DISCURSO PROFERIDO POR S.E. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, DR. JOSÉ MARIA NEVES POR OCASIÃO DE ABERTURA DO SEMINÁRIO SOBRE A INCLUSÃO, SUBORDINADO AO TEMA “INCLUSÃO EM REDE(S) – PERSPECTIVAS ENTRE PORTUGAL, BRASIL E CABO VERDE”.

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09 DE FEVEREIRO de 2023

Foi com prazer que aceitei o convite para presidir à sessão de abertura deste Seminário sobre a Inclusão, subordinado ao tema “INCLUSÃO EM REDE(S) – PERSPECTIVAS ENTRE PORTUGAL, BRASIL E CABO VERDE”. Aproveito a oportunidade para expressar à Profª Doutora Aleida Furtado, Presidente da Faculdade da Educação da Uni-CV, e à Dra. Isabel Moniz, Presidente da Associação Colmeia, os meus agradecimentos pelo convite, e manifestar o quanto é gratificante poder estar aqui presente, em nome de uma causa que diz respeito a todos, sem exceção.

Este Seminário reveste-se de grande importância e oportunidade, pelo programa e conteúdo, bem recheados, indo de conferências, mesas redondas e oficinas. Factos igualmente de destacar, os destinatários/benificiários, e o detalhe de o mesmo ocorrer de forma descentralizada, o que poderá contribuir para que possa alcançar um leque maior de pessoas, sensibilizando-as para o problema da inclusão e a defesa dos direitos das pessoas com algum tipo de deficiência.

Gostaria, igualmente, de enaltecer esta tripla parceria entre Cabo Verde, Portugal e Brasil, pelos resultados concretos que, decerto, virão, e pelas potencialidades que podem ser exploradas. É imperioso estabelecer redes de pessoas e ações que possibilitem uma corrente positiva voltada para a inclusão, a nível nacional e internacional. E, neste caso, as universidades podem desempenhar um papel fundamental, pois, ajudam a compreender os problemas e a encontrar as melhores soluções para os casos de inclusão.

Nesta luta, desde os tempos em que as pessoas com deficiência em geral eram praticamente escondidas ou ostracizadas, já se percorreu um longo caminho, e hoje ganharam mais visibilidade e os seus direitos já são defendidos. Mesmo assim, constata-se uma grande disparidade na concretização desses direitos. Felizmente, é de realçar os esforços da sociedade, das igrejas, ONG’s, escolas, cidadãos, todos, numa luta para incluir aqueles que têm condições especiais, contribuindo para a sua inclusão. Esta atitude deve ser tomada com um autêntico espírito de missão.

A problemática da deficiência constitui um grande desafio para a nossa sociedade, especialmente para as famílias. De acordo com os dados do Censo da População de 2021, cerca de 47 mil caboverdianos vivem com algum tipo de deficiência, condição que, geralmente, gera ou agrava a pobreza. Basta lembrar casos de famílias monoparentais, em que a mãe, único arrimo do lar, se vê impedida de sair de casa para trabalhar, devido ao grau de dependência de um filho, que exige cuidados especiais. Esta circunstância contribui para acentuar o rosto da pobreza em Cabo Verde, que é, essencialmente, feminino.

Com efeito, a deficiência, muitas vezes se revela fraturante, com enormes custos sociais, emocionais e financeiros, tanto para as pessoas com deficiência, para a família, comunidade, cidade e país no geral. Temos que estar conscientes de que ela é uma condição a que todos nós estamos potencialmente sujeitos, o que nos obriga, ainda mais, a desenvolver o país e a sermos capazes de proteger aqueles que hoje padecem de algum tipo de deficiência, garantindo-lhes condições decentes de vida e de desenvolvimento das suas capacidades.

Chamo a atenção para uma situação que, no meu entender, é uma questão de Direitos Humanos. De entre as várias deficiências, a doença mental é das mais estigmatizadas, e a forma como a sociedade trata os doentes mentais que circulam pelos nossos centros urbanos, deixa muito a desejar, e contribui para o agravamento do seu estado de saúde. Mas se estes são vítimas de um certo tipo de violência, não estão excluídos de outros, que afetam igualmente os com outras limitações, independentemente da idade, sexo ou condição social. Essas ocorrências mostram a necessidade de se combater estereótipos e práticas nocivas em relação a pessoas com deficiência, de forma a conseguir uma maior humanização, afastando a estigmatização, a marginalização e a exclusão social.

As nossas atitudes devem ser no sentido de contribuir para a prevenção das doenças mentais e diminuir o preconceito ainda existente na nossa sociedade. Mas, em geral, torna-se fundamental a adoção de um paradigma da diversidade humana, sendo que a condição de determinada deficiência é apenas mais uma das características do ser Humano, sem menosprezo pela diferença e nem pelo diferente, não devendo, as famílias em particular, terem vergonha dos seus entes especiais.

A primeira dimensão do cuidado às pessoas com deficiência que recai sobre as famílias prende-se com o amor. Amar, cuidar e incluir. Reitero que as famílias não devem esconder, e ter receio, medo ou vergonha de amar, cuidar, respeitar, incluir e apresentar os seus membros que vivem com alguma limitação. A deficiência é uma condição humana que devemos aceitar com naturalidade.

Mas se há deficit de amor e concórdia na sociedade, provavelmente as famílias e as instituições poderão estar a padecer do mesmo mal. Quando, por exemplo, instituições e indivíduos se digladiam, numa política de terra queimada, numa lógica de competição feroz em que é preciso ganhar, e ganhar a qualquer preço. Trata-se de uma atitude destrutiva, já que só se pensa na destruição e na eliminação do outro. Da mesma maneira, a violência nas ruas e a forma como as pessoas falam e discutem, com inurbanidade, são sintomas preocupantes da necessidade de mudança de comportamento.

Abro um parêntesis para acrescentar que a incivilidade tem como alvo, muitas vezes, as infraestruturas e os equipamentos públicos, que são destruídos ou danificados. Desde escolas a blocos de apartamentos ainda inabitados, que são vandalizados e depredados; de painéis solares de empresas de rádio e televisão a sismógrafos ou sinais de trânsito, que não escapam à destruição. Mesmo que os direitos civis e políticos, sociais e económicos estejam a ser respeitados, devemos também ter uma cultura cívica, uma cultura diferente em relação a tudo o que é do Estado. Temos que ter plena consciência de que o Estado somos todos nós, pelo que é nossa obrigação preservar e cuidar do nosso património comum.

Há ainda a acrescentar as inquietantes situações de VBG, abuso sexual de menores, violência contra criança e outros tipos de violência, sendo que parte dessas vítimas é constituída por pessoas com deficiência. Para uma mudança profunda de todo este cenário, há que empoderar o cidadão e a sociedade, tarefa que só se consegue com uma ação em rede, e ter uma perspetiva mais construtiva da política, bem como a existência de políticas públicas nesse sentido. Cada vez mais pressinto que é urgente um programa de educação para a cidadania, como forma de defender a democracia e de promover as liberdades.

No que diz respeito ao trabalho em prol de uma inclusão social mais salutar, afetiva e efetiva das pessoas com deficiência, aproveito esta oportunidade para, através da Dra. Isabel Moniz, Presidente da Associação Colmeia, saudar todas as demais ONG’s e enaltecer o meritório trabalho que têm vindo a realizar, como exemplo a ser elogiado e assinalado.

Acredito que as transformações que paulatinamente vêm ocorrendo na sociedade, beneficiam do decisivo concurso e persistente luta destas ONG’s, contribuindo para a progressiva mudança de mentalidade e diminuição do preconceito ao longo dos anos. Trata-se de um ganho assinalável, tornando-as merecedoras dos melhores aplausos, e deve ser enfatizado que os resultados até aqui alcançados, são graças ao espírito de missão e ao seu abnegado trabalho, muitas vezes em regime de voluntariado, o que deve ser acarinhado e estimulado.

A inclusão social, entendida como a participação ativa nos vários grupos de convivência social, de pessoas com deficiência, quer de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, merece de nós todos, simpatia e vigoroso carinho. A par dos reconhecidos méritos das ONG’s, que ora celebramos, espera-se o mais convicto empenhamento dos outros parceiros nesta luta, quais sejam, famílias, igrejas, escolas, comunidades de fé, empresas, autoridades públicas e privadas, ou seja, de toda a sociedade caboverdiana, assumindo uma cultura de inclusão, a todos os níveis.

Devemos pensar com empatia naqueles que têm necessidades especiais e na sua inclusão. Para termos uma sociedade mais justa, mais moderna e mais próspera, precisamos de cuidar dos que são mais vulneráveis e necessitam de cuidados acrescidos. Um crescimento genuíno implica crescer material e espiritualmente. Temos que ter uma cultura de cuidado. É uma questão de Direitos Humanos!

Felizmente, dispomos hoje de uma legislação avançada em termos de arquitetura e capaz de conduzir a uma melhoria significativa da condição de vida das pessoas com deficiência. Esse quadro jurídico e as medidas legais sobre a matéria de inclusão social, merecem justo reconhecimento, uma vez que simbolizam tudo o que já foi feito no país nessa matéria, pelos sucessivos governos da República. Dessas Leis que foram sendo aprovadas, destacamos as que se referem à gratuitidade na matrícula e frequência do ensino para as pessoas com deficiência; ao aumento da pensão social do regime não contributivo; à instituição do rendimento social de inclusão (RSI); à criação do cadastro social único (CSU); à aprovação e implementação do Plano Nacional de Cuidados; à melhoria na rede de cuidados para famílias com pessoas em situação de dependência, bem como a regulamentação da lei que define as bases do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência.

Em quase meio século de independência, festejamos muitas conquistas, com ganhos transversais, em todos os sectores, mas onde mais se destacam a educação e a saúde. Se não há registo de nenhum país que tenha conseguido sucesso, descurando a educação e a saúde, em relação às pessoas com deficiência o raciocínio deverá ser o mesmo: em defesa de uma inclusão plena, não negligenciar a educação e a saúde.

O direito ao acesso à educação, de todas as pessoas com deficiência, com base na igualdade de condições e de oportunidades, deve ser assegurado através de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, com profissionais cada vez mais preparados e em escolas com adaptações de acordo com as necessidades e em ambientes que maximizem o desenvolvimento académico e social, compatíveis com a meta de inclusão plena.

Às pessoas com deficiência deve ser proporcionado, pelos profissionais de saúde, um atendimento com a mesma qualidade que para as outras pessoas, sem discriminação. Há que analisar as reformas a introduzir a nível da Previdência Social de forma a dar acolhimento às demandas de pessoas com deficiência, nomeadamente, alargando o leque de especialidades a serem cobertas pela comparticipação, tanto no quadro contributivo, como no quadro não contributivo.

Apesar de certas limitações, os preconceitos continuam a ser vencidos e é hoje consensual que as pessoas com deficiência devem ser admitidas no mercado de trabalho, exercendo um direito que se lhes assiste, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Quer dizer que é vedada a discriminação, baseada na deficiência, com respeito a todas as questões relacionadas com formas de emprego, inclusive condições de recrutamento, contratação e admissão, permanência no emprego, ascensão profissional e condições seguras e salubres de trabalho.

Terminando, faço um apelo a todos os que têm intervenção na matéria, sublinhando que, apesar da legislação, que pode até ser arrojada, e que procura a inclusão e a equidade, os nossos deficientes, no seu dia-a-dia, ainda enfrentam imensos obstáculos no que respeita a acessibilidades. Temos um grande desafio de propiciar acesso sem barreiras, aos edifícios públicos, estabelecimentos de ensino, instalações médicas, locais de trabalho, moradias, meios de transportes públicos, etc.

A todos desejo uma excelente e produtiva jornada de trabalho, e declaro aberto o Seminário sobre a Inclusão, subordinado ao tema “INCLUSÃO EM REDE(S) – PERSPECTIVAS ENTRE PORTUGAL, BRASIL E CABO VERDE”.

Muito obrigado pela vossa atenção!