Intervenção de Sua Excelência, Dr. Jorge Carlos Fonseca, Presidente da República, na Cerimónia de Abertura do 41º Fórum Anual de Parlamentares para Acção Global (PGA)

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Assembleia Nacional, Praia, 21 de Novembro de 2019

Foi com muito prazer que recebi o convite de Sua Excelência o Presidente da Assembleia Nacional para presidir à abertura deste importante Fórum na Casa da Democracia cabo-verdiana.

Queria, em primeiro lugar, saudar, efusivamente, os ilustres participantes, especialmente os que vieram de diferentes países, para, na nossa capital, se dedicarem a uma importante jornada de reflexão e de construção de ferramentas que lhes permitam enfrentar, da melhor forma possível, desafios ingentes que angustiam os nossos povos, para os quais, juntos, seguramente, encontraremos as melhores soluções, como o deixa antever o sugestivo lema – “Promovendo a renovação e inclusão democrática, salvaguardando os direitos humanos e protegendo os oceanos”.

Ilustres convidados,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

A minha participação neste importante evento, muito mais do que cumprir um ritual protocolar, pretende ter o significado da ampliação do grito, muitas vezes inquietantemente silencioso, que deve ecoar por todo o planeta.

A crise, que não tem de ser necessariamente negativa, é global, não apenas no sentido em que abarca a totalidade do globo, mas porque o afecta em diversas dimensões: Física e ambiental- que coloca em risco a sobrevivência das pessoas e outros seres vivos; Demográfica – a partir dos desequilíbrios resultantes da tensão entre a população e meios de subsistência, e dos que decorrem de grandes movimentos migratórios; Política – com a redefinição do papel dos Estados e as interrogações sobre a sua organização, os conflitos armados, a existência de muitos Estados incapazes de assumirem os papéis que, tradicionalmente, lhes são atribuídos, a marginalização de importantes contingentes humanos por razões económicas culturais ou religiosas; Ética – valores que vinham sendo considerados essenciais para a convivência entre as pessoas, conquistas civilizacionais são postos em causa e muitas vezes seus contrários defendidos e até erigidos em políticas de Estado.

O que explicaria realidade tão complexa e preocupante que parece querer negar importantíssimas conquistas da humanidade? Por que será que, hoje, princípios tão caros aos homens e que, de certa forma, se consideravam irreversíveis são questionados de forma tão directa e preocupante?
É facto que, a vários níveis, assistimos a mudanças profundas, muito especialmente nos domínios da ciência e da tecnologia, colocando em causa ou relativizando conceitos nos quais se alicerçaram as nossas formas de estar e de conceber o mundo.
Conceitos como vida, morte, entendidos como processos absolutos, são relativizados, o espaço e o tempo deixam de ser balizas estáveis para assumirem uma roupagem tão relativa que são remetidos para a condição de meras criações nossas.
As mudanças sucedem-se a um ritmo extremamente elevado, provocando transformações que ocorrem em permanência. As possibilidades da ciência aumentam incessantemente. Há quem fale na possibilidade de digitalização das memórias. Nunca o homem terá tido tanta capacidade de compreender e de utilizar em seu interesse o conhecimento em praticamente todas as áreas.
Mas, paradoxalmente, os problemas básicos para largos milhões de pessoas não foram, ainda, resolvidos. Contingentes muito significativos de seres humanos morrem ou vivem em condições muito precárias pelo facto de não terem acesso a meios que, entretanto, existem e, por vezes, até são destruídos quando muitos deles necessitam. Mesmo em países ricos, camadas da população são excluídas, ficando sem acesso a bens e serviços essenciais.
Esta realidade parece alimentar a desesperança, fomentar a falta de crença em algo, num ideal, pelo qual vale a pena lutar.
As desigualdades regionais e sociais, as guerras e conflitos, muitas vezes alimentados ou perpetuados artificialmente, aliados a catástrofes naturais, provocam êxodos de milhões de pessoas, por vezes em condições dramáticas, frequentemente transformadas em tragédias, por esse mundo fora, em direcção a espaços considerados mais seguros e que dispõem de mais meios.
Essa relação, não obstante importantes movimentos solidários, não tem sido pacífica, consubstanciando-se, não raras vezes, em movimentos de não aceitação, de hostilização alicerçada num medo, quase doentio, alimentado de forma mais ou menos sistemática.
As grandes dificuldades de edificação do Estado em várias regiões, nomeadamente em África que, por isso, nem sempre consegue equacionar problemas imediatos das respectivas sociedades, ou que remontam ao passado colonial, contribuem para alguma instabilidade, muitas vezes alimentada com o intuito de se aproveitar de recursos existentes.
O desenvolvimento do crime organizado à escala transnacional e do terrorismo encontra nessa realidade um autêntico caldo de cultura para o recrutamento de seus operacionais.
Esse quadro geral não é favorável ao florescer da liberdade, ao exercício dos direitos humanos, da tolerância, da cultura da paz.
Apesar dos méritos inegáveis do regime democrático, não podemos ignorar que boa parte dos cidadãos, em vários países, não se revêm nele, por falta de cultura democrática ou porque a conduta dos seus dirigentes não se coaduna com os seus interesses legítimos.
Neste quadro, o exercício dos direitos humanos pode revelar-se precário e a sua violação uma constante em vários cenários. Vulnerabilidades sociais, exclusão, desrespeitos sistemáticos pelos direitos fundamentais podem ter como consequência o desespero que impele ao êxodo em condições muito difíceis e à predisposição para acolher propostas que assegurem de algum modo uma felicidade cada vez mais distante.
Sim, a saída é “promover a renovação e inclusão democráticas, salvaguardando os direitos humanos”.
Senhor Presidente da Assembleia Nacional,
Ilustres Parlamentares para Acção Global (PGA),
Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo,
Senhores membros do Corpor Diplomático,
Senhores Conferencistas,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

Todos sabemos que a problemática do meio ambiente e das alterações climáticas constituem os principais desafios nos dias de hoje. E, também, não ignoramos que, paradoxalmente, a acção do homem, detentor de largos conhecimentos sobre tudo ou quase tudo, é um dos principais factores que contribui para essa perigosa realidade. Na sua relação com o meio, o homem tem actuado de forma predatória, sobretudo no modo como procura apropriar-se e transformar os bens encontrados na natureza.
O aumento da temperatura e nível dos mares e a acidificação dos oceanos, provocados pelas alterações climáticas e a grande poluição marinha constituem novas ameaças à vida marinha, às comunidades das zonas costeiras e das ilhas e às economias nacionais.
Importa ter presente que os oceanos que cobrem mais de dois terços da terra, à qual fornecem 70% do oxigénio, respondem pelo transporte de 90% das mercadorias a nível mundial e são o grande motor da economia azul que congrega as pescas, os transportes, o turismo, os desportos náuticos e todas as atividades conexas.
Infelizmente, em função da pesca predatória e dos desequilíbrios referidos, as populações do litoral que vivem da pesca artesanal são profundamente afectadas, o que contribui para o agravamento das desigualdades sociais e para o aumento da pobreza.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Em Cabo Verde, país insular de reduzidas dimensões territorial e populacional, procuramos, no limite das nossas possibilidades, enfrentar, no nosso espaço, os desafios globais da actualidade.
A nossa trincheira que se alimenta da cultura e da tenacidade dos cabo-verdianos é o nosso sistema democrático com cerca de três décadas de existência, que nos tem permitido equacionar e resolver os problemas que nos afligem, num quadro de grande estabilidade social e política.
Procuramos cultivar todas as liberdades, promover os valores da Constituição, reforçar as instituições da República, garantir a mais ampla Liberdade de expressão do pensamento e de organização política e sindical, fortalecer o poder local democrático.
O poder é legitimado pelo voto popular e a alternância no exercício do poder é algo rotineiro entre nós. No capítulo dos direitos, liberdades e garantias afirmamos, com orgulho, que os resultados são muito apreciáveis, com reflexos evidentes no exercício dos direitos fundamentais.
[referência à lei da paridade/ rima com democracia]
Temos consciência de que, no que se refere aos direitos sociais, há um trajecto mais longo a ser feito e que as preocupações com a modernização, alargamento e aprofundamento da democracia têm de ser permanentes.
Naturalmente, temos importantes problemas decorrentes da escassez de recursos naturais, das fracas precipitações pluviométricas – estamos no terceiro ano de seca – e dos complexos problemas decorrentes de equilíbrios ambientais muito frágeis.

Temos concedido muita importância a tais desafios e não podemos deixar de insistir na necessidade de, na qualidade de país insular de reduzidas dimensões e por isso muito vulnerável às mudanças climáticas, merecermos uma atenção diferenciada da comunidade internacional.
“Somos 730 mil Km2 de mar e escassos 4 mil e poucos Km2 de terra. Para além de impregnar e adoçar o nosso espírito, o oceano constitui uma importante fonte alimentar para praticamente toda a população e de rendimento e emprego para milhares de pescadores e distribuidores”, esta citação que extraí de uma comunicação minha a propósito do dia dos oceanos, traduz a nossa realidade perante os oceanos.
Procuramos desenvolver políticas que tenham em vista a sua preservação, quer através da educação ambiental, quer da adopção de medidas para prevenir a sua poluição, designadamente a aprovação de uma lei que só permite a utilização de bolsas de plástico biodegradáveis.
Temos o maior interesse em contribuir para a preservação dos oceanos que, como se pode verificar, é a parte bem maior da nossa casa. Já iniciámos um processo de aproveitamento das suas grandes potencialidades, estruturando as bases para uma economia azul.

Contudo, temos de referir que, no domínio das pescas, as limitações são de grande vulto, especialmente no que se refere à pesca artesanal. Os nossos pescadores enfrentam, cada vez mais, dificuldades devido à pesca ilegal ou não autorizada.
Assim, é com muito prazer que registo que a problemática da pesca artesanal, especialmente nos países com reduzido mercado, merecerá atenção particular da vossa parte tanto na perspectiva económica quanto na dos direitos humanos.

Senhor Presidente da Assembleia Nacional,
Ilustres Parlamentares para Acção Global (PGA),
Senhores Deputados,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Somente acções globais, articuladas e sistemáticas, podem fazer face a esta complexa realidade que afecta a todos, faz perigar a vida no planeta e serve de pretexto para o desenvolvimento de perspectivas que, muitas vezes, rondam a barbárie. Apenas essa intervenção pode acalentar a esperança e contruir certezas.

Apenas agentes comprometidos com as pessoas, o mundo, os princípios e a felicidade de gente de carne e osso, que assumem, de facto, as bandeiras desfraldadas por instituições como as Nações Unidas, que cristalizam os anseios mais profundos da humanidade, podem enfrentar tais desafios.

A legitimidade democrática, conferida através do voto popular, concede aos parlamentares autoridade para assumirem papel de relevo na concretização dos ODS – Objectivos do Desenvolvimento Sustentável. Mister é que a sua actividade se mostre capaz de favorecer sempre o papel crucial que os Parlamentos devem ter nas democracias liberais modernas.

O papel dos Parlamentares para a Acção Global na implementação dos ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas -, poderá ser determinante.
Ao congregar cerca de 1.400 legisladores de 142 países, os Parlamentares para a Acção Global têm todas as condições para ajudar, efectivamente, a construir um mundo diferente do proposto por aqueles que pregam a institucionalização de barreiras, a exacerbação da intolerância e o culto de nacionalismos estreitos que ignoram as virtudes do multiculturalismo.

Não duvido que este 41º Fórum terá um impacto relevante para a intervenção a favor de um mundo mais humano.
Na realidade, ao debruçar-se sobre esses temas candentes, através de personalidades de reconhecida competência, na perspectiva do aprofundamento da compreensão dos desafios que se colocam à Democracia e ao exercício dos Direitos Humanos e à protecção dos Oceanos, na óptica da defesa da pesca artesanal, o Fórum proporcionará aos Parlamentares instrumentos fundamentais para o desempenho das suas actividades.

Estou seguro de que o Plano de Acção da Praia para a Renovação da Democracia e a Protecção dos Oceanos será um marco de vulto no processo de construção dos caminhos que conduzirão a um mundo plural, tolerante, com mais liberdade, mais democracia e menos desigualdades sociais.
Agradeço, mais uma vez, o honroso convite que me foi formulado para presidir a este importante evento.
Declaro aberto o 41º Fórum dos Parlamentares para a Acção Global.

Muito obrigado.