Em entrevista ao jornalista Júlio Vera Cruz, no programa Um Outro Olhar, o Presidente da República, José Maria Neves, faz um balanço positivo dos três primeiros anos de seu mandato, que se completam no próximo sábado, 9 de novembro. Para o chefe de Estado, “globalmente, o mandato tem funcionado bem”, destacando avanços importantes como a abertura do Palácio do Povo em São Vicente, o êxito da Presidência nas Diásporas, e a sua atuação como Patrono da Década do Oceano e a forte ação diplomática que tem exercido, com claros ganhos que se traduzem nas suas nomeações patrono da Década do Oceano pela UNESCO, e Champion da Preservação do Património Natural e Cultural de África, pela União Africana.
Assim, José Maria Neves enfatizou o seu trabalho em prol da preservação do património natural e cultural africano, a intensificação das relações diplomáticas, com diversas visitas de chefes de Estado, e a promoção de uma gestão transparente na Presidência da República. “Estamos absolutamente tranquilos e temos sido serenos e muito responsáveis na forma como estamos a adotar as questões de transparência”, afirmou sobre os desafios enfrentados no início de 2024, quando houve discussões em torno de questões orçamentárias na Presidência.
No campo da política externa, o Presidente reforçou a importância da Macaronésia, com a recente decisão de trabalhar pela institucionalização dessa região no âmbito da ONU, e reafirmou sua postura de cooperação estratégica com o governo de Ulisses Correia e Silva, “até o limite das possibilidades constitucionais”.
Sobre os próximos dois anos de seu mandato, José Maria Neves reiterou seu compromisso de continuar a trabalhar “No Ofício do “bem comum”, na busca por mais autonomia e força para a sociedade cabo-verdiana, sem se preocupar com especulações eleitorais. “Neste momento estou absolutamente concentrado em fazer a melhor Presidência possível”, concluiu.
Oiça a entrevista, na íntegra, aqui, ou se preferir, leia a transcrição da mesma, no link, a seguir: https://www.rtc.cv/rcv/audio-details/com-presidente-da-republica-jose-maria-neves-sobre-o-terceiro-ano-de-mandato-12318
Transcrição da entrevista:
Um Outro Olhar” com Presidente da República, José Maria Neves , sobre o terceiro ano de mandato
Transcrição da Entrevista (ta publika-l na site y poi link:
Entrevista
JVC: Muito bem. Senhor Presidente da República, José Maria Neves, completa, sábado que vem, justamente, três anos de mandato. Faltam dois. Nesses três anos, várias coisas aconteceram no exercício da presidência. Pode parecer corriqueiro, mas vou-lhe perguntar. Qual é a análise que faz do seu mandato?
PR: Globalmente, acho que tem funcionado bem. Introduzimos muitas novidades. Por exemplo, a abertura do Palácio do Povo, em São Vicente, e a receção de cartas credenciais na cidade do Mindelo. As reuniões do Conselho da República e do Conselho Superior de Defesa Nacional, também na cidade do Mindelo.
Para além da Presidência na Diáspora e da Presidência nas ilhas. A Presidência (na Diáspora) nos Estados Unidos foi um grande sucesso. Em São Tomé, também, foi um grande sucesso.
Há questões que se relacionam com temas importantes que o Presidente da República tem apadrinhado. Patrono da Década do Oceano, tenho participado em conferências das Nações Unidas e tenho organizado conferências internacionais em Cabo Verde sobre o Oceano. E também, tenho participado em várias iniciativas, em vários debates no sentido de influenciar a sociedade cabo-verdiana para assumir uma postura mais criativa, mais inovadora relativamente à problemática da gestão sustentável dos mares.
E também, enquanto Champion da Preservação do Património Natural e Cultural, de África, os meus pares escolheram-me e tenho trabalhado com os outros presidentes da República, com as Nações Unidas, com a Unesco, com um conjunto de parceiros e entidades no plano nacional. Tenho feito algumas visitas importantes, designadamente à Nossa Senhora da Luz e à Ribeira Grande de Santiago. E são aspetos muito importantes.
Para além da ação diplomática global, tenho recebido visitas de presidentes, Lula da Silva, o Presidente da Alemanha, o Presidente do Senegal, o Presidente de Portugal, o Presidente de São Tomé, o Presidente da Guiné-Bissau. Nunca recebemos tantos presidentes de países com dimensões e influências. Também tenho feito visitas de Estado a Angola, São Tomé.
E tenho, sobretudo, exercido, no meu Ofício do Bem Comum, uma grande capacidade de influenciação de algumas políticas. Tenho recebido ONGs, cidadãos, igrejas, sindicatos, partidos políticos. E, sobretudo, tenho exercido as funções de Presidente, designadamente a promulgação de diplomas, à nomeação de embaixadores, a acreditação de embaixadores, a receção de cartas credenciais.
E também tenho chamado a atenção, nas minhas mensagens, para um conjunto de questões que são absolutamente relevantes para a vida nacional. E, portanto, globalmente, eu acho que o mandato tem sido muito positivo.
JVC: Ao longo desses três anos, as relações entre o Presidente da República e o governo não têm sido as mesmas. Há momentos bons e momentos não muito bons. Eu vou tocar numa questão melindrosa, no ano passado, ou no início deste ano, surgiu a questão da Primeira-Dama, dos salários, da Presidência da República. Esses acontecimentos abalaram o Presidente?
PR: Não. E nem é uma questão melindrosa. Essa questão é uma questão que resulta de uma postura claramente transparente do Presidente da República. As contas da Presidência, pela primeira vez, estão no sistema SIGOF e todas as despesas estão devidamente acompanhadas. Esse ato foi um ato muito transparente, de boa fé e com contornos éticos muito fortes, porque não quisemos que houvesse conflitos de interesse, que houvesse problemas. A auditoria foi solicitada por nós, ao Tribunal de Contas e ao Ministério das Finanças.
Recebemos os resultados com muita tranquilidade e adotamos uma postura absolutamente pedagógica. Estamos a introduzir todas as mudanças com muita humildade que foram propostas e foram sugeridas pelo Tribunal de Contas e pela Inspeção Geral das Finanças. E tenho pautado toda a gestão da Presidência por muito rigor, muita transparência e legalidade.
De modo que eu acho que, globalmente, vai haver uma profunda melhoria de gestão da Presidência da República e veja que, relativamente a essa questão, não há nenhuma intervenção, nenhuma decisão definitiva de um órgão jurisdicional, mas, com toda a humildade, ninguém está acima da lei, com toda a humildade estamos a cumprir o que se propôs nos diferentes relatórios.
JVC: O Tribunal de Contas enviou os relatórios de inspeção ao Ministério Público, que deverá estar em vias ou de engavetar o de seguir em frente. Não teme, como várias correntes têm defendido, algum processo de destituição?
PR: Veja, é um procedimento normal e, sobretudo, nessas questões do exercício da Presidência, é preciso uma consciência absolutamente tranquila e não há nenhum espaço, absolutamente nenhum espaço, e isso faz parte de alguma intriga política, de alguma oposição à Presidência da República, mas não há nenhum tipo de temor. Estamos absolutamente tranquilos, temos sido serenos e muito responsáveis na forma como estamos a adotar essa questão e, portanto, não faz parte da nossa agenda, neste momento, estar a discutir e a responder a essas diatribes políticas. JVC: Fez uma remodelação na Presidência, substituiu o chefe da Casa Civil. Há quem tivesse pensado que o Presidente deveria remodelar ou substituir todo o sector económico da Presidência.
PR: Nós temos tomado medidas adequadas para globalmente responder aos desafios da Presidência. Esta saída não tem absolutamente nada a ver com os relatórios, tem a ver com necessidades de reintroduzirmos um ou outro ajuste, e foi a pedido do Chefe da Casa Civil anterior.
JVC: Olhando para o panorama internacional, a macaronésia de que Cabo Verde faz parte, acaba de decidir enveredar-se para um processo de institucionalização, a criação de uma organização reconhecida pelas Nações Unidas. Significa, na sua ótica, um passo rumo a uma outra coisa?
PR: Essa é uma proposta que já vem de algum tempo. Porque, e ainda no ano passado, por esta altura, no encontro dos poetas da Macaronésia, fiz precisamente essa proposta para que trabalhássemos no sentido da transformação da macaronésia num espaço reconhecido pelas Nações Unidas e que a literatura, as universidades, as empresas poderiam dar um contributo fundamental nesse sentido.
Dei o exemplo da Polinésia e da Micronésia, que também são espaços reconhecidos e deveríamos trabalhar conjuntamente para que a macaronésia fosse reconhecida.
Esse passo é um passo importante para o reconhecimento desta região e para que a comunidade internacional possa ter um outro olhar em relação aos quatro arquipélagos aqui do Atlântico, sobretudo, nesses tempos em que há estudos e há expectativas relativamente a mudanças significativas por causa das alterações climáticas. Então, é um grande passo, saúdo esta decisão e espero que consigamos mobilizar parcerias para a afirmação da macaronésia enquanto espaço geopolítico importante no Atlântico Médio.
JVC: Quais são as relações entre José Maria Neves e Ulisses Correia Silva?
PR: As relações são institucionais e são adequadas. Eu tento cumprir o meu papel e decidi desde o primeiro momento fazer uma cooperação estratégica com o governo. Tenho colaborado até ao limite das possibilidades constitucionais com o governo. Muitas vezes, em 24 horas, promulgo determinados diplomas para permitir que o governo possa cumprir a sua agenda e cumprir critérios de alguns organismos financiadores.
Aliás, eu tenho tido uma colaboração muito estreita com todos os órgãos de soberania, o parlamento, os tribunais e tenho feito tudo para se garantir a estabilidade institucional e se garantir a inclusividade dessas instituições.
JVC: Sr. Presidente da República, guerra na Ucrânia, a invasão. A situação no Médio Oriente, Israel, Faixa de Gaza, Líbano e tensões entre Israel e o Irão. A situação no continente africano, os países em sanção devido a golpe de Estado têm prolongado o período de transição. Tinha dito, aquando da visita do Presidente senegalês, que está de acordo com ele e adivinhava-se uma espécie de frente Cabo Verde/Senegal para dar um outro impulso à CEDEAO. A ideia mantém-se?
PR: Mantém-se e estamos a trabalhar. Só que nessas questões, tendo em atenção a sua delicadeza e complexidade, tem de se trabalhar com a necessária descrição. E é isso que nós temos feito. Mas tem havido contatos, tem havido troca de mensagens, tenho recebido aqui em Cabo Verde mensageiros do Presidente da República (do Senegal) que é quem tem a responsabilidade a nível da CEDEAO para fazer toda esta articulação.
E, portanto, estamos a cumprir, estamos a fazer contactos, só que não podemos fazer tudo isto na praça pública, tendo em conta a delicadeza das questões. Mas estamos a trabalhar.
JVC: Mas, contando com o governo?
PR: Como?
JVC: Contando com o governo?
PR: Claro, contando com todas as esferas da vida nacional.
JVC: Senhor Presidente da República, vai reintroduzir a orgânica nova da Presidência?
PR: Estamos a dois anos de mandato. Necessitamos como de pão para a boca de uma nova orgânica. Infelizmente, essa questão da Primeira Dama fez desviar a atenção do essencial do diploma, que tem a ver com a adequação das estruturas e do quadro do pessoal à nova realidade.
Portanto, a última orgânica foi aprovada em 2007. Estamos a caminhar para 18 anos de aprovação da última orgânica, e nos tempos que correm, 18 anos depois, haverá com certeza a necessidade de muitas adaptações, como aliás o governo vem fazendo, o parlamento vem fazendo.
Mas, tendo em conta o ambiente político, a forma como a orgânica anterior foi tratada, o Presidente da República deve trabalhar de acordo com os atores políticos em presença e de acordo com o comportamento e a atitude das diferentes instituições.
Portanto, acho que não vale a pena continuar a insistir numa questão em que não há muita vontade política para que ela avance e o Presidente da República deve, no quadro da orgânica atual, procurar desempenhar as suas funções.
JVC: No dia 9 de dezembro de 2026 termina o seu mandato no cargo do Presidente da República. Já está a pensar se pede a renovação?
PR: Neste momento estou absolutamente concentrado em fazer a melhor Presidência possível, sobretudo a exercer uma influência positiva na sociedade cabo-verdiana e garantir que haja muito mais autonomia, muito mais força da sociedade, dos cidadãos, e não ainda a pensar na questão das eleições.