A democracia tem de ser para nós uma permanente teimosia
Permitam-me, neste momento importante da vida da República – as Repúblicas também são feitas de símbolos e de gestos –, apresentar as minhas ideias e as minhas preocupações sobre a vida do país.
Há uma multiplicidade de crises e as interconexões entre essas diferentes crises têm produzido resultados nefastos para a vida dos países e têm traduzido até em retrocessos em algumas democracias.
A pandemia com os seus efeitos económicos, sociais e sanitários absolutamente devastadores, os anos sucessivos de seca, seca severa, os conflitos, particularmente a guerra na Ucrânia, que tem contribuído para o aumento dos preços dos bens alimentares e da energia, mas também as mudanças climáticas, o aumento da pobreza, das desigualdades entre os países, e dentro dos diferentes países, todas essas crises e as suas interconexões têm tido efeitos muito nefastos na vida dos diferentes países, sobretudo na dos pequenos Estados insulares, que nem o nosso.
É fundamental, pois, que, em nome dos interesses do país, tenhamos a maturidade suficiente para encontrar os consensos, os entendimentos que são fundamentais para fazermos face a esses tempos mais difíceis. E aqui temos de ser teimosos: a democracia tem de ser para nós uma permanente teimosia. Temos de trabalhar para reforçá-la. Ela tem os seus problemas, mas é o melhor dos regimes políticos existentes.
A democracia é divergência de opiniões e debate de ideias. É também busca de consensos e de entendimentos e realização do bem comum e da bem-aventurança das pessoas.
Aqui no nosso país, temos de continuar a trabalhar para consolidar as liberdades e os pilares essenciais do Estado de Direito Democrático.
O Presidente da República e a Assembleia Nacional são os dois órgãos de soberania eleitos diretamente pelo povo.
Assembleia Nacional representa o conjunto dos cidadãos na sua pluralidade, as divergências e os antagonismos de interesses, os consensos e os dissensos expressos nas ideias e nas propostas dos diferentes partidos políticos.
É fundamental, pois, que este órgão de soberania, pela sua importância, pela sua representatividade, desempenhe, efetivamente, o seu papel.
É importante o debate político parlamentar, um debate feito com elevação e respeito entre os atores políticos. A elevação do debate passa pela educação, pela elegância, pelo reconhecimento dos limites de cada um. E é importante que os partidos políticos, que os diferentes atores parlamentares estejam à altura dessa enorme responsabilidade que o Parlamento tem no contexto da afirmação e da consolidação da democracia.
Tenho constatado todo o esforço que Vossa Excelência, Senhor Presidente, tem feito no sentido de se garantir, por um lado, a expressão clara dos antagonismos e das divergências de opiniões e, por outro lado, que o debate se faça de forma elevada, procurando que haja, nos momentos fundamentais, a convergência de interesses, porque a democracia também é consenso, é entendimento, que sãos essenciais na contínua realização do bem comum.
Sei que o Parlamento tem um papel fundamental na dignificação da política e dos políticos, e devo destacar todo o esforço de Vossa Excelência e o papel que o Parlamento tem feito nesse sentido.
O Presidente da República é também eleito diretamente. Diferentemente do Parlamento, o Presidente, nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, representa “a unicidade do poder estadual e a inclusividade da República”.
O Presidente da República, nos termos da nossa Constituição, é o garante da unidade da Nação e do Estado. O Presidente deve, portanto, unir, cuidar, proteger, e criar as condições para, no âmbito desta nossa democracia deliberativa, todos se expressarem livremente.
A palavra do Presidente não é uma mera opinião, tem o peso da representatividade que deriva das urnas. É nessa linha que o Presidente deve trabalhar para aconselhar, advertir, unir, cuidar, proteger, mas, sobretudo, criar as condições para que esta democracia deliberativa funcione da melhor forma possível, havendo liberdade de expressão, o cumprimento das regras do jogo democrático e a procura permanente de entendimento e de consensos sobre os principais desígnios nacionais.
O governo tem uma responsabilidade extremamente importante no processo político. O governo é nomeado pelo Presidente da República, a partir dos resultados eleitorais, e, para entrar em pleno funcionamento, depende da confiança política do Parlamento. Então, é fundamental que, relativamente ao governo, o Parlamento também cumpra as suas responsabilidades.
Temos de ter um governo forte, capaz de enfrentar os desafios que temos pela frente, e são enormes os desafios que temos, precisamos de um governo forte, de um governo legitimado, de um governo com a confiança do Parlamento – e é o que temos, em Cabo Verde. Temos todas as condições de governabilidade para que o governo exerça plenamente as suas responsabilidades.
É claro que, também, precisamos de uma oposição forte, porque a democracia realiza-se nesta dinâmica entre o poder e a oposição, e é preciso que o estatuto da oposição seja respeitado e é importante que, em sede parlamentar, a oposição tenha todas as informações, todos os dados, todos os elementos para exercer, sem assimetrias de informação, o seu poder de controlo e de fiscalização do exercício do poder governamental.
Sei também do esforço que Vossa Excelência e o Parlamento têm feito para que todos os órgãos de soberania cumpram, efetivamente, o seu importante papel na consolidação e no reforço do Estado de Direito Democrático em Cabo Verde.
Dito isto, devo dizer que a nossa democracia funciona, no quadro da separação e da interdependência de poderes. A separação de poderes é extremamente importante e temos de fazer cada vez mais pedagogia relativamente a esta questão para que as pessoas entendam os poderes de cada órgão de soberania, para que as pessoas entendam, por exemplo, que os tribunais são independentes e devem exercer de forma independente, no quadro da Constituição e das leis, as suas responsabilidades, e que cabe ao Parlamento e aos outros órgãos de soberania participar na feitura das leis e na conformação da vontade política nacional.
Eu quero dizer que é importante que a separação de poderes esteja presente, mas também, e como bem disse o Sr. Presidente da Assembleia Nacional, tenhamos em devida conta a interdependência dos poderes. A interdependência implica procedimentos de cooperação e de controlo interorgânicos. É preciso que haja controlo e partilha de responsabilidades entre os Órgãos de Soberania. O ponto de convergência será, sempre, a realização do bem comum.
Termino, Senhor Presidente, dizendo-vos da responsabilidade do Presidente da República e do nosso compromisso em continuar a manter com o Parlamento as melhores relações institucionais, como tem sido até agora, com muito respeito, com muita elevação, com muita educação e com muita elegância, conhecendo claramente os limites dos poderes de cada um e trabalhando para que a cooperação que resulte da interdependência dos poderes se realize de forma mais produtiva e mais profícua possível, para o bem de Cabo Verde.
Desejo a si, Senhor Presidente, um ano novo de muitas luzes. Precisaremos de muitas luzes para termos inteligência, equilíbrio e bom senso necessários, para que a Assembleia Nacional se afirme, cada vez mais, como um dos mais importantes órgãos de soberania deste país, onde o povo, representado na sua pluralidade, possa expressar as divergências e os consensos necessários para o bem do país.
Desejo à Sra. Deputada e aos Srs. Deputados, e a todas as Deputadas e a todos os Deputados, um feliz ano novo. É bom que com muita saúde e vigor intelectual continuemos a trabalhar para enfrentar os desafios que temos pela frente e que são enormes. Cabo Verde precisa do nosso empenhamento, do nosso patriotismo, do nosso engajamento em prol da construção de um país muito melhor.
Feliz ano novo e muita saúde e prosperidade para o Sr. Presidente e para todos os que integram esta importante Casa dos Representantes do povo.
Muito obrigado.