Comunicado do CA da Presidência da República sobre o “Relatório da Inspeção Administrativa e Financeira à Presidência da República” da Inspeção Geral de Finanças

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Considerando o “Relatório da Inspeção Administrativa e Financeira à Presidência da República” da Inspeção Geral de Finanças, recentemente concluído, tem o Conselho de Administração da Presidência da República por necessário exprimir o seguinte:

  1. Tendo lido com toda a atenção devida o referido Relatório, verifica-se que o mesmo identifica um conjunto de situações e sobre elas faz recomendações. De forma alguma aponta um cenário de desregramento ou desconformidades generalizadas, como agora se pretende fazer crer, numa clara tentativa de conspurcar, desgastar a imagem do Presidente da República e de fragilizar e condicionar a sua intervenção política e a sua capacidade de influenciação, enfim, de exercer os poderes que lhe são atribuídos pela Constituição da República. Perante isto, torna-se imperioso recordar e sublinhar aspetos essenciais à melhor compreensão do que está em causa.
  2. Os princípios da transparência e da criteriosa utilização dos recursos têm sido bandeiras na gestão da Presidência da República, com ganhos inegáveis não apenas no tocante aos Recursos Humanos quanto também em domínios igualmente importantes como é o da gestão patrimonial. Cabe destacar que foi a partir de Março de 2022 que a Presidência da República passou a estar alinhada com o SIGOF (Sistema Integrado de Gestão Orçamental e Financeira). Tratou-se de uma decisão ponderada e definitiva, por iniciativa do Presidente da República, visando precisamente tornar direta e facilmente escrutináveis todos os atos da gestão da Presidência da República. O mesmo é dizer, assunção da transparência em toda a linha. Desde essa data, e pela primeira vez, tudo o que diga respeito à gestão administrativo-financeira da Presidência da República está inteiramente exposto e transparente no sistema da gestão orçamental e financeira do Estado, sujeito por conseguinte à fiscalização, desde logo à fiscalização concomitante, das instâncias com competências de fiscalização. E tem de continuar a ser assim. Seria um retrocesso voltar à situação antes existente. Ponto é que cada agente ou responsável nesse sistema cumpra plenamente as suas atribuições e os dados nele introduzidos sejam devidamente protegidos.
  3. Com efeito, essa possibilidade de escrutínio direto e permanente é um ganho para a Presidência da República e para todo o sistema. Mesmo num contexto de autonomia administrativa e financeira, existe assim a intervenção de outras entidades no momento do pagamento das despesas, designadamente do lado do Governo, pelo que a existência, por exemplo, de eventuais irregularidades sucessivas nunca poderia ser responsabilidade exclusiva da gestão da Presidência da República. Cada um deve assumir as suas responsabilidades!
  4. O processo dos salários da Senhora Primeira Dama foi tratado com toda a boa-fé e total transparência, num quadro de explicitação das motivações e de concertação e entendimentos com o Governo, ao mais alto nível, e crença na lógica da lealdade institucional e lisura no relacionamento que deve existir entre os Órgãos de Soberania. Todas as informações foram prestadas ao Senhor Primeiro Ministro pelo Senhor Presidente da República sobre esta matéria e, na sequência, as questões de orçamentação foram cuidadas com o Ministério das Finanças.

Um dado que não se pode ignorar é que a cidadã Débora Carvalho já tinha o seu trabalho e a sua vida profissional, e aceitou ver reduzidos os seus rendimentos para assumir a tempo inteiro as funções de Primeira Dama.

Continua a ser entendimento da Presidência da República que, ainda que disperso e lacunoso, existe um estatuto da Primeira Dama em Cabo Verde, seja decorrente de direitos que a prática continuada, desde 1975, foi traduzindo em costume do Estado, seja da criação, com a lei orgânica da Presidência da República em vigor desde 2007, do Gabinete de Apoio ao Cônjuge do Presidente da República, seja ainda do Decreto-Lei nº 14/2017, de 30 de Março, que integra a Primeira Dama no elenco de Titulares de Cargos Públicos isentos de rastreio dos aeroportos do país. Aliás, dois anos depois, através do Decreto-Lei nº 12/2019, de 22 de Março, o Governo reitera a inclusão da Primeira Dama na ‘lista de titulares de altos cargos públicos isentos de rastreio’.

Sempre foi claro com todos os interlocutores que havia a lacuna relativamente à compensação a atribuir à Primeira Dama.

Neste quadro, a Presidência da República, que não legisla, apresentou ao Governo um anteprojeto de nova Lei Orgânica da Presidência da República, o qual contêm dispositivos jurídico-administrativos visando regular questões ainda não reguladas ou deficientemente reguladas quanto à Primeira Dama. Isso foi no dia 5 de Maio de 2022. Primeiro, e como mandam as boas práticas, Sua Excelência o Presidente da República entregou, em mãos, o documento a Sua Excelência o Primeiro Ministro e, em seguida, o Chefe da Casa Civil enviou o mesmo, por ofício (Refªa 05/G-CCC-PR 2022, de 5 de Maio), a Sua Excelência a Ministra da Presidência do Conselho de Ministros. Por conseguinte, sempre foi propósito e desejo da Presidência da República que a matéria fosse resolvida ao nível da Lei. As medidas entretanto adotadas foram sempre anunciadas como sendo provisórias e todos os intervenientes nas diferentes fases, seja a do processamento dos salários, seja a do pagamento das obrigações perante o Fisco, seja ainda a das contribuições para a Previdência Social, tiveram como suporte bastante a Diretiva nº1/2023, do Chefe da Casa Civil. Nunca a questionaram, nunca sugeriram caminho diferente. Tiveram-na como bastante! Outrossim, é preciso que se clarifique por que razão o Governo não concedeu a atenção e a prioridade necessárias à proposta de diploma da Presidência da República, quebrando assim uma longa tradição, nesta matéria, de lealdade e cooperação institucionais.

  1. Por outro lado, é importante recordar o seguinte: ao mesmo tempo que apresentou a proposta de diploma orgânico, a Presidência da República fez inscrever nos Orçamentos para 2023 e 2024 o necessário ‘respaldo financeiro’ para a implementação da nova Lei Orgânica, incluindo naturalmente os dispositivos atinentes à Primeira Dama. Isto está claro nas Notas Justificativas enviadas ao Ministério das Finanças em 2022 e em 2023, respetivamente. Por conseguinte, estão em causa recursos devidamente orçamentados, constantes de Orçamentos do Estado devidamente discutidos e aprovados pelo Governo e pela Assembleia Nacional. Outrossim, nas sessões da chamada arbitragem política as motivações de cada rubrica foram devidamente explicitadas, particularmente a atinente aos Recursos Humanos onde se incluem as verbas de suporte aos salários da Primeira Dama. Ou seja, tudo foi conduzido à luz do dia, num quadro de boa fé, de informação ao Governo, franco diálogo institucional, de entendimentos prévios e de submissão ao escrutínio de todos os mecanismos de controle financeiro do Estado.
  2. Ainda sobre a proposta de novo diploma orgânico, importa referir que ele é desenhado para trazer ganhos institucionais importantes, volvidos 17 anos sobre a entrada em vigor da atual lei. O ponto atinente à Primeira Dama é apenas um entre um leque alargado de matérias tratadas nessa proposta de diploma. A realidade de hoje é outra e é absolutamente legitimo que a Presidência da República queira ver criadas, ao nível da lei, condições para avanços na sua organização e na resposta à gestão dos seus Recursos Humanos. Torna-se inexplicável, à luz da lisura no relacionamento institucional, a aposta do Governo em barrar a pretensão da Presidência da República de dispor de um novo diploma orgânico que, entre outros, eliminava o vazio legal relativamente a certos aspetos atinentes ao Estatuto da Primeira Dama.
  3. Cabe referir que há problemas herdados do passado em matéria de gestão dos Recursos Humanos. Por exemplo, algumas situações de vínculos laborais irregularmente constituídos, bem como o pagamento de 1/3 a título de compensação por horas extraordinárias, objetivamente como forma de compensar situações salariais desfasadas. São problemas desde cedo identificados e foi crescendo a expetativa da sua resolução no quadro da nova lei orgânica e, na decorrência, de um diferente tratamento das Funções e dos Salários. Na mesma linha da aposta na regularização de situações e melhoria dos níveis de gestão, deixou de haver a prática da compra de férias e a do pagamento antecipado de salários. É pena que estas matérias não venham referidas no Relatório da Inspeção Geral de Finanças.
  4. O quadro herdado em relação ao chamado subsídio de transporte era de desequilíbrios evidentes e de desrespeito pelo limite estabelecido por lei (dez mil escudos mensais), havendo quem recebesse muito acima desse limite. A primeira medida de correção foi justamente a do cumprimento dessa fasquia legal. Este registo histórico não está refletido no Relatório, mas é bom referir que só com essa primeira medida de correção houve ganhos diretos para os recursos públicos. Na falta de regulamentação da lei que cria o direito ao transporte, havia o problema, mormente no período pós-pandemia, de assegurar condições de transporte aos funcionários, à semelhança do que fizeram praticamente todos os serviços do Estado. A alternativa seria aceitar o bloqueio dos serviços por falta de funcionários… Parece-nos irrazoável dizer simplesmente que o subsídio não é devido a certas categorias, desconhecendo o contexto dos serviços em concreto.
  5. Da mesma forma, uma apreciação da gestão da Presidência da República mais recuada no tempo permitiria ver que o montante atribuído ao Chefe da Casa Civil a título de renda de casa é o mesmo atribuído há muitos anos a anteriores titulares do cargo. Tivesse esse montante sido questionado em algum momento, em algum escrutínio, em alguma avaliação das contas de gerência, certamente que não se verificaria essa inércia no processamento, de gestão em gestão. Não se pode ignorar a prática reiterada durante anos para, em relação ao atual titular do cargo, considerar o montante “inadequado e desproporcional”…
  6. Relativamente ao exercício de funções pela Conselheira Jurídica, de maio de 2022 a dezembro de 2023, o Conselho de Administração da Presidência da República mantém os argumentos produzidos no Contraditório ao projeto de Relatório da Inspeção Geral de Finanças, aguardando pelo pronunciamento do Tribunal de Contas. De todo o modo, cabe aqui reiterar que, ainda que trabalhando em regime de teletrabalho, a Senhora Conselheira desempenhou plenamente as suas funções. A Inspeção Geral de Finanças sustenta a sua recomendação de restituição das remunerações auferidas, numa eventual não tomada de posse formal, independentemente do trabalho efetivo materialmente realizado e prestado num regime de disponibilidade permanente.

Com efeito, no referido período temporal o trabalho efetivamente prestado abrangeu a apreciação de mais de uma centena de diplomas submetidos à Presidência para promulgação, preparação de ações de fiscalização de constitucionalidade, de intervenções e outros documentos solicitados por SE o Presidente da República, para além naturalmente do aconselhamento jurídico propriamente dito a SE o Presidente da República.

Sendo certo que a relação jurídica de emprego se constitui pela nomeação, ato unilateral da Administração pelo qual se preencheu um lugar do quadro e que a posse/aceitação é o ato pelo qual o nomeado declara aceitar a nomeação, consideramos, salvo melhor opinião, que o caso não se enquadra nas situações de posse obrigatória, elencadas na Lei n° 102/IV/93, de 31 de dezembro, mostrando-se oportuno lembrar que os Conselheiros do Presidente da República estão integrados numa carreira especial, cuja equiparação a dirigente é para efeitos remuneratórios, direitos e regalia e não para todos os efeitos.

  1. Com relação aos contratos de prestação de serviços, ainda no decorrer da Inspeção foram introduzidas as correções sugeridas pela equipa de Inspeção, pelo que acreditamos que esses contratos já estão plenamente conforme aos seus entendimentos. De todo o modo, vale referir que na Presidência da República sempre houve contratos dessa natureza, com individualidades ou escritórios, no país e no estrangeiro, com os mesmos montantes de retribuição e seguindo os mesmos procedimentos. Entretanto, entendemos os reparos da Inspeção no sentido de melhorar, pelo que logo foram feitos os ajustamentos. Tivesse havido Inspeção no passado, certamente os mesmos reparos teriam sido feitos.
  2. Entende o Conselho de Administração da Presidência da República que, conhecido o Relatório da Inspeção Geral de Finanças e tendo o mesmo sido remetido ao Tribunal de Contas, como se impunha, importa serenamente aguardar pelo pronunciamento desse órgão.

 

 Cidade da Praia, aos 19 de Agosto de 2024.