DISCURSO PROFERIDO POR S.E. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, POR OCASIÃO DAS COMEMORAÇÕES DO DIA MUNDIAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA

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Começo por agradecer à AJOC e ao seu Presidente, Dr. Jeremias Furtado, pelo convite para presidir a esta cerimónia evocativa do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Para mim é motivo de prazer associar-me a este evento, pois, trata-se de uma oportunidade para refletirmos sobre assuntos relacionados com a Liberdade de Imprensa, por isso, sempre atual e pertinente.

Permitam-me que em maio – mês por excelência da Liberdade de Imprensa – também fale de abril. Com efeito, uma das maiores conquistas, para a Liberdade de Imprensa, em Cabo Verde, e não só, aconteceu em abril, e há cinquenta anos. Como é evidente, refiro-me ao histórico 25 de Abril de 1974, que pôs termo à censura e abriu as portas à liberdade de expressão, permitindo discussão e a afirmação de outras liberdades, civis, políticas, económicas e sociais.

Até aí, reinava o policiamento das ideias e do pensamento, e o exercício de jornalismo não se revelava tarefa fácil, sendo necessário muito jogo de cintura, coragem e espírito de sacrifício, para driblar a censura. Foi nessas condições adversas que muitos jornais resistiram, durante mais ou menos tempo. Hoje, é dever de todos, defender a liberdade, pois, só se pode exercer o jornalismo autêntico em liberdade.

A situação atual, felizmente, é de liberdade e democracia, o que muito nos orgulha. E não pode existir uma sem outra. Ambas precisam de ser aprimoradas e defendidas, como é natural, pelo que, cabe-nos trabalhar nesse sentido, cumprindo a Constituição da República: “É assegurada a liberdade e a independência dos meios de comunicação social relativamente ao poder político e económico e a sua não sujeição a censura de qualquer espécie.” Com sentido de responsabilidade, e tendo a ética e a deontologia, como é próprio da profissão, há que fazer prevalecer o pluralismo de opinião, a objetividade, a diversidade e a imparcialidade.

Porém, nos tempos que correm, fica um aviso à navegação: tanto a Liberdade de Imprensa, como a democracia, estão sob ameaça. A nível global. E quanto mais débeis forem as instituições, maiores serão os riscos. Principalmente com o advento das redes sociais, contribuindo sobremaneira para a fragilização dessas instituições, pondo em cheque os meios tradicionais de intermediação, como sendo os sindicatos, as igrejas, as universidades, os órgãos de comunicação social.

Assistimos, com muita preocupação, a situações limite, de extrema violência, que acontecem em palcos de guerra, onde como é sabido, a primeira vítima é sempre a verdade. Se não bastasse o condicionamento do trabalho dos jornalistas, este smensageiros se tornaram, também eles, alvo da destruição humana em curso, contabilizando já dezenas de mortos entre os profissionais de imprensa. Aproveito esta oportunidade para expressar toda a minha solidariedade à vossa classe, pelos jornalistas que, ultimamente, têm sofrido ameaças, prisões, desaparecimentos ou assassinatos, como é o caso em pauta.

Em Cabo Verde, felizmente, o clima é muito mais pacífico, os jornalistas são respeitados, e o seu trabalho é bem avaliado. No entanto, hoje registamos algumas situações que inquietam, nomeadamente a circulação de Fake News.

Para benefício de todos, desafio sociedade civil e jornalistas, a encetarem um combate conjunto a esta praga que persiste em perturbar o nosso convívio. A facilidade de acesso direto a plataformas permite a veiculação de conteúdos, com um viés individual e egoísta, que não forma a opinião pública, mas massifica o Fake News, à mistura com discurso do ódio e a propagação de outros não valores. Temos que apostar cada vez mais na qualidade do jornalismo que é feito para que as “não notícias” não atropelem as notícias, estas baseadas em factos.

Face a uma sociedade cada vez mais complexa e diversificada, defendo uma maior

especialização dos profissionais da Comunicação Social, para terem melhor domínio de questões específicas, como por exemplo, os efeitos das mudanças climáticas, o que facultaria maior conhecimento para tratar o tema proposto para este Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, que é a crise ambiental. Neste âmbito, poderíamos estar a falar de outros temas, como turismo, economia, criminalidade organizada, saúde, desporto, imigração, política e políticas.

Da mesma forma, deixo o repto a que se faça mais jornalismo de investigação, mesmo admitindo as dificuldades que possam aparecer pelo caminho. É o caso de muitos crimes que poderiam ser solucionados por esta via, através de uma investigação meticulosa e verificação aturada dos factos. E alguns rumores, quem sabe, seriam dissipados, como é o caso sempre recorrente das acusações de “compra de votos”, que se repetem sempre que ocorrem eleições. Para que esta empreitada fosse bem-sucedida, seria sempre desejável a organização das redações, por editorias, conferindo maior profundidade no tratamento das informações.  

Sempre que possível, e onde ainda isso não acontece, os jornalistas deveriam eleger o conselho de redação, pelas vantagens daí advenientes. Há que tudo fazer para reforçar a afirmação da Comunicação Social, contribuindo também para fortalecer a sua autonomia, proporcionando melhores condições, especialmente aos órgãos privados, que, num mercado pequeno como o nosso, enfrentam os maiores desafios. Estou convencido de que estes e outros assuntos que concorrem para um melhor

desempenho da classe, merecerão a atenção do Painel “O jornalismo em Cabo Verde.

Onde estamos e para onde vamos?”

Envidemos todos os esforços para que tenhamos uma informação livre e plural, de modo a que os cidadãos estejam elucidados sobre as grandes questões da atualidade, tendo a mediação esclarecida da Comunicação Social. Assim estaremos a contribuir para a consolidação do Estado de Direito Democrático, que tem como sustentáculo a Liberdade de Expressão e a Liberdade de Imprensa, coadjuvantes principais na tarefa da boa governação.

Congratulo-me com o facto de o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa deste ano ser dedicado à importância do jornalismo e da liberdade de expressão no contexto da atual crise ambiental global. Quando a UNESCO fala numa tripla crise planetária mundial, é oportuno chamar especial atenção para o papel dos órgãos tradicionais no combate à desinformação ou informação incorreta em torno da crise climática.

Como Patrono da Década dos Oceanos e Champion para a Preservação do Património Natural, expresso a minha satisfação por ver este assunto a ser tratado com tamanha relevância. Se a causa ambiental é um problema de todos, a imprensa também diz respeito a todos.

Assim, lanço um desafio aos profissionais de imprensa e aos Órgãos de Comunicação Social, para que abracem esta causa e, com pedagogia, façam com que os cidadãos sejam mais bem informados e estejam capacitados a tomar decisões de forma mais consciente e amiga do ambiente.

Se a primeira missão do jornalista é informar, nem por isso ela deixa de ser educativa e formativa. A imprensa tem um papel importante na construção de uma sociedade mais justa, igualitária, inclusiva, pacífica, com senso de justiça, que preze os valores como a paz, o respeito, a verdade e a honestidade. Também deve fazer aquilo que eu chamaria de informação para a cidadania, mediando, explicando e interpretando. E como o Papa Francisco, que apela os fiéis a irem à periferia, ao encontro do outro, a mesma atitude se espera dos jornalistas. Que o seu trabalho seja mais próximo das populações, trazendo para a atualidade os problemas das pessoas.

Lanço o desafio de os jornalistas serem mais ousados e atuantes, assumindo efetivamente o papel de intermediação entre o Estado e a Sociedade, que sejam cada vez mais, os olhos e os ouvidos da sociedade, sem medo, sem autocensura, garantindo transparência e accountability na governança a todos os níveis e instituições.

Nos próximos meses os cabo-verdianos serão chamados a escolher, nas urnas, os seus representantes a nível dos municípios. Em ocasiões semelhantes, o contributo dos Órgãos de Comunicação Social tem sido positivo para um bom desfecho dos pleitos, mas haverá sempre espaço para aprimoramento e aperfeiçoamento. Os jornalistas devem prosseguir participando na formação de uma opinião pública autónoma e esclarecida, para que os cidadãos possam exercer da melhor maneira os seus direitos cívicos e as escolhas sejam feitas da melhor forma possível.

As notícias de hoje dizem-nos que Cabo Verde desceu 8 posições no ranking da Liberdade de Imprensa e que esta classificação sirva de estímulo para reflexão sobre as nossas responsabilidades enquanto Estado, órgãos de comunicação social, jornalistas, sociedade civil, cidadãos. A defesa da liberdade de expressão, máxime da liberdade de imprensa, deve ser uma responsabilidade de todos.

Com ambição, profissionalismo, rigor e excelência podemos fazer muito mais e melhor. Juntos podemos melhorar a discussão pública entre nós. Podemos discordar com argumentos, educação e elegância e dessa forma reforçar as liberdades e a democracia.

Termino desejando um bom trabalho a todos e votos de que continuem a contribuir para que a nossa Comunicação Social seja cada vez melhor.

Declaro aberto o programa comemorativo do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

Muito obrigado!