DISCURSO DE SUA EXCELÊNCIA, O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, JOSÉ MARIA PEREIRA NEVES – ABERTURA OFICIAL DA QUINTA EDIÇÃO DO FESTIVAL DE LITERATURA-MUNDO DO SAL

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Excelências,
Senhora Secretária de Estado do Ensino Superior,
Senhor Presidente da Câmara Municipal do Sal,
Senhor Presidente da Assembleia Municipal do Sal,
Senhores Organizadores do FLMSal,
Senhora Curadora Científica do FLMSal,
Ilustres Participantes,
Minhas Senhoras e Meus Senhores

É com a maior satisfação que saúdo todos os participantes nesta Quinta Edição do Festival de Literatura-Mundo do Sal, desejando-vos um excelente encontro.
Permitam-me que felicite a Câmara Municipal do Sal, a Rosa de Porcelana Editora e a Curadoria Científica por, em conjunto com os mecenas e patrocinadores, organizarem nesta bela ilha do Sal, o maior evento das letras de Cabo Verde, dedicado à Literatura-Mundo.

Trata-se de uma demonstração da vitalidade de Cabo Verde na fazedura de eventos culturais e na criatividade de juntar mundos para fazer destas ilhas um palco aberto do cosmopolitismo, otimizando, em certo sentido, a genealogia incorporadora da crioulidade e o modo de ser e de estar convergente das sociedades crioulas.

Trata-se, de igual modo, de uma excelente oportunidade para ampliar contactos e sociabilidades, consolidar ideais, consagrar perspetivas plurais e, por isso mesmo, democráticas de estar na dinâmica cultural planetária e de abrir mais avenidas que serão, seguramente, frutuosas para todos. Este Festival, de bom porte pelo que propõe na atual fase, é um modesto e singelo contributo como encontro, mas naturalmente ousado e ambicioso no que levanta.

Um pouco por todo o mundo, sobretudo nas universidades e nos centros de saber afins, tem havido encontros e colóquios sobre formas e métodos de ler e de analisar, numa perspetiva comparada, aberta e inclusiva os textos oriundos de diferentes sistemas literários, objetivando criações de fundos compartilhados e alargamento dos vários cânones.

Se a discussão e a experimentação têm sido académicas e tendem a epistemológicas, elas também, a cada dia, tornam-se curiosidade mais legítima dos escritores, dos leitores, dos críticos, dos editores, dos tradutores e dos agentes literários, na medida em que tudo isso implica a mais ampla circulação das obras e maior intercâmbio dos textos, mais mundividência da escrita, preservando identidades e promovendo diversidades.

Nesse sentido, creio que transformar este debate sobre modos de escrever, ler e conhecer, sobre novos padrões e outras derivas em face das produções literárias, legitimando todas, no tempo e no espaço, aos estudos comparatistas; creio que transformar esta emergência de pensamentos num Festival Literário seja algo notório e notável, algo inovador e inédito, e tenho tido a satisfação de acompanhar, com vivo interesse, este Festival de Literatura-Mundo do Sal que, desde 2017, vem mobilizando para Cabo Verde reflexões e debates sobre a literatura e a oratura, sobre o cânone ocidental e o cânone planetário, sobre os sistemas literários nacionais e o pretenso sistema literário universal, sobre a língua e a identidade, sobre a tradução e a circulação das obras.

Por conseguinte, o Festival de Literatura-Mundo do Sal tem tido o mérito nas suas cinco edições – que seriam sete, não fosse a paragem devido a pandemia de 2020-2021 -, de realizar a mais ampla relação de encontro de autores, professores, investigadores e comunicadores de que se tem notícia, trazendo para Cabo Verde, personalidades da arte e da ciência literária de Angola e do Vietname, da Alemanha e do Brasil, da Argentina e do Senegal, de São Tomé e Príncipe e dos Estados Unidos, da Espanha e de Portugal, da Itália e do Senegal, da Sérvia e da Nigéria -, fazendo em cada edição, homenagens marcantes, como, na primeira edição, o caboverdiano Corsino Fortes e o português José Saramago; na segunda, o caboverdiano Mário Fonseca e o argentino Jorge Luís Borges; na terceira, a caboverdiana Orlanda Amarilis e o alemão Friedrich Goethe; na quarta, o caboverdiano João Vário e o maliano Amadou Mpatê Ba; e nesta quinta edição, a caboverdiana Dulce Almada e o italiano Antonio Tabucchi.

Congratulo-me de a escolha para 2023 recair na linguista Dulce Almada, uma oportunidade sem paralelo não só para a rememorarmos com toda a vénia que nos merece, mas para levantarmos questões da língua e da identidade, posto estarmos no dealbar da plena oficialização da língua caboverdiana e da realização constitucional do bilinguismo, que reza a paridade e a coabitação enriquecedora entre o português e o caboverdiano, dois elementos fundantes da nossa identidade. Dulce Almada Duarte foi das grandes estudiosas da língua e da cultura de Cabo Verde e deixa um legado fundamental para o afrontamento linguístico-cultural que ora nos detém.

A feliz escolha de Antonio Tabucchi também muito nos diz de uma ficção de itinerância, de entre lugares e de identidades em diálogo, ingredientes caros aos artistas e criadores caboverdianos, como a sua dedicação como tradutor, desde logo do poeta Fernando Pessoa, trazem exemplos coevos da legibilidade dos autores e do potencial da tradutibilidade das obras, a par do grande desafio que os escritores caboverdianos ainda enfrentam que é o da tradução e da circulação de suas obras, desde logo entre os países da CPLP e, por que há mais mundo que este linguístico, entre todos os países do mundo.

Estas duas homenagens instigam-nos e convocam-nos a pensar e a olhar de modo especial, diverso e ousado. Ressalta na programação do FLMSal, o envolvimento das escolas do Sal, das livrarias e das associações, bem como das universidades de Cabo Verde.

É ainda com o maior gosto que tomo nota do Prémio LHANA de Literatura, uma parceria entre o Governo, através do Ministério dos Transportes e Turismo, a Câmara Municipal do Sal e o Festival de Literatura-Mundo do Sal, que vivamente felicito, a ser atribuído no ato de encerramento do Festival e que consta ter sido muito concorrido, iniciativa que será um grande incentivo para a produção literária nacional. Felicito igualmente o júri – Doutora Fátima Fernandes, Dr. José Luís Hopffer Almada e Professora Simone Caputo Gomes -, especialistas em literatura caboverdiana, que, pelo rigoroso trabalho de seleção e pelo prestigiado saber que colocam ao serviço da causa literária, garantem prestígio a esta iniciativa.

Ressalta neste certame a participação ativa dos estudantes e professores, dos ativistas culturais e da comunicação social destas ilhas, movida que acrescenta valor ao frenesim literário e cultural de Cabo Verde, que é por excelência, pelo vigor da sua ancestral crioulidade, o país da música, das letras, de todas as artes, dos vários modos, formas e conteúdos culturais, que fazem a matricialidade da nação caboverdiana. A presença das escolas e a participação dos estudantes são cintilantes. É neles, estudantes, que reside a capacidade de inventarmos um Cabo Verde melhor no futuro.

Nestas cinco edições, o Festival vem não só incorporar o espírito de abertura do conceito Literatura-Mundo, lidando ainda com aspetos de estranhamentos e necessidades de entranhamentos, na linha do afirmado pela catedrática Helena Buescu, da Universidade de Lisboa, (sic) de que “A literatura-mundo pode assim ser compreendida como experiência simultânea do comum e do incomum: um arquivo de semelhanças potenciais, mas também de diferenças e infinitas variações”, não só incorpora tal espírito, como inscreve-se entre as ofertas culturais de Cabo Verde, de que destacamos algumas, como o Festival de Teatro Mindelact, o Kryol Jazz Festival e o Mindel Jazz Fest, entre outros, que acrescentam qualidade e visibilidade cultural, em certa medida fixando o país no roteiro da programação cultural internacional pelo viés da literatura.

Por isso, louvo aqui os criadores deste Festival, destacando as figuras de Filinto Elísio, José Luís Peixoto, Márcia Souto e Patrícia Pinto, a Curadoria Científica do evento na pessoa da catedrática santomense, Professora Inocência Mata, a organização a cargo da Rosa de Porcelana Editora e a instituição promotora, a Câmara Municipal do Sal, através do seu titular, Doutor Júlio Lopes.

Enquanto Presidente da República, quero enaltecer e agradecer, de forma muito solidária e consequente, o contributo ímpar que, a partir do Sal e nas suas atividades de extensão, este Festival tem dado para a valorização da Literatura e da Cultura de Cabo Verde.

Estou certo de que este Festival dará um importante contributo para compreender os desafios de Cabo Verde como País Africano no Atlântico Médio e como Nação Global à escala da sua Diáspora, para albergar olhares mais alargados sobre a “ordem literária mundial”, e, enfim, para sensibilizar os leitores do Mundo de que o Planeta, em toda a sua dimensão e diversidade, possui Literatura e que conhecê-la e fruí-la é, no dizer de Luís de Camões, “dar novos mundos ao Mundo”.

É com essa convicção que termino. Não sem antes transmitir a minha expectativa de que o encontro deste ano dê um contributo determinante para que o Festival consagre o Sal como centralidade literária e como destino também de turismo cultural, ajude a aumentar o interesse do mundo pelos escritores caboverdianos e a literatura caboverdiana conquiste novas fronteiras. Como diria o Poeta Corsino Fortes, precisamos cada vez mais, “rolâ na mapa/ rolâ na munde”!

Desejo a todas e a todos uma excelente sessão de trabalho, pedindo-vos que não deixem também de aproveitar a hospitalidade e a beleza desta ilha do Sal.

Muito obrigado.