Discurso de o Presidente da República Jorge Carlos Fonseca, na Cerimónia de Homenagem aos…

135

Discurso de S.E. o Presidente da República Jorge Carlos Fonseca, na Cerimónia de Homenagem aos Combatentes da Liberdade da Pá…

20 de Janeiro de 1973/ 20 de Janeiro de 2018. Quarenta e cinco anos se passaram. Quase meio século se escoou, separando-nos desse dia fatídico em que o principal dirigente e mentor da luta de libertação de Cabo Verde e da Guiné-Bissau tombava.

Dia escolhido para homenagear as mulheres e os homens que, em circunstâncias particularmente difíceis, consubstanciadas na brutalidade do regime colonial-fascista português, apoiado política e militarmente por importantes países do ocidente, entregaram-se à patriótica tarefa de lutar pela Independência política das nossas ilhas.

De entre essa plêiade de cabo-verdianos, que assumiram de forma desassombrada os ideais nacionalistas, sobressaíram alguns que, pela sua tenacidade, coragem e entrega, nas frentes armada e política, simbolicamente, congregam valores que devem ser sempre exaltados e reverenciados pela Nação.

A escolha de do dia 20 de Janeiro como marco temporal para distinguir, através dos Heróis Nacionais, todos os que, conhecidos ou anónimos, se entregaram à causa libertadora, surge com naturalidade, pois assinala o desaparecimento, em circunstancias trágicas, daquele que encarnou na plenitude a luta pela independência nacional.

Recordo-me que nesse dia do ano de 1973, inúmeros e muito negativos vaticínios se formularam. Militante do PAIGC na clandestinidade em Portugal, não me esqueço da grande consternação e incerteza que se apossou de nós quando a notícia ecoou como uma bomba: Amílcar Cabral foi assassinado.

Progressivamente as notícias foram chegando, algumas através do Comité que coordenava as atividades do PAIGC em Portugal, outras, por meio da imprensa internacional e da portuguesa controlada pelo regime fascista.

Das informações, em muitos aspectos desencontradas, três chamavam a atenção: o possível envolvimento de autoridades da Guiné Conakri, a participação de militantes do PAIGC no assassinato e o futuro da luta.

Com o tempo alguns aspectos ficaram esclarecidos, outros, até hoje não, mas teve-se uma certeza: a luta prosseguia.

Em 1974 eclodiu o 25 de Abril em Portugal, consequência da conjugação do avanço da luta de libertação nacional nas então colónias portuguesas, com realce para a frente da Guiné Bissau, e de graves contradições da sociedade portuguesa.

O reconhecimento por Portugal do Estado da Guiné Bissau, as negociações para a independência de Cabo Verde e a sua proclamação, após uma curta fase de transição, sucederam-se.

Nestes quarenta e cinco anos muita coisa aconteceu. Muitos combatentes ficaram pelo caminho, o PAIGC cindiu-se e o projeto de Unidade com a Guiné-Bissau, um dos sonhos de Cabral, desvaneceu-se.

Mas, a partir do sacrifício de muitos combatentes – tendo alguns, como Cabral, oferecido a própria vida – e da inesgotável energia do Povo foi-se erguendo um Estado em cuja viabilidade muitos não acreditavam.

Edificou-se um país que foi-se impondo na arena internacional como expressão de um Povo batalhador que ao longo da história tem sabido enfrentar e vencer as mais diversas dificuldades.

A luta pela sobrevivência e pela afirmação tem sido árdua, da mesma forma que foi muito exigente para os combatentes nas frentes armada e política, clandestina ou não, no enfrentamento do regime colonial e seus aliados.

A construção do Estado em condições particularmente difíceis foi uma grande epopeia e nela tomaram parte esses mesmos protagonistas que souberam aliar-se ao Povo e aproveitar a sua tenacidade para construir um Estado soberano.

Como sabemos os processos históricos não são lineares. Possuem dinâmica própria que geralmente é constituída de avanços e recuos, sucessos e insucessos, heroicidade e traições.

Mulheres e homens que iniciam a caminhada irmanados, muitas vezes, acabam seguindo caminhos diferentes, ou mesmo opostos.

Mas existem princípios, valores, interesses que devem sobrepor-se a essas contingências e que traduzem o que de mais sublime e permanente existe e dá consistência às sociedades.

Celebrar os Heróis nacionais, todos os Heróis, é, por isso, um acto de gratidão e reconhecmento, mas também de reforço desses valores fundamentais para que os desígnios nacionais possam ser vivificados, assumidos e realizados.

Sabemos que a independência é um marco fundamental na nossa história porque, para além de traduzir e encarnar a afirmação e o orgulho nacionais, é um ponto de partida para enfrentar os desafios que se nos colocam. Ela abre perspectivas que devem ter por limite os nossos sonhos.

Nessa linha a ambição dos cabo-verdianos não podia ficar circunscrita à conquista e consolidação da independência.

O desenvolvimento que permita que cada cidadão tenha o necessário para viver e o aprimoramento das instituições do Estado constituem objectivos primordiais que têm sido perseguidos com muita determinação.

No tocante a este último aspecto, não existem dúvidas de que com o advento e os avanços do sistema democráticos as vantagens são muito apreciáveis. Temos um sistema democrático que, dia-a-dia, se consolida e se afirma no país e no mundo, não obstante as fragilidades ainda existentes.

Cada vez fica claro que esse é o sistema que melhor serve os nossos interesses genuínos e as aspirações mais legítimas de todos.

No tocante ao desenvolvimento, temos de reconhecer que a conclusão não pode ser a mesma.
Avançamos bastante e, não obstante os questionamentos que se possa fazer, somos hoje considerados um pais de rendimento médio.

Contudo, temos consciência da fragilidade da nossa economia, da precariedade em que vivem muitos cabo-verdianos e das grandes desigualdades sociais e regionais que subsistem entre nós.

Fez-se um percurso positivo até o presente. Etapas muito importantes foram ultrapassadas. Mas ainda estamos longe de atingir as metas almejadas.

Nos tempos actuais é necessário comemorar, celebrar, preservar a memória. Importa enaltecer as referências que devem ser apreciadas no contexto em que evoluíram.

Provavelmente, por sermos um país ainda jovem, temos dificuldades em lidar com importantes acontecimentos da nossa história. Boa parte dos protagonistas estão vivos, felizmente, e isso dificulta o distanciamento necessário à objectividade.

Nestas circunstâncias muito dificilmente se consegue evitar que a avaliação seja influenciada ou contaminada por interesses, ideias, conceitos, ainda que legítimos, mas que não se coadunam com a apreensão cientifica dos processos.

Pessoalmente orgulho-me do meu passado. Engrandece-me o facto de ter contribuído, muito jovem e ainda que modestamente, para que o país fosse independente, para que o Estado pudesse ser construído e evoluir para um sistema democrático.

O facto de, como muitos de vós na guerrilha e na frente política, ter colocado os interesses do país acima de qualquer outro valor, envaidece-me, confesso.

Orgulho-me de pertencer a uma geração que, em plena juventude, soube resistir a todas as solicitações para se entregar de alma e coração à causa nacional, em sintonia com outros que, em outras frentes, lutavam pela independência do país.

A história é importante para ser conhecida e analisada com o objectivo de se extraírem ensinamentos que podem reduzir a margem de erro de quem quer compreender a vida e as dinâmicas sociais e não para ser julgada e muito menos reescrita ou adaptada. Por isso ela não deve ser encarada numa perspectiva meramente glorificadora ou instrumental.

Num contexto de grande complexidade e de desafios em diversas áreas todas as energias congregadoras devem ser estimuladas e aproveitadas.

A participação dos combatentes, com a sua experiência, juntamente com a energia dos mais jovens, é importante para canalizarmos todas as forças disponíveis para a construção de um Cabo Verdea cada vez mais livre e democrático, mais desenvolvido, mais justo, e capaz de oferecer iguai oportunidades a todos.

A realização, pela sétima vez, da Semana da República de 13 a 20 de Janeiro, procura ser uma mensagem nessa direcção, um apelo à unidade na diversidade, uma homenagem aos Heróis nacionais, reconhecidos ou não.

Honremos Amílcar Cabral

Honremos os Heróis Nacionais

Viva Cabo Verde

Muito obrigado