O tema do Dia Mundial do Património Africano, que trata este ano da Educação e do Património, volta a colocar no centro da reflexão as políticas educativas, o lugar a reservar para um melhor conhecimento do nosso ambiente e da nossa memória coletiva, e as políticas para a sua preservação. A educação desempenha um papel crucial no desenvolvimento de um país em vários níveis. No entanto, os grandes desafios para o futuro dos sistemas educativos em África são, sem dúvida, a coesão social das sociedades, o desenvolvimento coletivo das comunidades, mas também, e sobretudo, o desenvolvimento dos alunos.
A reflexão sobre esse tema deve possibilitar a aproximação de dois mundos que convivem no cotidiano, que às vezes, discretamente, se encontram, mas não se frequentam o suficiente: a educação formal, que tem o seu modo de transmissão por meio das escolas, professores, livros, e a educação informal, que transmite conhecimentos tradicionais de geração em geração por meio da observação, a prática de gestos por vezes milenares e a produção de bens necessários à preservação do conhecimento endógeno do Continente.
No quadro da Educação e do Património, o ensino formal permite que os alunos compreendam melhor as suas histórias, as suas culturas, os seus diferentes tipos de paisagens naturais e as suas identidades. As visitas a sítios históricos e arqueológicos, a museus, a galerias de arte, os passeios ao ar livre ou nas florestas são experiências que aproximam os visitantes dos seus patrimónios e os ajudam a compreender melhor os seus próprios contextos culturais, contribuindo para a sua preservação e valorização.
A transmissão dos conhecimentos endógenos baseia-se essencialmente nos valores culturais das comunidades locais e permite que os alunos desenvolvam uma compreensão da sua própria história, tradições culturais, ambiente natural, e dos sistemas de valores comunitários. O seu modo de transmissão é principalmente nas línguas locais, e os professores são os guardiões da memória em todos os domínios essenciais para o bom funcionamento da comunidade. Este modo promove, acima de tudo, o desenvolvimento da identidade pessoal, social, e cultural, contribuindo assim para um sentimento de interconexão e respeito pela diversidade.
Os rituais sagrados, os cantos e as danças tradicionais, as artes culinárias, a farmacopeia, a tecelagem e a arte vestuária, o artesanato, são áreas de manifestação de conhecimentos endógenos transmitidos de geração em geração. Estou também a pensar, neste preciso momento, nos contos tradicionais, que levaram à produção de vários livros e à criação de várias peças de teatro, que contribuíram para a formação do homem na vida comunitária e com respeito pelas regras no espaço público. O conto africano, formador do homem, corre o risco de desaparecer tanto nas nossas casas quanto nas escolas. Seria importante que fossem tomadas medidas para a sua reintrodução nas nossas sociedades.
A complementaridade entre a Educação e o Património, nos seus modos de transmissão, formal ou informal, é visível por meio de múltiplos exemplos. No Mali, em 2012, 14 dos 16 mausoléus do sítio histórico de Tombuctu foram destruídos durante distúrbios civis. Graças à mobilização organizada pelo Governo do Mali, com o apoio da UNESCO e da cooperação internacional, das agências de segurança da ONU e seus parceiros, todos esses edifícios históricos foram reconstruídos por uma corporação local de pedreiros tradicionais, com a ajuda de vários arquitetos e engenheiros de vários países.
Na minha declaração de felicitações aos Estados Africanos, na sequência da 45.ª Sessão do Comité do Património Mundial, em setembro de 2023, quis destacar o resultado da excelente colaboração que levou à retirada dos túmulos dos reis Buganda em Kasubi (Uganda) da Lista do Património Mundial em Perigo, destruídos por um incêndio em junho de 2020. A retirada segue-se ao sucesso do trabalho de restauro levado a cabo pelas autoridades ugandesas, pelos técnicos e especialistas em património, e do saber-fazer, da habilidade e contribuição das comunidades locais, com o apoio ativo da UNESCO, numa parceria exemplar com o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) e o Fundo Africano do Património Mundial (AWHF).
Fora do continente, podemos também destacar o trabalho em curso da Catedral de Notre-Dame de Paris, em França, onde, para a sua reabilitação, muitos artesãos tradicionais de trabalho da madeira, pedra, ferro, cerâmica, vidro, quase desaparecidos, trabalham em harmonia com tecnologias de ponta de última geração como, por exemplo, na volumetria e análise de origem e a resistividade dos vários componentes históricos do edifício.
A Educação e o Património são dois elementos de uma mesma entidade: o desenvolvimento económico dos nossos países. Uma mão de obra bem-educada e qualificada, formal ou informal, é crucial para o crescimento económico, proporcionando o acesso a empregos qualificados e, acima de tudo, aumentando a produtividade e a inovação.
Quando os cidadãos estiverem mais bem informados sobre o seu ambiente histórico e cultural, bem-educados nas normas cívicas e nas regras costumeiras para o melhor viver em sociedade, estarão mais aptos a dar um melhor contributo para a vida democrática, a trabalhar para ajudar a reforçar a coesão social, promover a tolerância e reduzir as tensões sociais.
A educação para o património pode sensibilizar as pessoas para as questões ambientais e incentivá-las a adotar comportamentos mais sustentáveis. Uma população que se beneficia de uma educação formal ou informal tem maior probabilidade de estar envolvida na proteção do meio ambiente para o bem-estar das gerações futuras.
Por fim, a economia do turismo, seja ela natural ou cultural, é um fator importante na criação de riqueza nacional e é o elo da educação ao património. Um melhor conhecimento do nosso ambiente, da nossa fauna e flora, seja terrestre ou aquático, pode estimular diversas formas de visitas além das caminhadas na natureza, trekking e visitas às praias. O turismo cultural, além de visitas a locais históricos, museus e mercados de artesanato, uma partilha dos conhecimentos sobre a arte culinária, as tradições locais de vestuário, as músicas, danças e farmacopeia podem ser temas de interesse tanto para quem é estranho a uma comunidade quanto para quem a ele pertence.
Durante este dia, em vários países, mulheres e homens, investigadores e especialistas qualificados, irão debruçar-se sobre o tema da educação o e do património. Os alunos, os curiosos, mas também as mulheres e os homens interessados ou preocupados com a educação e o património vão continuar a interrogar-se sobre o futuro.
Gostaria de levar ao conhecimento dos meus pares africanos as orientações que, sem dúvida, emergiram das ricas contribuições do nosso Dia Mundial do Património Africano.
Desejo a todos um bom dia.
Viva o Património Natural e Cultural da África.
José Maria Pereira Neves
Presidente da República de Cabo Verde,
Champion para a Preservação do Património Natural e Cultural de África