Discurso de Sua Excia. o Presidente da República, Sr. José Maria Neves, por ocasião do Ato Solene de comemorações do 49. º Aniversário da Independência, na Assembleia Nacional

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Minhas Senhoras e meus Senhores,

Com regozijo, entramos na contagem decrescente para a celebração dos 50 anos da Independência, a data mais importante da história desta Nação! Mesmo sem a pretensão de fazer um balanço, os dados disponíveis evidenciam, de forma eloquente, a assertividade do sonho de sucessivas gerações de cabo-verdianos: o de ser livre e de viver com dignidade.

Empreendemos uma memorável jornada de conquistas que se traduzem num acréscimo de cerca de vinte anos na esperança de vida; na redução da mortalidade, de mais de uma centena por mil nascimentos para pouco mais de 10 por mil; em cerca de 50 anos, o PIB per capita quase que se multiplicou por 50, com visível redução da pobreza; de uma população maioritariamente analfabeta, passámos para uma taxa de analfabetismo atual quase que residual. Estes são alguns dos marcos consolidados deste período, e que muito nos orgulham.

Contabilizamos cinco décadas de sólidas conquistas do povo cabo-verdiano, não obstante as conhecidas adversidades deste arquipélago, que devem funcionar como desafios e alavancas para somarmos mais êxitos nas próximas etapas. Com uma boa dose de coragem, e vencendo o ceticismo inicial, já não restam dúvidas sobre a escolha entretanto feita, e a certeza de que podemos construir um futuro ainda melhor.

Nestes anos, crescemos política e institucionalmente. Somos uma Democracia representativa, fundada na liberdade e na dignidade da pessoa humana. Há separação dos poderes, limites ao Estado e “check and balance” entre os diferentes Órgãos de Soberania, a Justiça é independente, a Imprensa é livre e o Poder Local é democrático e vigoroso.  

O cenário é estimulante para uma reflexão, perspetivando, com legítimo otimismo, os próximos cinquenta anos, um caminho necessariamente mais sofisticado e disruptivo, reinventando e perseguindo novas e melhores soluções. Será sempre um futuro que terá balizas incontornáveis, que não poderão ser ignoradas: as evidências de sermos um Estado oceânico e transnacional. Esta realidade vai nortear o nosso caminho para o desenvolvimento e a prosperidade.  

Somos as ilhas azuis do Atlântico. Dos atuais 800.000 km2, a previsão é a da expansão da área marítima para mais de um milhão de km2. As nossas opções estratégicas estarão, com certeza, intimamente relacionadas com o mar. Todas as riquezas e todas as potencialidades devem ser aproveitadas, com critério. O leque é deveras diversificado, sendo de destacar a produção da água, os alimentos, as potencialidades energéticas, a indústria farmacêutica, a efetivação dos transportes marítimos e da coesão territorial e a redução das dissimetrias regionais, como fatores capazes de impulsionar a nossa economia de forma decisiva. O facto de sermos um Estado oceânico permite ao nosso país catalisar novas dinâmicas de crescimento económico e de modernização, esconjurando o anátema de natureza madrasta e de parcos recursos.

Temos reunidos os requisitos básicos para acelerar o desenvolvimento económico e criar mais empregos e mais inclusão, com mais condições de dignidade para as pessoas. Há que diversificar a economia, aumentar a sua resiliência e, principalmente, ser capaz de aproveitar todo o potencial de um dos seus motores principais. Ou seja, devemos diversificar o produto turístico, em todos os seus aspetos, bem como levar o turismo a todos os cantos do país, de acordo com as especificidades de cada local.

Sobre as energias renováveis, as nossas potencialidades são enormes, podendo fazer de nós um centro internacional em vários aspetos relacionados com a produção desse tipo de energia. Podemos ministrar formação, desde a formação profissional aos níveis de licenciatura, mestrado e doutoramento, criar centros de pesquisa e atrair os maiores investigadores do mundo. A produção, a manutenção e a comercialização de equipamentos de energias limpas são domínios de interesse estratégico para nós. E temos condições de tornar as ilhas 100% livres de energia fóssil.  

O advento da Inteligência Artificial deve ser visto com redobrada atenção, tendo em conta as virtualidades de se colocar todo esse aparato de forma correta e com respeito pelos padrões éticos, ao serviço do Homem e do país. A Inteligência Artificial é um futuro que já está a acontecer, e não devemos perder essa oportunidade, mas sim seguir as transformações tecnológicas e colocá-las ao serviço do desenvolvimento humano.

A juventude cabo-verdiana, cuja qualificação tem vindo a aumentar de forma notável e consistente, está desafiada a ter uma voz ativa em todas as questões relacionadas com as novas tecnologias. Tudo o que seja inovação, mudança e transformação, tem o rosto da juventude. Igualmente, na política e na sociedade em geral, o vigor intelectual, as ideias novas e o fulgor de criatividade que estão associados a esta geração, são bem-vindos, pelo seu diferencial disruptivo e acelerador de radicais e profundas mudanças.  Cada geração deve assumir e marcar o seu tempo.

Temos de realçar a importância incontornável da imensa Diáspora cabo-verdiana, sempre presente no pulsar da vida deste arquipélago e que merece todo o nosso carinho, admiração e gratidão. As remessas financeiras, é certo, são muito importantes. No entanto, cada vez mais, as remessas de ideias e de conhecimentos assumem uma importância capital, podendo beneficiar, de forma substancial, vários setores da sociedade. É essencial o contributo da Diáspora na Educação, no Ensino Superior, na Ciência e na Inovação, na Saúde, na fomentação empresarial, na reforma do Estado e na modernização da Administração Pública, para conseguirmos andar mais depressa e aumentar a competitividade e a riqueza nacional. Ao mesmo tempo, urge acelerar a modernização das infraestruturas portuárias, aeroportuárias, rodoviárias, e mudar a matriz energética. De forma concomitante, há que prosseguir com a modernização das instituições políticas e económicas, garantindo a aceleração e a inclusividade do crescimento.

Só com uma sociedade autónoma e cidadãos livres e ativos será possível fazer a diferença nas próximas 5 décadas. Confiança nas instituições, mercados vibrantes, cidadão civicamente engajado e participante ativo na governação da República, universidades fortes, Imprensa livre e pujante são vitaminas para o desenvolvimento durável que queremos. Dito de outro modo, temos de, do ponto de vista político, completar a revolução liberal iniciada na década de 90, desestatizando a sociedade e libertando os indivíduos das peias do Estado e, no plano económico, densificar o setor privado e capacitar o Estado visionário, estratego e catalisador de dinâmicas de crescimento inclusivo e ambientalmente sustentável.

A questão que se coloca, e deve constituir entendimento alargado, é como melhor qualificar a nossa Democracia. Isto passa por uma maior abertura ao debate e por ter consideração e respeito por todos e entre todos, envolvendo mais os cidadãos nos assuntos públicos, fazendo do mérito, da transparência e da accountability autênticos mandamentos. Cabo Verde é um Estado de Direito Democrático, que funciona. Porém, ocorre ser preciso, cada vez mais, garantir todos os direitos dos cidadãos, buscando diminuir as desigualdades de rendimentos, proporcionando mais riqueza e reduzindo a pobreza extrema, para que a nossa sociedade seja cada vez mais solidária, inclusiva e justa.

Correndo embora o risco de repetir, o que quero realçar, neste ponto da minha mensagem, é isto: temos de mobilizar a nossa Diáspora, criar novos paradigmas de cooperação internacional, fomentar investimentos privados, adequar os sistemas organizacionais públicos e fundá-los em carreiras desenhadas em função do mérito e da avaliação de desempenho, sofisticar os processos decisórios e de produção de políticas, aumentar a produtividade e melhorar a qualidade dos serviços finais.

Lamentavelmente, o cenário mundial que se nos apresenta é o de uma casa cada vez mais perigosa para se viver. Cabo Verde não é parte nesta escalada de tensão insana, de desfecho imprevisível. A nossa postura deve ser de equilíbrio e de inteligência, agindo com prudência, equidistância e moderação, e não nos colocarmos em bicos de pés. Cumpre-nos o papel, tal como no passado, em que, modestamente, contribuímos para soluções de paz, de, também hoje, sermos um ponto de encontro, uma casa de diálogo, sendo sempre uma ponte para a paz. Esta é a nossa vocação.  Reiteramos a defesa intransigente da Carta das Nações Unidas, do Direito Internacional, do respeito pela soberania e a integridade territorial dos Estados. Abraçamos o desígnio universal de lutar e zelar pela paz e contribuir para que o futuro seja pacífico e de prosperidade para toda a Humanidade.

As cabo-verdianas e os cabo-verdianos aspiram por um mundo de paz e harmonia, condição necessária para se poder prosseguir no caminho do progresso e do desenvolvimento.

Este é também tempo de união de todos em torno dos grandes desígnios nacionais. Temos ideias e opiniões diferentes, propomos, às vezes, soluções diferentes, mas, pelo diálogo que tenho tido com os partidos políticos, a sociedade civil e os cidadãos, constato que há um largo consenso sobre o que é essencial para o nosso desenvolvimento. Do debate democrático vamos afinando os pontos de convergência e unindo esforços para enfrentar com sucesso os desafios. Face à turbulência do mundo atual e à velocidade das mudanças, só juntos conseguiremos manter este Cabo Verde de todos nós na rota do desenvolvimento, da modernidade e da sempre renovada ousadia de sermos uma Nação ganhadora.

O meu apelo, neste 5 de Julho, é de união. De união em torno dos interesses nacionais. Juntos, preparemo-nos para comemorar condignamente esse marco de ouro que é o primeiro Quinquénio da Independência Nacional. O sonho para os próximos 50 anos é, tem de ser, o de construir um Cabo Verde moderno, próspero, justo e inclusivo e com oportunidades para todos os seus filhos. Estamos em condições de realizá-lo!.

Viva o 5 de Julho!

Viva Cabo Verde!