Digníssimos Senhores Juízes do Tribunal da CEDEAO,
Excelentíssimos Representantes de Organizações Internacionais,
Distintas Autoridades,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Ao abrirmos hoje o Ano Judicial do Tribunal da CEDEAO, erguemo-nos sob a bandeira da Justiça, essa força intangível que sustém a ordem do mundo e dá sentido à vida coletiva das nações. Este momento não é apenas uma formalidade institucional: é a proclamação de que a nossa Comunidade acredita que o Direito é mais forte do que a força, e que a esperança dos povos se edifica na solidez da lei.
Permitam-me, antes de prosseguir, expressar a satisfação de me encontrar nesta Casa da Justiça comunitária. Quero, igualmente, endereçar ao Honorável Presidente do Tribunal da CEDEAO o meu agradecimento pelo convite que me foi dirigido, bem como manifestar gratidão às autoridades da República Federal da Nigéria pela hospitalidade calorosa e pela generosidade do acolhimento.
Cumpre-me também saudar os esforços deste Tribunal na nobre missão de dar corpo ao seu mandato. É justo felicitar o ilustre Colégio de Juízes pela excelência da jurisprudência construída, verdadeiro património jurídico da nossa Comunidade. Quero ainda sublinhar o apreço pelo espírito de inovação que tem pautado o vosso labor, sobretudo na ampliação do acesso dos cidadãos à justiça comunitária, transformando-os em protagonistas efetivos do espaço jurídico da CEDEAO.
Cabo Verde, enquanto Estado insular e membro desta Comunidade, reafirma o seu apego ao ideal de integração regional, bem como a firme determinação em prosseguir iniciativas que reforcem a justiça comunitária, pedra angular da nossa coesão e da nossa identidade partilhada. Reitero, igualmente, a minha disponibilidade para, junto dos meus pares, ser porta-voz dos anseios deste Tribunal, certo de que apenas numa ação concertada e solidária poderemos enfrentar com êxito os desafios da integração e da justiça comunitária.
Vivemos numa era em que a ordem internacional, outrora sustentada por consensos mínimos de convivência pacífica, se encontra profundamente abalada. O sistema multilateral revela-se fragilizado perante conflitos persistentes, tensões latentes e a afirmação da lei do mais forte. Multiplicam-se ações unilaterais, violações do direito internacional e ameaças à integridade territorial dos Estados. Neste quadro caótico, turbulento e imprevisível, a África não pode resignar-se ao papel de mera expectadora.
O nosso continente deve afirmar-se como ator político de pleno direito, capaz de influenciar as agendas globais e de projetar a sua voz no concerto das nações. Para tanto, urge reforçar a base económica, investir no dinamismo da juventude, mobilizar o potencial inesgotável da diáspora e valorizar, de forma sustentável, os recursos humanos e naturais. Mas, sobretudo, precisamos de instituições à altura das ambições africanas: sólidas, inclusivas, respeitadas e visionárias.
A União Africana necessita de reforma, e as organizações sub-regionais devem assumir o protagonismo de um rejuvenescimento profundo. Esse esforço exige uma nova divisão de tarefas num sistema de governação multinível, que articule, de forma eficaz, a União Africana, as organizações sub-regionais e os Estados. Só assim poderemos evitar sobreposições, corrigir fragilidades e potenciar complementaridades.
Isto implica também repensar a missão da nossa organização sub-regional, rediscutindo o seu papel face a desafios conjunturais como a segurança, a prevenção de conflitos, a paz e a integração económica ao serviço do desenvolvimento regional. Importa ainda explorar formas de cooperação com países que, por circunstâncias diversas, se afastaram da nossa Comunidade, sempre que a reintegração não seja possível. Tal cooperação pode trazer ganhos mútuos e reforçar a coesão do espaço regional.
A CEDEAO deve reafirmar a sua vocação originária, adaptando-a aos imperativos da atualidade: motor de integração económica e social, garante de paz e segurança, instrumento eficaz de desenvolvimento partilhado. A sua governação deve ser continuamente aperfeiçoada, clarificando responsabilidades, aprimorando mecanismos de decisão e fortalecendo o papel de cada Estado-membro. Cada país deve comprometer-se com a sua inserção competitiva no espaço comunitário: dar o melhor de si e receber, em contrapartida, o melhor que a organização tem para oferecer.
Todos os Estados, grandes ou pequenos, continentais ou insulares, devem participar em condições de igualdade. O artigo 68.º do Tratado Revisto da CEDEAO reconhece as especificidades dos Estados insulares e sem litoral e prevê para eles tratamento diferenciado e apoios adequados. É imperioso que tal princípio seja plenamente aplicado, transformando a vulnerabilidade das chamadas “joias ultraperiféricas” em singularidade estratégica e em contributo efetivo para a riqueza da Comunidade.
No âmago deste projeto encontra-se o Tribunal da CEDEAO. Esta instituição não é apenas mais um órgão da arquitetura comunitária: é o garante da legalidade, o árbitro imparcial das disputas, o guardião dos direitos fundamentais dos cidadãos, o esteio da credibilidade da Comunidade. Num continente ainda marcado por litígios fronteiriços, por fragilidades institucionais e por tensões recorrentes, a existência de um Tribunal comunitário independente e respeitado é um triunfo civilizacional que devemos preservar e enaltecer.
É neste Tribunal que os cidadãos encontram proteção contra arbitrariedades. É aqui que os Estados dispõem de um foro equitativo para resolver as suas divergências. É aqui que se concretiza, de forma pioneira no espaço africano, o acesso direto dos cidadãos a uma instância supranacional. Esse acesso constitui uma das maiores conquistas da integração comunitária, porque aproxima a justiça das pessoas e transforma em realidade concreta os ganhos da integração.
O tema que hoje nos convoca fala precisamente em expandir esse acesso. Expandir significa derrubar barreiras geográficas, sociais e económicas. Significa garantir que todos os cidadãos da CEDEAO, independentemente da sua condição, possam ver no Tribunal uma instância real de proteção, um recurso efetivo, um instrumento de dignidade. Significa reforçar a confiança dos povos nas instituições e consolidar os alicerces da democracia.
Este tema desafia-nos igualmente a enfrentar os problemas contemporâneos. Persistem focos de insegurança na nossa Comunidade. Conflitos armados fragilizam o nosso tecido social e económico. Instituições democráticas continuam vulneráveis a tentações autoritárias. As desigualdades estruturais alimentam frustrações coletivas. A pressão migratória e as alterações climáticas, que atingem de forma particular os pequenos Estados insulares, exigem respostas firmes. Em paralelo, enfrentamos a tentação do isolamento nacionalista e a ingerência de agendas externas que testam a nossa coesão.
Perante tais desafios, o Tribunal da CEDEAO deve afirmar-se não apenas como árbitro jurídico, mas como catalisador de uma nova cultura política: de legalidade, de transparência e de responsabilidade; de respeito pelo direito internacional e pelo multilateralismo; de democracia enraizada, de instituições credíveis e de confiança entre Estados e cidadãos.
Mas permitam-me alargar a visão. O que aqui afirmamos não diz respeito apenas à nossa Comunidade. A justiça comunitária deve inspirar toda a África na construção de uma ordem assente na legalidade, na democracia e na paz. África não será respeitada no mundo enquanto não fizer respeitar o Direito dentro de si mesma.
É também aos jovens da nossa Comunidade e à nossa diáspora, espalhada pelos quatro cantos do mundo, que cabe a missão de corporizar este futuro. São eles os guardiões do amanhã, que não podem ser reféns das divisões e fragilidades do presente. A integração e a justiça devem ser-lhes apresentadas não como abstrações jurídicas, mas como vias concretas de dignidade, oportunidade e progresso.
A CEDEAO deve ser mais do que uma arquitetura institucional: deve ser um projeto civilizacional, que demonstre ao mundo que África é capaz de se organizar segundo os princípios da dignidade, da solidariedade e da justiça. Essa é a herança dos mestres da nossa libertação — de Nkrumah a Senghor, de Amílcar Cabral a Nelson Mandela — e é a responsabilidade histórica que recai sobre nós. O futuro de África não será ditado pelo caos do presente, mas pela visão que hoje formos capazes de erguer.
Ao inaugurarmos este novo Ano Judicial da CEDEAO, celebramos mais do que a abertura de um calendário jurisdicional. Renovamos a esperança no futuro e a confiança nas nossas próprias capacidades. Reafirmamos a convicção de que só com democracia, Estado de direito e instituições robustas poderemos construir uma CEDEAO respeitada e influente no mundo.
Que este Tribunal continue a ser farol de justiça e de democracia, iluminando o caminho da legalidade, da confiança e da esperança. Que prossiga na defesa intransigente dos direitos dos cidadãos, na promoção da confiança entre os Estados e no fortalecimento da nossa Comunidade. Que este novo ano judicial seja lembrado como o marco de uma justiça mais próxima dos povos, mais enraizada no direito internacional e mais capaz de enfrentar os desafios contemporâneos da nossa região e do nosso continente.
Façamos, pois, deste ano judicial o renascimento de uma confiança coletiva e o símbolo de uma CEDEAO que se afirma, pelo Direito e através da Justiça, como espaço de paz, de prosperidade e de dignidade para todos os seus povos.
Muito obrigado.