Discurso de Sua Excelência, o Presidente da República, por ocasião da Sessão Solene do 13 de janeiro- Dia da Liberdade

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Caras Cabo-verdianas, Caros Cabo-verdianos, Residentes e na Diáspora,

Ilustres Convidadas e Convidados

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Permitam que as minhas primeiras palavras sejam para saudar o Senhor Tedros Ghebreysus, Diretor-Geral da Organização Mundial da Saúde, nesta sua histórica visita ao nosso país.  A vossa presença, Senhor Diretor-Geral, muito nos honra, especialmente por se tratar de uma oportunidade que foi aproveitada para anunciar a certificação de Cabo Verde como país livre da Malária. Os esforços dos nossos profissionais da Saúde, conjugados com a aplicação dos protocolos da OMS, levaram ao sucesso que foi ontem celebrado, coroando décadas de uma cooperação profícua e exemplar. É uma vitória de Cabo Verde e da Organização Mundial da Saúde, que muito nos orgulha, e demonstra o progresso conseguido no sector da Saúde, de forma consistente, em quase 50 anos de independência!

Muito obrigado, Senhor Presidente da Assembleia Nacional, e a minha elevada consideração pelo seu convite e pela forma mui digna como tem sabido construir relações sólidas de cooperação institucional e de respeito mútuo entre o Parlamento e o Presidente da República.  Os meus respeitos são extensivos a todas as Senhoras e os Senhores Deputados, mesmo quando, por vezes, não estamos de acordo, afinal, a discordância é o sal da democracia. O respeito que vos devo, enquanto Presidente da República, é o respeito que tenho de ter pelo povo, que vos escolheu, democraticamente, como seus legítimos representantes.

Mais de três décadas depois da adoção do multipartidarismo, é sempre com vigor renovado que celebramos o Dia da Liberdade e da Democracia, e, muito simbolicamente, no Parlamento cabo-verdiano. A Assembleia Nacional representa a pluralidade e os valores preferidos pela maioria da Nação cabo-verdiana. A Democracia é uma escolha consensual e um motivo de orgulho, que nos encanta e nos dá confiança.

Em Cabo Verde, principalmente na parte mais formal, a Democracia tem funcionado na plenitude, com eleições a decorrerem com regularidade e os resultados, aceites, por todos, com naturalidade. No entanto, há ainda muitas arestas por limar, sobretudo no tocante à distensão do clima que, lamentavelmente, tem sido de crispação política permanente. Trata-se de um modelo que terá as suas imperfeições, como é sabido, e que necessita de ser permanentemente melhorado, com paciência, com perseverança, com inesgotável dedicação. A Democracia é lenta, difícil, complexa, cara, e pode até ser chata. Apesar disso e por isso mesmo, só nos resta aperfeiçoá-la continuadamente, já que, até ao momento, não se descobriu nenhum sucedâneo credível ou viável. A Democracia é um processo de permanente democratização.

No mundo inteiro – e este arquipélago não constitui exceção –, a Democracia precisa de ser fortalecida para que resista aos ataques que tem sofrido, expondo e aproveitando-se das suas fragilidades. As ameaças, que têm ocorrido, em várias latitudes, e que nos causam espanto, pela sua ousadia, não podem prosperar. A Democracia tem de vencer a demagogia, que a divide e enfraquece, quando tenta manipular, subverter a ordem constitucional, e substituir a razão pela emoção. Porém, ela continua a ser quem melhor oferece a relação custo/benefício com a qualidade das decisões que são tomadas, por delegação do povo, para benefício de todos e dando expressão à justiça social. Daí o compromisso com o seu aprimoramento, lá fora, e em Cabo Verde, todos os dias.

A nossa Democracia tem, nos partidos políticos, os seus principais pilares. Tenho por oportuno, nesta ocasião, enaltecer e reconhecer o papel desempenhado pelos partidos fundadores da Democracia: UCID, PAICV e MPD. Deve ser devidamente destacado o valor de todos e de cada um deles. Apesar da sua importância na origem e na construção do edifício democrático, os partidos políticos em geral vêm perdendo força relativa e reduzindo a sua capacidade de educação para a cidadania. Hoje, com o peso, muitas vezes pernicioso, das redes sociais eivadas de populismo digital, que atacam a dignidade das pessoas; os movimentos inorgânicos; a crescente perda de influência ou desestruturação dos meios tradicionais de intermediação, nomeadamente os sindicatos e a comunicação social, há que recuperar o papel de representação das forças políticas e ter presente o Regime Jurídico dos Partidos Políticos.

De entre os seus objetivos, temos a promoção da educação cívica e o esclarecimento político dos cidadãos, estimulação da sua participação na vida política e a contribuição para a formação da opinião pública e da consciência nacional e política, bem como o debate dos problemas da vida nacional e internacional, e a tomada de posições perante eles. Continua a ser importante o papel de representação dos partidos políticos, já que eles propõem candidatos às eleições legislativas, em monopólio, e também às eleições municipais. Sendo eles as locomotivas da Democracia, há que evitar o seu descarrilamento nas sinuosas curvas da demagogia, do populismo e do extremismo, quando não se vê a meios para alcançar o poder, tomando conta da política, empobrecendo-a e corroendo as instituições. A disputa pelo poder passa a ser uma disputa sem quartel, visando a liquidação do adversário, com acusações, calúnias, insultos, assassinato de carácter, muitas vezes sem possibilidade de defesa, afetando as instituições da República, justamente quando, o esperado seria o reforço das instituições democráticas, e não o contrário. É preciso que se tenha em conta os limites, no sentido de que nem tudo é permitido.

O mundo e o espaço político entraram numa dinâmica, com fenómenos novos, e uma única certeza: a de uma permanente mudança. Isto já constitui desafio para outras formas de exercício de poder. Daí a importância de se reinventar os partidos políticos, que devem abrir-se à sociedade civil, criar as condições para o concurso de mais cidadãos, no país e na diáspora, e acolher os jovens. Estes sempre tiveram um papel importante em momentos decisivos da nossa história, como a luta pela Independência Nacional e a Transição para a Democracia. Há que cativá-los, trazê-los de volta para a política e para os grandes combates da Nação. Só assim teremos “A República pelas mãos dos jovens”, como é o lema da Semana da República, que hoje se inicia.

É papel dos partidos políticos contribuir para o aprofundamento e a qualificação da Democracia, centrando-se nas questões essenciais, cumprindo as suas responsabilidades e esforçando-se para que o debate político seja elevado, feito de forma séria, com base em ideias e não em pessoas e casos. Deve-se evitar a destruição do outro e a polarização da sociedade. Só assim poderemos resolver os problemas que afetam os cidadãos e a sociedade. Como é óbvio, não é possível construir e consolidar a Democracia sem democratas autênticos. Reitero a necessidade de se ultrapassar a recorrente perspetiva meramente eleitoralista, de curtoprazismo, que só empobrece o debate político. Esta prática vem-se arrastando, com consequências no longo prazo, constrangendo o desenvolvimento do país. Os partidos políticos devem autolimitar as suas atuações.

Por outro lado, uma recomendação sempre pertinente é a de revisitarmos o Estatuto do Direito da Oposição e ter presente que quem vence, governa, e que quem perde, fica na oposição, representando uma parte importante da sociedade, sendo que ninguém pode ser escorraçado. Relembrar que a oposição tem o direito de ser informada, regular e diretamente pelo Governo, sobre o processo dos assuntos de interesse público mais relevante, e que, igualmente, tem o direito de se pronunciar e intervir publicamente pelos meios legais sobre quaisquer questões de interesse público. Os partidos políticos com representação parlamentar, e que não façam parte do Governo, têm o direito de ser previamente consultados pelo Governo, nomeadamente sobre a orientação geral da política externa e opções fundamentais do Plano e Orçamento do Estado. Quem pensa diferente de nós não é nosso inimigo, mas nosso parceiro na construção de uma sociedade aberta e democrática, devendo sentar-se à mesma mesa e conversar, com respeito e consideração, sem ofensa e desconsideração. A política não é uma relação de amigo/inimigo.

Há que defender e preservar a pluralidade de ideias e de pensamento, pois quanto mais pessoas participarem, de forma ampla e plural, na construção de consensos e de decisões, tanto melhor. Temos de convir que, numa decisão consensualizada por muitos, a probabilidade de acerto é muito maior do que numa decisão tomada isoladamente. Só uma boa discussão pública, com ideias partilhadas, pode levar à formação de políticas públicas consistentes. Uma Sociedade Civil fortalecida contribuirá para a afirmação das instituições de controlo democrático. Democracia é transparência: ela deve ser feita à frente do povo e não nas costas do povo. Este, tal como a oposição, tem também o direito de ser informado.

Entre os Órgãos de Soberania, urge o estabelecimento de pontes, melhor entendimento e cooperação, em vez de se construir muros. O Parlamento deve ser eleito como o espaço privilegiado para o debate e a afirmação da Democracia. Espera-se, igualmente, que a Assembleia Nacional seja capaz de encontrar os consensos com vista à eleição dos Órgãos Externos ao Parlamento. Do Presidente da República podem contar, como sempre, com a disponibilidade institucional e o empenho pessoal para a busca dos entendimentos que se mostrarem necessários.

A par da realização da vertente formal da Democracia, temos de dar passos mais firmes e seguros na direção de uma Democracia económica, social e cultural, que abarque todos os cabo-verdianos, numa luta, ainda por vencer, contra a exclusão social, para que ninguém fique à margem. Devemos conceder a todos a oportunidade efetiva de se realizar de acordo com os seus desejos e possibilitar às camadas mais desfavorecidas o acesso efetivo, por exemplo, à Saúde e à Educação. O emprego, a criminalidade, os transportes (marítimos e aéreos) interilhas e a erosão do poder de compra, estão no topo das preocupações dos nossos concidadãos, demandando por uma resolução célere. A exclusão social é discriminação e uma afronta aos Direitos Humanos. Para que ninguém fique para trás, os direitos ainda não conquistados têm de chegar a todos, com inclusão social e respeito pela Constituição. Pugnemos por uma democracia económica capaz de garantir uma distribuição mais equitativa dos rendimentos e de eliminar as assimetrias mais gritantes.

A Liberdade e a Democracia fazem parte das conquistas e do compromisso do povo cabo-verdiano. Tal como uma planta frágil, a Democracia também precisa de cuidados para se fortalecer. É dever de todos trabalhar, com entusiasmo, para a sua defesa e aperfeiçoamento, com desejos de progresso e bem-estar, e um futuro de prosperidade, e qualificá-la para pontificar entre as primeiras democracias do mundo.

Vivam os Partidos Políticos!

Viva a Liberdade!

Viva a Democracia!

Viva Cabo Verde!

Muito Obrigado!