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S.E. o Presidente da República e a sua delegação foram recebidos, esta quinta-feira, 26, na Assembleia Nacional do Senegal, pelo seu presidente, Moustapha Niasse, onde proferiu discurso sobre a relação histórica e cultural entre os dois países.
Leia o discurso na Íntegra:

Excelências,

Ilustres Deputados, Minhas Senhoras e meus Senhores

É com muita honra, profunda alegria e incontida emoção que me dirijo aos nobres representantes do Povo irmão do Senegal nesta catedral da Democracia, nesta Casa que consubstancia um dos regimes democráticos mais sólidos do nosso continente.

Neste momento de marcante solenidade, gostaria, em primeiro lugar, de saudar, através dos seus legítimos representantes, o Povo irmão do Senegal, a quem transmito, em nome do Povo cabo-verdiano, uma mensagem de profundo reconhecimento pelo que, ao longo da história, tem sido para as mulheres e homens de Cabo Verde.

O Senegal, através dos tempos, tem representado para nós um verdadeiro Porto Seguro.

Constitui, ao lado da Guiné-Bissau, a nossa grande referência continental e um espaço de inestimável valor, ao acolher, ao longo dos tempos, milhares de cabo-verdianos em períodos de grandes dificuldades decorrentes das condições económicas, mas, também, um destino procurado como opção de vida, estudo e de trabalho, nos períodos de normalidade.

Defendem alguns investigadores que marinheiros senegaleses teriam aportado às nossas, então despovoadas, ilhas, mesmo antes de navegadores de outras paragens. Ainda que não seja possível atestar essa versão da história, sabemos que as nossas estreitas relações começaram a ser construídas, a partir do próprio nome de uma parcela do Senegal, o Cap Vert, e da participação de senegaleses no diversificado contingente humano que viria a integrar a matriz do povo cabo-verdiano.

Para além da geografia as relações humanas têm assumido uma importância ímpar nas relações entre os nossos países. A bem-sucedida emigração cabo-verdiana, iniciada no longínquo século XVIII, intensificou-se nos anos cinquenta do século passado.

Excelências,

Ilustres Deputados, Minhas Senhoras e meus Senhores

Essa relação foi durante muito tempo mantida por carreiras marítimas que regularmente ligavam os dois países, permitindo um intercâmbio relativamente intenso que, contudo, conheceria muito sérias limitações, impostas pelas autoridades coloniais, com o início dos movimentos independentistas das colónias portuguesas nos anos de 1960.

Por essa via essas autoridades procuravam evitar que os ventos libertários atingissem Cabo-Verde, como acontecera com o Senegal.

O Senegal foi, sempre, solidário com o movimento de libertação nacional. Apoiou essa luta permitindo o exercício de actividades políticas aos militantes do PAIGC que lideravam a luta de libertação nacional na Guiné e Cabo Verde.

Ainda que a base principal se situasse em Conacri, muitos dirigentes dessa organização politica exerciam actividades no país, mobilizando a comunidade cabo-verdiana para a causa.

Somos profundamente gratos pela solidariedade activa demonstrada durante o processo de libertação.

Excelências,

Como é do vosso conhecimento as condições em que Cabo-Verde chegou à independência foram particularmente difíceis.

Se a proverbial tenacidade do povo cabo-verdiano foi determinante para um jugo de muitos séculos ter fim, a solidariedade de países amigos foi fundamental para assegurar e consolidar a independência.

O apoio do Senegal foi de grande importância no plano político e na esfera de recursos humanos. Muitos quadros cabo-verdianos e senegaleses de origem cabo-verdiana formados no Senegal ajudaram a consolidar a independência em sectores-chave e um elevado número de cabo-verdianos passou a ingressar nas instituições de ensino senegalesas para se capacitaram nas mais diversas áreas, situação que, aliás, até hoje se mantém.

As nossas relações, consolidadas pela histórica visita oficial do Presidente Maky Sall e sua digníssima esposa a Cabo Verde e pela sua prestimosa participação na cerimónia de posse do meu segundo mandato presidencial, têm sido exemplares. Através de um relacionamento entre os Chefes de Estado, temperado por uma forte cordialidade, extravasam as fronteiras institucionais.

Excelências,

Para além desses esteios fundamentais os nossos países partilham valores essenciais para a África e para o mundo que são os da democracia, dos direitos humanos, da solidariedade e da justiça social.

Não será por acaso que Cabo-Verde e Senegal usufruem de estabilidade na nossa região, sacudida por turbulências militares e instabilidade política.

Em Cabo Verde procuramos, no dia-a-dia, consolidar a nossa vivência democrática, fazer da cultura da Constituição um modo de vida. Temos dado passos significativos nessa direcção, mas temos de reconhecer que há, ainda, um árduo e longo caminho a percorrer.

Contudo, as organizações políticas funcionam sem restrições, existe uma clara separação de poderes, as eleições democráticas, livres e regulares, com alternância política, têm sido a via natural de acesso ao poder, nos níveis central e autárquico. A imprensa é livre e a sociedade civil cada vez mais actuante.

Esses valores e princípios são o fundamento da nossa actividade política e permitem que, mesmo com dificuldades sociais, que por vezes adquirem alguma importância, respiremos um clima de estabilidade e de coesão social que se têm mostrado, aliás, um importante trunfo para o processo do nosso desenvolvimento económico e social.

Lamentavelmente, com raras exceções, de entre as quais se destaca, de forma muito clara, o Senegal, essa realidade não é extensiva a toda a nossa sub-região. Existem, ainda, situações em que as liberdades e garantias dos cidadãos não são respeitadas, a imprensa é muito condicionada, o funcionamento dos partidos bastante limitado e as eleições nem sempre são realizadas de forma democrática.

Com frequência essa situação é justificada por razões de segurança.

Na verdade, a segurança é, cada dia que passa, considerada um bem essencial. Ela deve ser preservada para que se possa usufruir dos benefícios do sistema democrático.

Ela é uma condição para o cabal exercício dos princípios democráticos. Jamais pode ser considerada uma contrapartida do regime democrático.

O dilema democracia ou segurança não tem qualquer razão de ser. Compete ao Estado garantir a segurança para que o regime democrático possa ser exercido na plenitude. O sacrifício dos princípios democráticos não pode ser o preço a pagar pela garantia da segurança.

Se é verdade que, em virtude dos grandes riscos decorrentes de fenómenos como o crime organizado à escala planetária, o terrorismo e diversos tipos de tráfico, são necessárias adaptações ou mesmo condicionamentos, temporários, a certas liberdades, essas limitações jamais devem atingir aspectos essenciais, definidores, do regime democrático. Há um núcleo essencial e irredutível de direitos fundamentais, conatural ao próprio Estado de direito, o seu fundamento incontornável.

A democracia não pode ser hipotecada como condição para que a segurança seja garantida. Esta só tem sentido se estiver a serviço do sistema democrático e do bem-estar das pessoas e das suas instituições. Ela não pode ser um valor absoluto que se sobrepõe a todos os outros, pelo contrario deve ser um instrumento a serviço da democracia.

Excelências. Minhas senhoras e meus Senhores,

Em Cabo -Verde as instituições funcionam na normalidade. Todos o reconhecem, dentro e fora do país.

Contudo, não ignoramos que temos grandes desafios pela frente que se prendem, não apenas com a necessidade do aprimoramento das instituições, que permitam o aprofundamento, o alargamento e o constante aprimoramento da nossa democracia, mas também com problemas específicos, como os relativos à segurança.

Não ignoramos que no mundo globalizado a insegurança deixou de ser um problema de índole local ou nacional para se transformar numa complexa questão que desconhece fronteiras mas, naturalmente, tem importantes reflexos a esses níveis.

Os seus agentes, com uma surpreendente rapidez, aproveitam-se das inevitáveis imperfeições dos nossos sistemas e, por vezes, da exploração, perversa, de suas potencialidades, para exercerem a sua pérfida actividade.

Os tráficos de drogas, de pessoas, de armas, a pirataria marítima e, sobretudo, o terrorismo, são formas relativamente novas de actuação criminosa transnacional que têm um elevado potencial de desestruturação e de corrosão das nossas instituições.

Os nossos países, as nossas instituições, necessitam não apenas de se defenderem, mas, também, de estarem preparados para dar a sua contribuição ao combate a esses fenómenos que, pela sua natureza, não podem ser enfrentados de forma isolada.

A solidariedade regional é fundamental para que esse processo tenha possibilidades de êxito. É facto que as nossas instituições regionais ligadas à defesa e segurança se têm esforçado, com o auxílio de países amigos, para enfrentar essa complexa realidade.

Entendo que esse esforço deve ser intensificado e que os nossos dois países, pelos valores que comungam e pela estabilidade de que gozam, podem contribuir para intensificar a cooperação nessa área vital para a nossa região.

Acredito que temos todas as condições para contribuir para que na nossa sub-região e no continente esses problemas sejam enfrentados sem pôr em causa os aspectos centrais da vivência e do o sistema democráticos.

Excelências,

Ilustres Deputados, Minhas Senhoras e meus Senhores

É com muita preocupação que encaramos as situações potenciais e reais de conflito armado na nossa sub-região na medida em que causam muito

sofrimento às pessoas e não lhes permite desenvolver as suas actividades quotidianas e, por isso, comprometem a sua justa ambição de ter uma vida feliz.

A criatividade dos nossos jovens e as grandes potencialidades existentes em diversos domínios dos nossos países ficam seriamente comprometidas quando não se consegue ter a estabilidade e tranquilidades necessárias a uma vida normal.

Os confrontos não permitem um funcionamento adequado das instituições, não contribuem para a sua consolidação e inevitavelmente conduzem ao enfraquecimento do Estado, tornando-o presa fácil de interesses ilegítimos, desvirtuando o seu papel de instrumento ao serviço da população e dos seus interesses.

Muitas vezes essa dinâmica aliada a conflitos políticos, nem sempre solucionados da melhor forma, conduzem a uma situação em que o Estado não consegue cumprir cabalmente as suas funções, o que provoca grande vulnerabilidade social e política.

A paz e a estabilidade são valores imprescindíveis que devem ser preservados a todo o custo e acreditamos, firmemente, que o Senegal e Cabo-Verde podem contribuir de forma decisiva para que sejam cada vez protegidas e promovidas na nossa sub-região.

Na oportunidade aproveito para muito efusivamente saudar o acordo a que chegaram as partes em conflito na Guiné-Bissau, no quadro da CEDEAO, e destacar o importantíssimo papel que o Presidente Maky Sall e o Senegal têm tido em todo o processo.

A nível bilateral, no âmbito da CEDEAO e da Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa, temos procurado dar a nossa modesta contribuição, em razão dos laços de história e profunda amizade que nos une à Guiné Bissau.

Nesses quadros a nossa disponibilidade pessoal e política para continuar, desde que solicitados, a apoiar na concretização e consolidação dos entendimentos estabelecidos, permanece total, pois estamos firmemente convencidos de que os nossos irmãos guineenses saberão aproveitar de forma

entusiástica esta grande oportunidade para definitivamente resolverem esse conflito.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

É evidente que todos os esforços de aprimoramento dos nossos sistemas democráticos, de preservação da paz e da segurança, de combate ao crime organizado à escala transnacional, têm por objetivo assegurar o bem-estar das nossas populações.

No fundo os níveis de efetivo exercício dos direitos, liberdades e garantias e o acesso das pessoas a condições de vida com um mínimo de dignidade, são os verdadeiros indicadores do desempenho dos titulares de cargos políticos e da adequação das políticas públicas promovidas pelo Estado, às necessidades e interesses dos cidadãos.

Neste quadro o desenvolvimento económico inclusivo assume importância muito relevante.

Sim, é preciso criar e distribuir, com equidade, os bens e serviços de que as pessoas necessitam. Esse é o caminho a percorrer para que os direitos sociais e culturais de parcelas significativas das nossas populações deixem de ser permanentemente adiados.

Num mundo cada vez mais globalizado e em que persistem acentuadas assimetrias regionais, a associação de países, mormente os considerados periféricos, assume, por vezes, contornos de imperativo de sobrevivência, muito especialmente para Estados arquipelágicos, com reduzidas dimensões territoriais e populacionais, como o nosso.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

De certo modo a compreensão da necessidade de ampliar espaços e horizontes foi assumida de forma espontânea pelo nosso povo, que muito cedo, devido a constrangimentos sociais, económicos e políticos se lançou pelo mundo, espalhando-se pelos seus quatro cantos, mas mantendo fortes laços culturais

e económicos com Cabo-Verde como que se antecipando a uma globalização que se revelaria irreversível.

Diria que a associação com diferentes povos e países, para além de uma imperiosa necessidade, metamorfoseou-se num elemento fundamental da nossa cultura, que a reflecte em permanência.

Ao longo da história temos sido impelidos a estabelecer com gente de diversas latitudes as relações mais estreitas possíveis. Tem sido essa a nossa sina, o nosso destino assumido, mas igualmente a nossa inestimável riqueza.

Se olharmos à nossa volta damos conta de um dos casos, de grande sucesso, de uma integração quase perfeita.

Milhares de cabo-verdianos e de senegaleses de origem cabo-verdiana constroem no dia a dia este lindíssimo e acolhedor país.

Uma extensão da cultura cabo-verdiana com expressivas matizes senegalesas cresce e floresce no país do Teranga.

Muito obrigado (DIEREDIEUF) ao povo senegalês (AWA SENEGAL)

Minhas

A nossa decisão de reforçar as relações económicas e comerciais com o Senegal enquadra-se nessa perspectiva ampla relacional e cultural que procura maximizar as estreitas relações humanas e históricas com o nosso vizinho mais próximo de onde, fazendo o caminho inverso dos cabo-verdianos, chegam milhares de senegaleses.

Com muito trabalho, abnegação e criatividade, ajudam-nos a edificar um país cada mais democrático, desenvolvido e plural, mais rico cultural e economicamente.

A integração não tem sido isenta de algumas dificuldades, reconhecemos. Temos de admitir que há muito a aprender. Continuaremos a estimular o Executivo a acelerar o processo em curso.

Na qualidade de Chefe de Estado continuarei, nos limites prescritos pela Constituição, a apoiar, pessoalmente, o Executivo de Cabo Verde nos esforços que têm em vista o estreitamento das relações económicas e culturais entre

os dois países, muito particularmente, os conducentes ao estabelecimento de vias marítimas e aéreas regulares, bem como no reforço do intercâmbio cultural e desportivo.

No seio da CEDEAO, continuarei a estimular o nosso Governo a prosseguir, sem desfalecimentos, na senda de uma participação activa na construção da integração africana, com vista a uma democratização efectiva e ao reforço da eficácia da nossa organização regional e, por seu intermédio, à promoção dos valores democráticos no nosso continente.

Insistiremos na intensificação da intervenção da nossa organização no sentido de contribuir para prevenir e para encontrar caminhos para resolver conflitos violentos ou de natureza política com potencial de violência.

Naturalmente, continuaremos a conceder a maior importância ao desenvolvimento sócio económico da nossa sub-região, objectivo crucial da nossa organização, visto que sem esse desenvolvimento o bem-estar dos nossos povos fica seriamente comprometido.

À juventude e à equidade e igualdade de género, e aos candentes problemas ambientais, continuaremos a conceder a maior atenção.

Todas estas questões serão tratadas num quadro de solidariedade regional, que, também, deverá ser traduzida em medidas de política que se destinam a contemplar as especificidades e particulares vulnerabilidades de Estados insulares como Cabo Verde.

Nesta empreitada contamos com a habitual solidariedade do Senegal e a cumplicidade do meu irmão e amigo Maky Sall.

Excelências,

Agradeço mais uma vez a honra que foi concedida ao Povo Cabo-verdiano de, por meu intermédio, dirigir-se, através de vossas excelências, ao Povo irmão do Senegal, bem como o fraterno e caloroso acolhimento que me tem sido reservado, muito especialmente, por Sua Excelência e Caro Irmão o Presidente Maky Sall.

DIEREDIEUF

Muito obrigado