PR destaca trabalho meritório da CNE na normalidade do processo eleitoral e da democracia no país

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O Presidente da República presidiu, hoje, a cerimónia comemorativa do 28º aniversário da Comissão Nacional de Eleições destacando o meritório trabalho que a instituição e demais elementos integrantes do sistema têm feito, e que graças a esse trabalho “todas as eleições já realizadas, sempre decorreram num clima de normalidade e conduziram a resultados transparentes e aceites por todas as forças políticas envolvidas”.

O Chefe de Estado entende, entretanto, que sempre é possível ir mais longe e atingir resultados melhores, por exemplo a nível do combate a atos ilícitos e da introdução do sistema avançado do voto eletrónico, uma possibilidade admitida há mais de 10 anos no país.

José Maria Neves apontou o clima de crispação política permanente como um dos principais problemas da nossa Democracia, lembrando que “em democracia, ninguém tem o poder absoluto ou é portador único da verdade”.

O PR Neves lamentou, por outro lado, que muitos projetos sejam descontinuados na sequência das alternâncias políticas. “Num país pequeno e de parcos recursos, recomenda-se uma postura ética, pelo que há que aumentar a confiança nos governantes, e os gestos não podem ser em sentido contrário”.

Confira o discurso, na íntegra, em vídeo, aqui, e /ou leia-o, logo em baixo:

Discurso de Sua Excia. o Presidente da República, por ocasião das comemorações do 28º Aniversário da CNE

É com imensa satisfação que presido a esta cerimónia comemorativa do 28º aniversário da Comissão Nacional de Eleições, em resposta a um amável convite da sua Presidente, Dra. Maria do Rosário Gonçalves. Pelo naipe de conferencistas convidados, e pelos temas que serão aqui abordados, e em outros palcos – numa louvável iniciativa de desconcentração –, estou convencido de que será uma excelente jornada e que o sistema eleitoral e a Democracia sairão a ganhar.

Desde a sua institucionalização, em 1994, deixando para trás as comissões ad hoc, que funcionavam, pontualmente, a cada eleição, a CNE tem tido um percurso e um desempenho notáveis, o que tem credibilizado o processo eleitoral. É de realçar que graças ao seu meritório trabalho, e aos demais elementos integrantes do sistema, todas as eleições já realizadas, sempre decorreram num clima de normalidade e conduziram a resultados transparentes e aceites por todas as forças políticas envolvidas.
Mas sempre é possível ir mais longe e atingir resultados melhores. Assim, faço votos para que esta Conferência venha a contribuir com subsídios para aperfeiçoar ainda mais todo o sistema, para dissipar algumas críticas recorrentes e relacionadas com supostos ilícitos eleitorais que, a existirem, devem ser acautelados e combatidos, em nome de uma maior fidelidade à vontade popular.

Este órgão externo ao Parlamento cabo-verdiano tem um papel muito importante para assegurar a participação dos cidadãos nos atos eleitorais, que a vontade popular expressa nas urnas seja sempre respeitada. Para que isso aconteça, e para a manutenção da estabilidade política e a credibilidade das instituições, é tarefa da CNE instituir mecanismos de controlo a montante e a jusante do processo eleitoral. Ou seja, a par de boas leis e de instituições fortes e operacionais, a montante, é relevante que, a jusante, se promova o combate a eventuais atos com vista a subverter e desvirtuar o sistema eleitoral e a genuína expressão da vontade popular através do voto.

No tocante ao processo eleitoral, defendemos que se deve melhorar tudo o que pode ser melhorado. Tal é o caso da introdução do sistema avançado do voto eletrónico, já praticado em alguns países, com destaque para o Brasil, com bastante sucesso. Recordo que há mais de dez anos que já se admitiu essa possibilidade em Cabo Verde, no quadro do projeto SENIAC, e que alguns passos já tinham sido dados nesse sentido, pelo que seria interessante retomar este dossier, analisando as condições para a sua implementação, designadamente os consensos entre os principais atores políticos, que na antes não tinha sido possível.

Os cabo-verdianos, de forma convicta e inequívoca, fizeram uma opção pela Democracia como regime político, o que se confirma em sucessivos estudos de opinião. Já ocorreram alternâncias no poder, sem perturbações. Porém, nenhuma Democracia é perfeita, como temos constatado recentemente, por eventos ocorridos a nível mundial, que evidenciam essa realidade, e nos alertam para um trabalho permanente de aperfeiçoamento deste regime político por nós escolhido.

A preferência pela Liberdade e pela Democracia implica desafios e custos. De entre eles, e para a nossa realidade, os custos financeiros são consideráveis. Todas as eleições em Cabo Verde exigem um elevado esforço financeiro, integralmente suportado pelos contribuintes, esforço esse que deve ser reconhecido, e que a escolha feita nas urnas não sofra nenhum tipo de interferências. Há, pois, que refletir sobre a qualidade e a oportunidade das despesas públicas, se elas estão a ser realizadas com base nos melhores critérios, principalmente em tempos de crise.

À imposição da Constituição da República de que o sufrágio deve ser exercido de forma livre, universal, direto, secreto e periódico, temos respondido de forma satisfatória, graças aos esforços já mencionados e ao meritório desempenho da CNE. De realçar que esse rito formal da Democracia tem acontecido sempre com civismo, e que, mesmo nas alternâncias, a transição de poder tem sido pacífica, o que muito nos orgulha.

Mas se lançarmos um olhar mais minucioso, haveremos de concluir que a nossa Democracia, como em todas as outras, comporta falhas. Isto deve preocupar-nos e fazer com que fiquemos alertas, no sentido de melhorar constantemente esta obra sempre inacabada que é a Democracia. Este trabalho de restauro, está a ser feito, a nível global e em maior ou menor profundidade, dependendo dos estragos e das condições objetivas para recuperar os valores democráticos, entretanto fragilizados.

No nosso caso, insisto, há vários aspetos que podemos – e devemos melhorar. O clima de crispação política permanente é, a meu ver, um dos principais problemas da nossa Democracia e, provavelmente, o maior. Somos desafiados a ter mais disponibilidade para o diálogo, para a discussão de ideias e propostas, para compartilhar a visão de futuro e ter uma ética republicana, voltada para o bem comum. A tolerância mútua e a confiança entre os atores políticos são essenciais. Do mesmo passo, é preciso pensar na partilha do poder: maioria-oposição, Poder Central-Poder Local, Estado-Sociedade Civil. Em democracia, ninguém tem o poder absoluto ou é portador único da verdade.

Se persistirmos neste erro, estaremos irremediavelmente a contribuir para o desgaste das instituições democráticas. A sociedade cabo-verdiana necessita, com caráter de urgência, da distensão do debate político, da tolerância e do restabelecimento da confiança entre os principais sujeitos políticos. Seguramente que haveria menos roturas nas políticas públicas, menos esbanjamento e desperdício de recursos, e mais capacidade de acelerar o desenvolvimento.

Lamentavelmente, muitos projetos são descontinuados na sequência das alternâncias políticas. Num país pequeno e de parcos recursos, recomenda-se uma postura ética, pelo que há que aumentar a confiança nos governantes, e os gestos não podem ser em sentido contrário.

Percebemos que os partidos políticos investem muito nas campanhas eleitorais, e que em compensação, a preparação e o investimento para a governação, às vezes, não correspondem ao esperado. Daí que os cidadãos devem preparar-se para fazer boas escolhas, face à multiplicidade de opções. Para escolhas cada vez mais conscientes, é fundamental investir fortemente na educação para a cidadania. Insto igualmente o cidadão eleitor a participar ativamente no processo eleitoral, dando sinal de maturidade da nossa Democracia. Devemos combater a abstenção, que muitas vezes pode significar uma manifestação de desinteresse pela escolha dos representantes legítimos.

Impõe-se uma mudança: pensar-se menos nas campanhas e nos votos, e mais nas pessoas. Por outro lado, as pessoas que pagam os impostos devem ser mais exigentes, preparadas para controlar como são geridos os recursos públicos. Algumas práticas políticas como a corrupção, o nepotismo e o amiguismo acontecem com mais frequência quando a fiscalização por parte dos cidadãos eleitores for mais ténue. Assim, a prestação de contas torna-se fundamental, pelo que apelamos à transparência e à accountability.

Urge uma mudança radical na forma de fazer política. Há que criar as condições para se reduzir ao mínimo o assédio aos funcionários públicos e aos cidadãos em geral. Combatendo a pobreza e as desigualdades, estaremos a ter campanhas eleitorais mais sãs. Convém salientar que a pobreza propicia as condições para o aliciamento dos mais vulneráveis através da compra de consciência ou “compra de votos”, logo, um ilícito eleitoral.

A cada eleição ouve-se falar na oferta de dinheiro ou de géneros para alterar o sentido de voto, na retenção de bilhetes de identidade, ou na “boca de urna”. Devemos garantir que a vontade popular não seja defraudada. A viciação do ato eleitoral pode se revelar como um terreno potencial para a ocorrência de conflitos eleitorais. Num Estado democrático, os governantes e demais titulares dos órgãos eletivos do poder político são escolhidos e livremente eleitos pelo povo. Toda a tentativa no sentido do seu desvirtuamento deve ser rechaçada.

É evidente que quando falamos de processos eleitorais, a ligação à CNE torna-se óbvia. Mas esta empreitada tem vários atores e há clara necessidade de um bom relacionamento entre eles, um bom entrosamento, cada um assumindo a sua responsabilidade, de acordo com a lei, nomeadamente, a Constituição da República, Código Eleitoral, Estatuto dos Municípios. As forças políticas, a comunicação social, a DGAPE, as forças da ordem, com o seu trabalho, contribuem para o sucesso dos atos eleitorais.

Permitam-me que destaque a importância dos jornalistas e da comunicação social em torno do processo eleitoral. Cabe ao jornalista o papel de mediador entre os políticos e o eleitorado, entre a administração eleitoral e o cidadão eleitor. Desempenha igualmente o papel de vigilante, ao acompanhar e fiscalizar o ato eleitoral, relatando situações anómalas, acompanhando a apuração dos resultados, sua divulgação com celeridade, tudo contribuindo para a transparência e integridade das eleições e aceitação dos resultados.

O ato eleitoral é geralmente antecedido de debates, o que, a par das notícias veiculadas, contribui para a formação de opinião, ajudando o cidadão eleitor a exercer a sua cidadania eleitoral estando mais informado e esclarecido. O desempenho dos jornalistas e da comunicação social tem sido positivo, embora haja sempre espaço para um melhor aprimoramento. Mais debates, mais especialização dos jornalistas em temáticas eleitorais, mais programas de sensibilização e educação cívica, em matéria de processo eleitoral, seriam sempre bem-vindos.

A Democracia exige uma Comunicação Social autónoma, livre, forte e independente. Atualmente os órgãos de comunicação social tradicionais enfrentam uma conjuntura de crise, o que implica enormes desafios e muito caminho a ser percorrido. Não obstante os problemas existentes, seria sempre desejável que fossem criadas as condições para que o Estatuto do Jornalista, em vigor, seja plenamente cumprido, e no que depender dos profissionais, como é o caso do Conselho de Redação, que este seja efetivado sempre que for possível.

Cabo Verde realiza eleições para a escolha do Presidente da República, para o Parlamento e para o Poder Local, desde 1991. Em mais de trinta anos, todas, sem exceção, ocorreram na data prevista. Quer dizer que nenhuma delas foi adiada, nem quando, recentemente, coincidiram com a pior fase da pandemia da Covid-19. A pergunta que não se quer calar é o porquê de importantes órgãos constitucionais não terem os seus mandatos renovados com a mesma regularidade?

Os mandatos do Conselho Superior da Magistratura Judicial (cujo Presidente foi empossado há poucos dias) e do Conselho Superior do Ministério Público, vêm de 2015, e são de três anos. Há mais de três anos, o mandato de alguns membros desses órgãos não vem sendo renovado, ou, então, novos membros não têm sido eleitos pelo Parlamento. A mesma situação se repete com o Tribunal Constitucional, no caso dos Juízes Suplentes. Os mandatos da CNE, da CNPD e da ARC estão expirados desde o ano passado.

Convenhamos que não podemos continuar a encarar como sendo normal uma situação que não é normal! Este é o resultado mais evidente da falta de diálogo e de cooperação entre os partidos políticos. Volto a apelar para que haja entendimento no sentido de se conseguir ultrapassar esta situação que em nada abona a nossa Democracia. Os órgãos de soberania devem cooperar, sem disputa de protagonismos, em nome do essencial, para que se consiga os resultados desejados.

Por outro lado, há que realçar que o Estado deve criar as condições, nomeadamente financeiras, para que órgãos externos essenciais à renovação e ao reforço da Democracia e à consolidação do Estado de Direito Democrático, possam cumprir com as suas obrigações.

Termino, reiterando o meu agrado por participar nesta Conferência que, espero, venha a contribuir com reflexões e ideias visando o aprimoramento do nosso sistema eleitoral de forma a servir cada vez melhor a Democracia cabo-verdiana. Declaro aberta a Conferência alusiva ao 28º aniversário da Comissão Nacional de Eleições!

Muito obrigado!