Discurso de Sua Excelência Presidente da República, Dr. José Maria Neves, no Encerramento III Edição Leadership Summit Cabo Verde 2025

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Ilustres Convidados,

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Foi com muito gosto que respondi positivamente a esta incitação para, de novo, estar e compartilhar convosco pontos de vista sobre um tema tão candente.

Agradeço, pois, por este honroso convite e por esta oportunidade. As minhas felicitações pelo acerto de terem escolhido falar sobre Liderança Estratégica, Confiança, Conexão e Transformação. Dou os parabéns aos promotores, igualmente, pelo simbolismo da escolha do local para a realização deste evento, bem como, pela relevância dos oradores convidados, tanto nacionais como estrangeiros, que decerto enriqueceram este encontro com as suas comunicações.

A questão da liderança reveste-se de importância capital, nos tempos que correm, face aos desafios persistentes, mais do que nunca. O mundo mudou, as pessoas mudaram. O tempo corre de forma vertiginosa, assim como o prazo para as decisões e para a sua execução, pois que o ritmo é outro. O mesmo pode ser dito em relação à dimensão espaço, que também mudou. Para cada tempo, para cada circunstância, lideranças adequadas, quando a única certeza que se tem é de que tudo está a transformar-se rápida e densamente.

Vive-se num mundo disruptivo, caótico e inédito.  Um mundo complexo e imprevisível, onde a confiança nas lideranças e nas instituições vem sofrendo erosões sem precedentes. Consensos recentes estão a ser postos em causa. Veja-se, para exemplo, as relações comerciais. Os entendimentos apontavam para o livre comércio, com base na competitividade dos países.  De repente, somos colocados perante medidas protecionistas e inéditas, pondo em crise a confiança dos Estados, das empresas, dos investidores e das pessoas, a governança de organismos multilaterais, de países e de empresas, a eficácia de acordos recentes e o livre comércio. Estamos mesmo a perguntar em que páginas de manuais e sebentas de cursos que recentemente fizemos os conceitos estão errados ou ultrapassados.

Com efeito, é uma visão do mundo que está em disputa. O ambiente político que conhecíamos desapareceu, e nem os susessivos terramotos eleitorais já causam surpresa. Os extremismos e o populismo andam à solta, apresentando propostas simplistas, tóxicas e radicais, para problemas muito complexos. Pelos vistos, e não raras vezes, muita gente tem caído nesse engodo, que oferece respostas extremamente simplistas, resultando num relativo sucesso eleitoral, num primeiro momento. Depois, advém o reinado das tiranias, das malfeitorias e do absurdo. A democracia está a resvalar-se para o que muitos já chamam de autoritarismo competitivo.

Neste contexto, as lideranças têm que ajustar-se ao nível de complexidade do mundo atual e aos processos transformacionais em curso. Precisamos de lideranças e de sistemas organizacionais inteligentes, em todos os domínios e a todos os níveis, com capacidades para ler os diferentes cenários e os germens das mudanças e tomar decisões com largueza para serem reconstituídas a todo o tempo. Cada vez mais exige-se das lideranças capacidades cognitivas, analíticas, criativas e inovativas.

Numa nação arquipelágica tal que a nossa, em que o distanciamento geográfico entre ilhas se traduz não apenas em elevados custos de infraestruturação e logísticos, mas também em diferenças culturais, económicas e sociais, as lideranças assumem um papel fulcral na promoção da coesão, da inclusão e da inovação.

Vivemos num mundo caraterizado por volatilidade, incertezas, complexidades e ambiguidades e o contexto nacional não foge a esta realidade global.

Questões como as alterações climáticas, a seca, a escassez de recursos hídricos, a desertificação, a vulnerabilidade e sensibilidade a choques externos e as fragilidades inerentes às economias de pequena escala impõem aos líderes nacionais propósitos claros, visão e estratégias. Não basta reagir a cada crise à medida que ela surge; é necessário antecipar tendências, mapear riscos e desenhar cenários que integrem tanto os melhores resultados como as piores contingências. Só assim poderemos garantir que as decisões tomadas não se revelem prejudiciais no futuro e que o desenvolvimento seja, de facto, sustentável.

A intermitência na mobilidade entre ilhas, as disparidades no acesso à energia e à água e as fragilidades das infraestruturas de transportes e comunicações criam barreiras que teimam em perpetuar dessimetrias regionais. No que toca à conexão física, fundamental para um país-arquipélago, infelizmente temos desconseguido entregar o que seria necessário para conectar as ilhas e potenciar mais desenvolvimento, principalmente, nas chamadas periferias.

Em Cabo Verde, temos de colocar no centro das atenções a equidade territorial, criando mecanismos de governança multinível capazes de articular o governo central, as autarquias locais e as comunidades, com vista a uma distribuição justa de investimentos e serviços. É imprescindível capacitar as autoridades locais para que possam responder com agilidade às necessidades específicas de cada ilha, promovendo soluções tecnológicas de telecomunicações, energias renováveis e transportes que superem o isolamento físico e abram portas à economia digital e ao turismo sustentável.

A conexão digital assume uma relevância capital. A transformação digital, aliada à literacia tecnológica, representa hoje um dos maiores vetores de emancipação para as comunidades. Embora a utilização da Internet e de plataformas digitais tenha crescido de forma significativa, ainda subsiste um fosso que exclui parcela considerável da população, sobretudo em zonas mais remotas.

É relevante apostar na construção de ecossistemas digitais inclusivos: isso significa investir não apenas em infraestruturas de banda larga e em centros de formação, mas também na criação de conteúdos locais, tanto em caboverdiano como em português, que façam sentido para a nossa realidade e fomentem o empreendedorismo digital.

Paralelamente, a juventude cabo-verdiana – que constitui quase metade da população – enfrenta elevados índices de desemprego juvenil, baixos salários e um desajuste entre as competências adquiridas nos cursos de formação e as necessidades reais do mercado de trabalho. A saída massiva de jovens do país exige estudos sobre o seu impacto no mercado de trabalho, na competitividade das empresas e da economia nacional, bem como na academia e na sociedade em geral, de modo a serem tomadas medidas de política pertinentes.

Outro desafio incontornável prende-se com a gestão sustentável dos recursos naturais num contexto de vulnerabilidade climática. A subida do nível do mar, a salinização dos aquíferos e a intensificação de eventos meteorológicos extremos colocam em risco a segurança alimentar, a infraestrutura costeira e o abastecimento de água.

A transparência, a accountability, a compliance e a responsabilidade são pilares indispensáveis da boa governança. Numa sociedade onde as instituições públicas ainda enfrentam perceções de ineficácia e opacidade, a formação de um governo aberto, assente na prestação de contas e na participação cidadã, é essencial para fortalecer o pacto social.

Que esta Leadership Summit, ao debater os desafios e oportunidades que delineamos, seja um fermento para a formação de líderes ousados, inovadores e comprometidos, capazes de captar o núcleo essencial dos reptos em cada momento e de catalisar a formação de entregas que respondam aos mesmos.

Vamos comemorar os 50 anos de Independência. Os ganhos são evidentes na educação, na saúde, nas infraestruturas e nas instituições. Somos um Estado de Direito Democrático vigoroso, um país de rendimento médio, um poder local vibrante, uma imprensa livre, uma sociedade civil que se vai substanciando. O progresso social e económico é evidente. Todavia, os últimos dados sobre o desenvolvimento humano mostram que estamos a desacelerar o passo. Na verdade, se conseguimos fazer razoavelmente bem o que tínhamos que fazer nos últimos 50 anos, é tempo de profundas transformações na forma como fazemos política e formamos e executamos políticas. Precisamos, como de pão para a boca, de mais sofisticação nos processos decisórios, mais eficiência na execução e mais eficácia nos resultados. Temos de aumentar a confiança mútua entre os principais atores políticos, construir pontes e entendimentos sobre o essencial, acelerar o passo, fazendo o fine tuning das reivindicações e demandas dos cidadãos e da sociedade civil e das políticas públicas respondentes.  Temos de fazer reformas estruturais e transformar as vantagens comparativas – localização geoestratégica, condição arquipelágica, beleza paisagística, economias criativas, mar, sol e vento – em fontes de vantagens competitivas, e mobilizar o soft power das ilhas – cultura crioula, liberdades, democracia, estado de direito, estabilidade, segurança, boa governação -, para cumprir efetivamente Cabo Verde.

Com as bases já criadas, temos todas as condições para dar o salto. Com lideranças visionárias, estrategas, que geram confiança, criam conexões e catalisam dinámicas transformacionais poderemos criar capacidades para imaginar e construir, nos próximos anos, um Cabo Verde moderno, próspero, justo e com oportunidades.  

Que esta cimeira seja o ponto de partida para uma geração de líderes comprometidos com o bem-comum e com o progresso sustentável de cada ilha, comunidade e cidadão.

Muito obrigado a todos pela participação e pelo empenho contínuo.