O Presidente da República de Cabo Verde, José Maria Neves, proferiu um discurso incisivo na Universidade Lusófona de Lisboa, onde lhe foi outorgado o título de Doutor Honóris Causa. Sob o título “O Compromisso de uma Geração”, Neves diagnosticou a atual “policrise” global e apelou a uma profunda reengenharia para salvar a democracia, ameaçada por extremismos e desigualdade.A mensagem central do Presidente é que a missão da geração atual se desdobra em três grandes tarefas: solucionar os problemas de pobreza e degradação ambiental, revigorar a democracia e edificar futuros partilhados de esperança.
Neves caracterizou o mundo como “tempestuoso, fragmentado e instável”, onde a disrupção é a “variável permanente” (citando Carlos Lopes). A fragilidade da democracia decorre, em grande parte, da sua incapacidade de cumprir a promessa da igualdade, apesar de ter concretizado a da liberdade.
O Presidente advertiu que a desigualdade de renda torna os regimes vulneráveis, fomentando o crescimento de movimentos extremistas e a deterioração silenciosa das instituições – a chamada “democracia iliberal”.
Para reverter este quadro, Neves defendeu que a resposta não reside apenas em condenar os radicais, mas sim em promover uma reengenharia institucional profunda e reanimar a cidadania ativa, citando Michael J. Sandel e Norberto Bobbio. A defesa da democracia passa por “mais democracia” e pela capacidade de conjugar os valores de liberdade, igualdade e solidariedade.
Ao refletir sobre o cinquentenário da Independência de Cabo Verde, o Presidente enalteceu a trajetória do país como uma referência de estabilidade e maturidade institucional no continente africano. Contudo, alertou para o perigo de a turbulência global se manifestar internamente, nomeadamente através de sinais de polarização, desgaste da confiança entre partidos e a persistência de ineficiências em serviços básicos.
O cimento invisível que sustenta a democracia, a confiança, exige que a geração atual em Cabo Verde “reaprenda a discordar sem romper” e a forjar os consensos necessários à aceleração do desenvolvimento.
A finalizar, José Maria Neves partilhou a sua visão sobre o serviço público, definindo o ato de governar como a criação de condições para que cada cidadão possa ter uma “vida digna de ser escolhida” (na linha do pensamento de Amartya Sen).
O Presidente, que já foi “jogador” em todas as posições políticas, assume-se agora como “árbitro e moderador” do sistema, e reiterou o seu pacto de verdade com o povo, alicerçado no trabalho árduo e no compromisso de honrar as promessas, com foco no bem comum.
Confira o discurso, na íntegra, aqui:
Discurso proferido por Sua Excelência Presidente da República, José Maria Neves