PRTV: PR reforça papel da Justiça e salienta especificidades de Cabo Verde na integração na CEDEAO

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O Presidente da República presidiu, esta segunda-feira, a Cerimónia de Abertura da Conferência Internacional do Tribunal de Justiça da Comunidade CEDEAO, que ocorre de 09 a 12 de maio, na cidade da Praia, tendo na ocasião sublinhado o compromisso de Cabo Verde com uma integração regional cada vez mais forte. O Chefe de Estado salientou, igualmente, a importância da Justiça para uma integração bem conseguida. Nisso, José Maria Neves exalta a necessidade de uma melhor compreensão, pela CEDEAO, da diversidade dos 15 países que compõe o bloco sub-regional, com o Chefe de Estado a realçar, mais uma vez, as especificidades de Cabo Verde enquanto país insular.

Veja alguns trechos do discurso de Sua Excia. o PR, a seguir:

 

Leia, na íntegra, o discurso de Sua Excia. o Presidente da República:  

“A integração regional é uma opção fundamental do Estado de Cabo Verde”

Saúdo todos os presentes, mas, de forma muito especial, as Senhoras e os Senhores Integrantes da Delegação do Tribunal de Justiça da CEDEAO, a quem desejo uma excelente estada no nosso país.

Agradeço o honroso convite que recebi para presidir a esta cerimónia de abertura da Conferência Internacional do Tribunal de Justiça da CEDEAO. Considero que este evento é de grande relevância e espero que estes quatro dias de trabalho sejam muito produtivos e que sejam alcançados todos os objetivos preconizados.

É sempre com grande alegria que Cabo Verde acolhe encontros desta natureza e envergadura, promovidos pela CEDEAO, e este em particular, sempre na expectativa de que se tornem mais rotineiras. Temos enorme prazer e honra em receber os irmãos da nossa sub-região e, como sempre, queremos continuar a ser úteis e contribuir para o crescimento institucional da nossa Comunidade e para o reforço da integração regional, em todas as suas dimensões.

A integração regional é uma opção fundamental do Estado de Cabo Verde e um eixo definidor da nossa ação no plano externo e igualmente no plano interno, pelas suas consequências para a formação de políticas públicas nacionais.

Realço que, na nossa Sub-região, Cabo Verde é o único Estado insular, de mais reduzida população e superfície, carente de recursos naturais tradicionais e extremamente vulnerável e sensível a choques externos, tanto no domínio económico-financeiro, como no tocante às questões climáticas e ambientais. Tais condições, por si sós, tornam mais exigente todo o nosso trabalho em ordem a uma plena integração na Região. Longe de nos desanimar, esses condicionalismos estimulam-nos a persistir na defesa de um estatuto especifico que nos permita estar mais próximos, cada vez mais em sintonia com as dinâmicas da integração, para elas contribuindo e delas beneficiando, legitimamente.

No outro sentido da mesma estrada, é fundamental que a Comunidade entenda esta nossa insularidade como uma sua riqueza e um fator propiciador de maior aproximação com outros espaços geo-económicos, bem como de diálogos e parcerias estratégicos que tenham em vista o Atlântico como um corredor de paz, segurança e desenvolvimento. Da mesma forma que não há desenvolvimento sem paz e estabilidade, também não é razoável pretender um contexto duradoiro e sustentável das problemáticas de segurança e estabilidade na nossa região sem uma correta compreensão e inserção dos desafios em matéria de segurança marítima e de manutenção da legalidade em todo este quadrante do Atlântico. Neste equilíbrio de fatores, revela-se essencial entender devidamente a posição geo-estratégica de Cabo Verde e todo o contributo que, ao longo dos anos e a despeito da sua pequenez, tem dado para a melhor gestão de desafios globais aqui neste cruzamento crucial para a política e a governação internacionais. Uma forte aposta na conectividade com este arquipélago (conectividade área, marítima, de negócios, de fluxos tecnológicos e de conhecimento) deveria ser defendida e promovida por todos, tal a sua relevância para a Comunidade pujante e inclusiva que queremos. A CEDEAO não pode descurar as suas auto-estradas de progresso e inclusão no e sobre o Atlântico.

Os nossos 15 países compõem um mosaico bastante diverso em termos de população, com cerca de 400 milhões de habitantes, dimensão territorial, percurso histórico, recursos naturais, desenvolvimento socioeconómico e maturidade das instituições democráticas. E a verdade é que, nestes 47 anos de existência, a CEDEAO tem procurado realizar um trabalho de harmonização, tendo em conta essas especificidades, para além da concretização do seu quadro institucional, que inclui os diferentes órgãos, como é o caso do Tribunal de Justiça, sempre com vista à promoção do desenvolvimento dos países membros.

Infelizmente, estes últimos anos têm sido de enormes desafios para a nossa Comunidade e para a humanidade em geral, mas fustigando com maior intensidade as economias menos vigorosas, como é o caso das dos nossos países. Aos efeitos devastadores da pandemia da Covid-19 – que ainda não terminou –, juntam-se agora as terríveis consequências da guerra na Ucrânia, ainda sem fim à vista. Por outro lado, neste momento, alguns dos nossos países enfrentam focos de terrorismo, alteração da ordem constitucional, diferentes tipos de tráficos e outros problemas, cuja conexão à criminalidade transnacional organizada, repito, não pode e nem deve ser negligenciada.

São demasiadas ocorrências que, decerto, perturbam a normalidade da produção e das transações comerciais, já com registo de escassez de produtos e preços inflacionados, agravando a pobreza e postergando a retoma económica. De referir que, precisamente, a vertente económica é aquela que, na nossa Sub-região, ainda vinha a batalhar para atingir o dinamismo que seria desejável. 

Somos chamados a ser mais fortes e eficazes na gestão da pós-pandemia. A ser mais ousados também, designadamente no aproveitamento de oportunidades e na valorização de recursos endógenos, a começar pelos recursos humanos. Por exemplo, temos de estar preparados para outras pandemias e para as endemias.  Temos de estar em sintonia quanto à centralidade política e estratégica das questões da saúde e da segurança sanitária, incluindo a capacidade de produção de vacinas e medicamentos em geral. Ou seja, não podemos ficar à mercê de um sistema cujas iniquidades a pandemia colocou inteiramente a descoberto. Porventura teremos de ter a coragem para reequacionar prioridades e questionar formas instaladas de gestão do interesse público.

Cabo Verde é um dos países com mais impacto da Covid-19, o que se traduz na redução do seu PIB em cerca de 15%. Sectores vitais da nossa vida económica e social foram fortemente atingidos, com algumas regiões do país a necessitar de urgentes medidas de discriminação positiva para que possam rapidamente reerguer-se e assim voltar a contribuir para o ritmo de crescimento nacional. Apesar deste contexto de intensa crise económica, e num gesto demonstrativo da importância estratégica que atribuímos à integração na Região, foi aberta a nossa Embaixada em Abuja, na Nigéria, no ano passado, com poderes de representação junto da CEDEAO, visando o incremento da presença e participação na organização Sub-regional.

Naturalmente que a integração regional é sempre um processo, que vai evoluindo, com custos e benefícios. Temos de ser perseverantes. Podemos aprender com o que existe de positivo em experiências anteriores como é o caso da integração europeia. Por outro lado, os exemplos menos bem conseguidos servirão igualmente de ensinamento para evitarmos as mesmas falhas.

Os acontecimentos mais recentes a nível mundial, e ainda em curso, evidenciam uma permanente mutação, com as relações entre os Estados a complexificarem-se progressivamente, pelo que a CEDEAO deverá estar, ela também, atenta a estes desafios e pugnar sempre pela via do diálogo e da negociação para a resolução dos desentendimentos, divergências e disputas.

Estamos já num período disruptivo no plano internacional. A economia em crise, mas também vários princípios e valores que já tínhamos por consolidados foram postos em causa. É preciso que nos reencontremos no que nos é comum e essencial, pois que desse património comum dependem a sanidade, a estabilidade, o futuro, afinal, da comunidade internacional. A nova ordem mundial em gestação irá com certeza exigir de nós mais integração regional e continental e obrigar-nos a profundas e radicais reformas nos planos nacional, da região e da África, com impactos na divisão de trabalho entre esses diferentes níveis de governança.

Estou seguro de que nesta Conferência Internacional serão abordados assuntos relevantes no processo de integração da CEDEAO e para o avanço do direito comunitário. Será uma oportunidade para se aprofundar o debate e se aproximar das soluções e modelos que melhor traduzam as aspirações dos povos da Sub-região e que a CEDEAO possa dispor de instituições democráticas, transparentes e eficazes, e que sejam verdadeiros instrumentos da promoção do desenvolvimento.

Com efeito, os principais propósitos, de acordo com o disposto no Artigo 3º do Tratado Revisto, são “promover a cooperação e a integração, tendo em vista uma união económica na África Ocidental, para elevar o nível de vida das populações, manter e aumentar a estabilidade económica, fortalecer as relações entre os Estados-membros e contribuir para o progresso e desenvolvimento do Continente africano”.

Nessa senda enquadram-se os desígnios da Conferência que ora se inicia: “avaliar criticamente o ambiente jurídico para a implementação do programa de integração regional da CEDEAO e o impacto

do regionalismo, do supranacionalismo e das soberanias nacionais dos Estados-membros no processo de integração”.

Quanto ao alcance e à velocidade da integração, entendo que há que estar sintonizado com as práticas e normas de outras instituições similares, que souberam inovar face a situações complexas, e que podem assemelhar-se às por que passamos atualmente. Esse nível de integração regional deve pressupor, igualmente, que os diversos Estados-membros disponham de estruturas institucionais robustas, o que passa pela reforma e modernização do Estado e a criação de instituições políticas e económicas inclusivas. Tal desejo também é extensivo às instituições de administração da Justiça, que, como pilares essenciais do Estado de Direito, têm de ser sólidas e inspirar confiança aos cidadãos como garantes dos seus direitos fundamentais. 

Os efeitos de uma integração regional bem-sucedida são mais de que evidentes. Destaco a possibilidade de fortalecer o desenvolvimento económico, melhorando o nível de vida das populações, contribuindo para que uma parte muito significativa possa sair da pobreza, o que terá um enorme impacto numa ansiada retoma económica, tendo em conta as consequências, ainda prevalecentes, tanto da pandemia da Covid-19, como da guerra na Ucrânia.

A promoção e consolidação de sistemas democráticos de governo, a tolerância e o respeito pelos direitos humanos, a eliminação de todos os tipos de discriminação, devem fazer parte, de forma permanente, do catálogo de preocupações da CEDEAO, e do seu Tribunal, em particular. De assinalar que, no capítulo dos direitos humanos, os progressos são significativos, registando-se o facto de, na sequência de alterações ao seu Protocolo original, através do Protocolo Adicional de 2005, a jurisdição do Tribunal ter sido alargada para abranger casos de violação dos direitos humanos nos Estados membros.

Em relação a essa proteção dos direitos do homem, que vem sendo exercida pelo Tribunal de Justiça da CEDEAO, à qual continuamos a reconhecer uma enorme importância, o principal desafio que se coloca à nossa Comunidade é a criação de um quadro jurídico-institucional que assegure o princípio da complementaridade entre as Jurisdições Nacionais e o Tribunal de Justiça da Comunidade. De realçar que o desempenho deste Tribunal é bem referenciado no continente africano, e não só.

Neste sentido, defendo o seu papel na interpretação dos textos comunitários, na solução dos conflitos que possam surgir no âmbito da integração regional e o reforço da sua função consultiva em relação aos demais órgãos da comunidade.

Os juristas, advogados, académicos e outros especialistas, com ciência na matéria, e que participarão nas discussões, certamente que nos irão elucidar quanto à relação entre a integração regional e a proteção regional dos direitos humanos, bem como quanto a outras incidências. A livre circulação de pessoas, de bens e serviços, ocupará um lugar de destaque e merecerá a atenção desta Conferência, tendo em conta a sua importância para a Integração Regional.

Infelizmente, em alguns dos nossos países prevalecem certas situações de instabilidade política ou de disfunção no funcionamento normal das instituições. Este descompasso constitui um óbice para o desenvolvimento da nossa Sub-região e um obstáculo ao processo de Integração Regional, que se quer inclusivo e abrangente, numa altura em que alguns dos países irmãos se encontram suspensos, por razões que são conhecidas.

Quando a forma de aceder ao poder não é pela via de eleições, de acordo com a Constituição, e quando se verificam atividades de grupos terroristas, estamos sempre perante situações de ameaça à paz e à segurança na nossa Sub-região. E insisto no seguinte: a instabilidade inerente a este tipo de ocorrência torna-se um entrave ao processo de desenvolvimento económico. Temos de redobrar esforços na busca de soluções sustentáveis e duradouras para as cíclicas crises que teimam em afetar a CEDEAO. Sobretudo, temos de ser intransigentes perante toda e qualquer forma de subversão da normalidade politico-constitucional. Não temos o direito a ser nem dúplices nem condescendentes. E isto aplica-se a todos, em todas as instituições e instâncias. No fundo, trata-se da generalizada assunção da constitucionalidade e dos cânones do Estado de Direito Democrático.

Cabo Verde congratula-se com todas as iniciativas tendentes ao reforço dos processos democráticos e da boa governação. É na verdade inabalável o nosso compromisso com os valores, princípios e regras do Estado de Direito Democrático e a aposta, que é da CEDEAO, mas é também da União Africana, com vista à sua consolidação e defesa nos planos continental e regional.

A nossa Integração Regional, apesar das normais dificuldades de percurso, tem um registo de progressos já conseguidos, que devem ser consolidados e ampliados, sempre tendo em vista o objetivo maior que é o desenvolvimento e o bem-estar para todos os povos da nossa Sub-região.

E é com esta nota positiva que concluo a minha intervenção. Reitero as felicitações ao Tribunal de Justiça da CEDEAO e à nossa conterrânea que é juíza neste tribunal, a Dra. Januária Costa, por esta louvável iniciativa, e pelo facto de terem escolhido a Cidade da Praia para a realização deste tão importante evento.

Declaro aberta a Conferência Internacional “Modelo de Integração da CEDEAO: As Implicações Jurídicas do Regionalismo, da Soberania e do Supranacionalismo”.