lenha como principal fonte de energia para a preparação dos alimentos, com as conhecidas consequências para o meio ambiente. Por outro lado, constatam-se dificuldades de abastecimento com água potável e de saneamento básico. A questão dos Resíduos Sólidos Urbanos e a degradação ambiental são igualmente fontes de preocupação para as autoridades municipais.

Porém, as dificuldades não toldam o sonho.  E essas legítimas aspirações apontam para a adoção de medidas de política visando a redução do desemprego, para proporcionar rendimentos a famílias em situação de vulnerabilidade e a criação de mais oportunidades para a formação profissional; a disponibilização de maior quantidade de água, tanto para o consumo humano como para a satisfação das necessidades dos agricultores e criadores de gado; a melhoria do saneamento básico e do conforto das habitações; a resolução de problemas de drenagem de águas pluviais na cidade, de iluminação pública e de infraestruturação condizente com a condição de sede do Município; e melhoria das acessibilidades e de outras infraestruturas, de entre várias pretensões, que não diferem em muito das de outros municípios cabo-verdianos neste estágio de desenvolvimento.

São Domingos é um Município rico em atrativos capazes de transformá-lo num ponto de chegada, mais do que apenas um ponto de passagem, como tem sido até aqui. Neste Concelho consegue-se encontrar de tudo um pouco.

A Igreja quinhentista de Nossa Senhora da Luz, a segunda mais antiga em uso no arquipélago, localizada na antiga capitania de Alcatrazes, é parte importante da história de Cabo Verde, tendo todas as potencialidades para o desenvolvimento do turismo histórico e religioso. Espero, pois, que a ideia da criação do Santuário de Nossa Senhora da Luz acabe por prosperar.

Outro desafio seria refazer o roteiro do naturalista Charles Darwin por terras de São Domingos, que, durante a sua passagem, assistiu às festividades de Nho Febreru, deliciou-se com os pratos típicos e testemunhou uma sessão de batuque nesta acolhedora localidade. Nos dias de hoje, a romaria aos “pastéis de milho” é um bom exemplo de que por aqui ainda se conservam os pergaminhos na arte da culinária.

Na Cultura, São Domingos foi o berço de grandes músicos e compositores como Codé di Dona, Ano Nobu, N’Toni Denti D’Oru e Manu Mendi, que deixaram um riquíssimo legado musical e, felizmente, muitos “herdeiros”. Estes discípulos são reconhecidos pela sua dinâmica e estão entre os melhores músicos cabo-verdianos. O Artesanato e a Olaria, também constituem imagem de marca do Concelho.

No turismo, há um leque diversificado de potencialidades que precisa ser melhor explorado. As ofertas vão do “sol e praia”, em Praia Baixo, Mangui, São Francisco, passando pelo turismo de montanha e ecológico em Rui Vaz e na Reserva Natural de Monte Txota.

O Poder Local em Cabo Verde já completou trinta anos. O balanço é francamente positivo, tanto no que diz respeito à assunção dos valores democráticos, como também pelo que representa em termos de ganhos de desenvolvimento conseguidos nos territórios municipais. Mas isso não invalida que façamos uma reflexão sobre o caminho percorrido. Pelo contrário, é o tempo certo para avaliar os ganhos e corrigir o que foi menos conseguido.

Questiono se não estaremos perante a necessidade de revisitarmos alguns diplomas, com vista ao seu aperfeiçoamento para uma melhor eficácia, respondendo a novos desafios e objetivos. É o caso, por exemplo, da Lei das Finanças Locais ou o Estatuto dos Municípios, este de 1995, e que provavelmente carecem, ambos, de alguma modernização. Julgo ser também oportunidade para se adotar políticas que permitam que os Municípios possam assumir, na plenitude, todas as suas competências, conforme definidas na lei.

Cerca de 95% dos recursos geridos pela Câmara Municipal de São Domingos provêm do Governo, não constituindo esta realidade uma exceção. Convém realçar que esta é a realidade no conjunto de Municípios com mais fraca capacidade de arrecadação de receitas, e que este tipo de ocorrências pode colocá-los perante desafios relacionados com a própria sustentabilidade. Trata-se de circunstâncias em que os Municípios ficam numa total dependência, e à mercê do Governo, para a realização dos seus investimentos.

Fica o repto de os Municípios melhorarem a sua organização, bem como a capacitação dos serviços municipais, com destaque para os serviços financeiros, a fim de aumentarem a sua capacidade de arrecadação de receitas e, ao mesmo tempo, gerirem os recursos com maior eficácia e transparência. Desta forma pode-se conseguir maior sustentabilidade financeira, o que diminuiria, também, a dependência em relação ao Governo.

Constata-se que, progressivamente e na generalidade, os recursos disponibilizados ao Poder Local vêm aumentando, porém, ficando aquém das expetativas das Câmaras Municipais. Daí que seria de se equacionar a disponibilização de mais recursos e que, na mesma proporção, se verificasse um encolhimento da Administração Central.

Aproveito esta ocasião para propor a criação de um Fundo de Desenvolvimento Local e Regional, que teria como propósito conferir uma maior autonomia financeira dos Municípios em relação ao Governo. Tal Fundo, a ser dotado de recursos provenientes do Fundo do Ambiente, Fundo do Turismo, Fundo de Manutenção Rodoviária, empréstimos concessionais e outros, funcionaria como uma agência autónoma de financiamento do desenvolvimento dos Municípios.

No entanto, há relatos de alguns casos em que a não justificação atempada de verbas transferidas e em montantes significativos, tem condicionado novos desembolsos e a materialização dos projetos programados. Estou convencido de que uma fiscalização mais efetiva por parte da Assembleia Municipal iria obstar ou mitigar a ocorrência deste tipo de situações. Sendo um órgão deliberativo, de entre as suas atribuições destaca-se o seu papel fiscalizador e de controlo das atividades da Câmara Municipal.

Há, pois, que garantir as condições necessárias e adequadas para o cabal desempenho das suas funções, nomeadamente a de fiscalizar o Executivo camarário, exercendo para tal as suas competências, na plenitude. Mas por este histórico de três décadas de Poder Local, sabemos da influência que pode ser exercida pelo candidato a Presidente da Câmara no processo de composição da lista para a Assembleia, podendo inclusive o Presidente que o irá fiscalizar, ser um nome por ele indicado.

Nestas circunstâncias, dificilmente se pode garantir que o controlo das atividades da Câmara se faça com eficácia, para mais, quando a maior parte das Assembleias Municipais está dependente dos meios da Câmara Municipal para o seu normal funcionamento, o que a coloca em situação de subalternidade.

Outrossim, o Estatuto da Oposição Democrática Local deve ser revisitado, de modo a dotar a oposição democrática de condições e recursos institucionais e outros que lhe permitam desempenhar com mais efetividade o seu importante papel de fiscalização da ação do executivo municipal.

O reforço da cooperação intermunicipal, que antes poderia ser apenas uma intenção, hoje é uma necessidade, tendo em conta a atual conjuntura socioeconómica de Cabo Verde e do mundo. Quando Municípios vizinhos abraçam projetos comuns, em várias áreas, todos saem a ganhar.

Podemos pensar nas vantagens da criação, por exemplo, de uma Região Metropolitana de Santiago Sul, englobando os Municípios da Praia, Ribeira Grande de Santiago e São Domingos, aproveitando as vantagens advenientes da contiguidade territorial, da complementaridade económica entre estes municípios, e na possibilidade do compartilhamento de infraestruturas e equipamentos, o que resultaria em “economias de escala” com benefícios para todos.

Em todo este processo, a Associação dos Municípios Cabo-Verdianos teria um papel importante, pela complementaridade, partilha de responsabilidades e possibilidade de assistência técnica. Defendo igualmente a intensificação de intercâmbios com Municípios estrangeiros e outras organizações homólogas a fim de colhermos as suas experiências, particularmente numa altura em que o futuro apresenta tantos desafios. Se avançarmos nesta via, poderemos estar mais perto de conseguir atrair Agências de Investimentos, fazendo-as interessarem-se por projetos concretos, viáveis, e que, pela abrangência e peso demográfico destes Municípios, beneficiariam uma parte significativa da população de cada ilha.

Por outro lado, nos Municípios que albergam centros urbanos de maior dimensão populacional, vejo a necessidade de maior desconcentração dos serviços e representações municipais de forma a estarem cada vez mais perto das pessoas e poder atender às crescentes demandas dos munícipes.

Termino, reiterando o desejo de ver o Concelho de São Domingos cada vez mais a transformar-se num espaço de chegada, e cada vez menos como um local de passagem, como tem sido até ao momento. Este município tem todas as condições para fazer esta mudança e sair a ganhar!

Muito obrigado!