Mensagem de S.E. o Presidente da República pela passagem de mais um Dia Mundial da Poesia.
Celebramos hoje mais um dia Mundial da Poesia, uma das artes mais antigas da Humanidade, em cuja origem esteve sempre o desejo da comunicação – através da rima, de jogos de palavras, da fonética – na busca de um sentido estético, que ajudasse os homens e as mulheres a escapar do seu horizonte quotidiano.
O objectivo desta efeméride, instituída na 30ª Conferência Geral da UNESCO, a 20 de Outubro de 1999, é a promoção da leitura, da escrita, publicação e ensino da poesia, ressaltando o valor e a importância da linguagem humana, no registo das nossas vivências, sonhos e ansiedades. Evocamos a poesia como bilhete de passagem para outras vidas alternativas, pois como escreveu um poeta francês, ‘Une vie ne suffit pas’, ou ‘Uma vida apenas não chega’, conclusão a que também chegou Fernando Pessoa, que buscou alteridades diversas nos seus heterónimos, revelando a multiplicidade do eu poético.
Vidas possíveis, coartadas pelo mar e outros obstáculos do coração, também nos cantou Eugénio Tavares, procurando dar sentido a este mosaico de sentidos, que constituem os homens e mulheres das nossas ilhas.
Num mundo cada vez mais complexo, efémero e acelerado, onde a valoração material substitui a contemplação e a reflexão, a poesia surge cada vez mais como obra de druidas, magos, homens misteriosos de um tempo arcaico. Em certos momentos e lugares das nossas sociedades, a palavra poética tem a forma de uma folha ao vento, perdida no tráfego urbano e caótico. Esse é o momento em que a matéria e o sonho se encontram, o útil e o inútil se digladiam. Então tocamos a ausência, a alegria, a tristeza e a rendição perante o sentido real da vida.
Sentido do inútil terá sido, por ventura, a questão colocada pelos poetas das nossas ilhas, que compuseram as suas sinfonias com os instrumentos que estavam na sua frente. A liberdade, esse benefício último, atrelada nas palavras, tornou possível a independência literária, décadas antes da independência política, como se da esfera da poesia resultassem todas as outras coisas. Ilhas que param para verem as pedras passar, navios de pedra, voos inescapáveis nas asas do evasionismo literário, versos contorcidos, ajudaram a compor o imaginário das ilhas e a história do homem crioulo.
O seu discurso e carácter indomável não só nos permite o belo, como é também um braço de resistência ao materialismo exacerbado, pois que a poesia e os poetas não se podem vender em prateleiras; não se pode guardar em bancos e caixas-fortes; a sua matéria não é manipulável nas redes sociais nem passível de liftings e transformações com botox ou Photoshop.
E é para todos esses mestres da palavra, da eloquência espontânea, construtores dessa semântica íntima e incandescente, que deixo uma palavra de apreço e de estímulo, neste Dia Mundial da Poesia. Assim como para todos os amantes e cultores da palavra poética, a quem peço que incluam no seu dia a dia a leitura de um poema, por mais curto que seja, esse vislumbre de um pedaço de vida, acto nobre de desconstrução e de sonho.