Discurso da Laudatio proferido pelo Presidente Jorge Carlos Fonseca, na cerimónia da atribuição do grau de Doutora Honoris Causa a Maria Helena Semedo, pela Universidade Aberta de Lisboa, dia 3 de Dezembro

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Excelentíssimo e Magnífico Reitor da Universidade Aberta,
Doutoranda Maria Helena Semedo,
Exmo Srs membros de outras universidades, outras autoridades aqui presentes,
Ilustres Convidados,
Amigos e amigas,
Minhas senhoras e meus senhores,

Em primeiro lugar quero dizer que é com enorme prazer que participo nesta nobre distinção, em boa hora acolhida pela Universidade Aberta, pelo que agradeço a esta mui digna instituição o convite que me foi solenemente dirigido para pronunciar esta Laudatio. Um prazer particular pela amizade que me liga à hoje doutoranda, Maria Helena Semedo, e a grande admiração que nutro pela sua pessoa, pelo seu carácter e pelo trabalho desenvolvido ao longo dos anos.
Coube-me a honra de apadrinhar Helena Semedo nesta distinção, de enaltecer os seus justos e destacados méritos, e aqui trazer-vos a trajectória profissional da doutoranda. Trata-se de uma das cidadãs cabo-verdianas de maior mérito e mais proeminentes, e que mais se tem destacado nas diversas áreas que abraçou: na vida política, social, económica, onde deixou sempre uma marca pessoal de grande competência profissional, dedicação e de humanismo. Uma profissional, insisto, cujo percurso se funde, curiosamente, com o do seu país, no desabrochar dos anos oitenta, período que se segue à independência de Cabo Verde e em que se definem as políticas e as bases da sustentação económica para o garante da subsistência da sua população. Mas, não menos importante, devemos, aqui, destacar também o seu desempenho como membro de governo de Cabo Verde, nos primeiros anos da democracia pluralista, nos inícios dos anos noventa, quando esta ensaiava os seus primeiros passos. Um trajecto que haveria, igualmente, de levá-la a saltar fronteiras, como todos sabemos.
Vislumbro nesse gesto de reconhecimento e homenagem a Helena Semedo que, ao longo da vida profissional e política tem pautado a sua intervenção por uma preocupação permanente com os equilíbrios ambientais e climáticos, um grande simbolismo.
Na actualidade, enfrentamos importantes problemas relacionados com as mudanças climáticas e o seu impacto ambiental que fazem pairar sobre o mundo perigos cada vez mais ameaçadores.
O mundo e a própria vida encontram-se expostos a riscos muito concretos e intensos, num contexto em que se assiste a recuos preocupantes no que se refere a compromissos globais, os únicos capazes de contribuir para o controlo da situação.
A defesa do meio ambiente e da biodiversidade são bandeiras que sempre foram desfraldadas por Helena Semedo, uma vez para além da consciência de que se trata de um processo global, tem a clara percepção da grande vulnerabilidade do continente africano e dos pequenos Estados insulares nesses domínios.
Igualmente, a sua grande preocupação com a complexa questão da segurança alimentar, fundamental para largos milhões de pessoas, é uma constante na vida desta cabo-verdiana cidadã do mundo.
Maria Helena Semedo pertence a essa geração de jovens licenciados que, nove, dez, anos após a emergência de Cabo Verde na cena internacional, como Estado soberano, tem nas suas mãos a enorme tarefa de encontrar os caminhos para a viabilidade e o equilíbrio económico das ilhas. E é este esforço, esta confiança no futuro, um optimismo fortemente insuflado de realismo e de esperança – que sempre caracterizou as mulheres e os homens cabo-verdianos -, mas relevante neste período particular da nossa história, que está na base dos sucessos que o país viria a conhecer, e na posição hoje alcançada, em diversas áreas da nossa sociedade.
O seu trabalho, cumprido com a maior generosidade e acompanhado de um espírito cívico e determinado, teve sempre como objectivo principal a melhoria das condições de vida dos cidadãos do seu país e dos outros, por onde passou, e onde foi responsável por políticas nesse sentido. Característica, essa, aliás, que revela paixão pelas causas que abraça, nos cargos que ocupa, aliadas à sua personalidade e suas qualidades humanas e, se me é permitido afirmá-lo, da sua qualidade de mulher cabo-verdiana, sempre optimista, paciente e perseverante.
A nossa distinguida reúne em si, para além do emblemático sorriso e olhar sereno com que nos habituou, a capacidade de planear, gerir e executar inspiradora para as mulheres e homens das nossas ilhas. Todos sabemos conhecemos a grande tenacidade e perseverança das mulheres de Cabo Verde que, em contextos sociais e familiares, por vezes muito difíceis, seguram a família e o próprio país. As mulheres que – repetindo o que afirmámos noutras circunstâncias – souberam esculpir, na fina porcelana do nosso destino, um rosto da Nação.
É dessa matéria e energia que emergem homens e mulheres, como Maria Helena Semedo, dotadas de grande capacidade de realização, e que se destinam a ser colocadas em benefício dos seus concidadãos e não só, como iremos ver.
Para além dos seus predicados pessoais, é indesmentível o seu contributo na tarefa importante que tem sido a de levar esperança e desenvolvimento a milhares de cidadãos africanos, em vários países, contribuindo para a diminuição da pobreza, melhorando a qualidade de vida de milhões de pessoas, abraçando cada desafio com a maior das causas e dedicando-lhe o maior empenho possível. Quem trata com ela ou conhece de perto Helena Semedo verifica essa linha do rigor e do compromisso com as causas públicas, onde sempre se sentiu particularmente à vontade, como é seu timbre. É sabido como as grandes instituições também necessitam de quem as faça funcionar, na plenitude, e cumprir da melhor forma possível as suas atribuições.
Excelências,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Razões de sobra existem para o reconhecimento do doutoramento honoris causa a esta que é uma figura inspiradora para a sociedade cabo-verdiana e para o continente africano. É ela, a sociedade dos homens e das mulheres, em especial aqueles que mais precisam, a beneficiária da competência de pessoas empenhadas, como Helena Semedo. A nossa doutoranda coloca no exercício das suas funções uma visão harmoniosa, própria do seu carácter cosmopolita e um optimismo baseado numa larga experiência, a que se alia uma linguagem franca e compreensível, como deve ser a linguagem da verdade e da inclusão, a única possível, quando os nossos actos são guiados pela mão do humanismo.
Foi jovem liceal nos anos mais difíceis do arranque do Estado cabo-verdiano e quadro superior no período da transição política, acabando por participar directa, viva e criativamente na edificação da nossa jovem democracia e no estabelecimento das bases fundacionais do regime, que inaugurava uma nova fase na vida na sociedade cabo-verdiana. Esteve na direcção política do Movimento para a Democracia nos seus primórdios e, inclusivamente, sem ter sido formalmente membro da organização clandestina, esteve próxima sempre dosactivistas que, no período do partido único, criaram os Círculos Cabo-verdianos para a Democracia (C.C.P.D.), nos anos oitenta.
A história de algum sucesso económico e social, alcançado pelas nossas ilhas, é tributária da competência, da dedicação e do empenho de pessoas como Helena Semedo, e resulta da acção directa e do compromisso com o bem-estar de todos, no exercício das suas funções.
Após licenciar-se em Economia, pelo Instituto Superior de Economia, de Lisboa, Helena Semedo estagiou na Direcção Geral do Planeamento do Ministério da Economia de Portugal, antes de iniciar a sua carreira profissional, em Cabo Verde, em 1984, como técnica superior na Direcção Geral do Planeamento do Ministério da Cooperação e do Plano, ocupando-se dos sectores do Turismo e do Comércio. O seus méritos, enquanto jovem quadro, na área económica, não passaram despercebidos, tendo sido convidada, em 1986, a integrar o Departamento de Investimentos, no Banco de Cabo Verde, onde seria, também, coordenadora da instalação e modernização das diferentes agências deste banco, no país. E quis o destino e a História que, mais do que mera testemunha, fosse também umas das protagonistas dos novos tempos, dos novos ares de mudança que chegavam a Cabo Verde, participando directamente no arranque da democracia cabo-verdiana.
Assim, Helena Semedo é escolhida para Secretária de Estado das Pescas, no novo governo saído das primeiras eleições livres, de 1991, formado pelo Movimento para a Democracia, com a responsabilidade de estabelecer e executar a modernização deste importante sector da economia das ilhas. E foram suficientes dois anos apenas para ser nomeada Ministra do Desenvolvimento Rural e das Pescas, com responsabilidades numa área – Agricultura, Ambiente, Coordenação do Desenvolvimento Rural e das Pescas – que a iria preparar, nos anos que vinham, para outros e importantes desafios.
Três anos depois, passa a chefiar o Ministério do Mar, mantendo as Pescas e assumindo toda a área dos transportes. Em 1998, Helena Semedo entra no seu sétimo ano como membro do Governo, assumindo as pastas do Turismo, dos Transportes e do Mar. E é quando toda a sua experiência e conhecimentos adquiridos, aliada às suas qualidades enquanto governante, a vão levar a ter as primeiras responsabilidades, a nível regional, como presidir o Conselho de Ministros do Comité Inter-Regional para a Seca no Sahel, liderando e fazendo desta organização uma referência na região e sendo a primeira mulher a assumir estas responsabilidades. A doutoranda assumiu, igualmente, a presidência da Comissão Sub-Regional das Pescas, integrada por países como Cabo Verde, Senegal, Gâmbia, Guiné-Bissau, Guiné Conacry e Mauritânia. Presidiu a Comissão dos Estados Ribeirinhos do Oceano Atlântico, a que se seguiram várias representações de Cabo Verde em organizações regionais e internacionais, como a FAO, FIDA, ICAO, OMT, Reunião dos Ministros da Agricultura da CEDEAO, União Africana, tendo também integrado a Rede das Mulheres Ministras e Parlamentares. Após deixar o governo, em 2001, assume o seu lugar de deputada na Assembleia Nacional, representando o seu país na União Inter-Parlamentar.
Inevitavelmente, a sua experiência e prova dada à frente de vários ministérios, nos governos do seu país, catapultaram-na para outras responsabilidades. E é assim que Helena Semedo deixa o país, em 2003, para dar início a uma carreira internacional, na FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura – como representante desta agência na República do Níger, onde fica até 2008. Nesse ano, muda-se para Accra, no Gana, assumindo ao mesmo tempo funções de Coordenadora para a África Ocidental, e as de Directora-Regional Adjunta e Representante da FAO junto da República do Gana. Em 2009 é nomeada Assistente do Director Geral e Representante Regional para a África, assumindo a coordenação de 48 países e a ligação com a União Africana, a Comissão das Nações Unidas para a África, o Banco Africano de Desenvolvimento, bem como várias organizações e instituições de Pesquisa Regionais.
Maria Helena Semedo ocupa, desde 2013, as funções de Directora-Geral Adjunta da FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Ambiente, com responsabilidades na área do Clima e Recursos Naturais. Acumula, também, o papel de ponto focal para as Convenções das Nações Unidas na área do Clima e Ambiente, Instituições de Pesquisa, o CGIAR, ligações com Pequenos Estados. Coordena, ainda, a execução da Agenda 2030 na FAO, o apoio da FAO aos países na aplicação da Agenda 2030 e a ligação com a ECOSOC e o HLPF (High Level Political Forum).
Como todos podem conferir, Maria Helena Semedo é uma reconhecida especialista em questões de desenvolvimento agrícola a nível mundial, contando mais de 30 anos de experiência profissional, com passagem por diversos cargos governativos, no seu país. Ciente da importância da Segurança Alimentar, Nutrição e da agricultura durável na luta contra a fome e a pobreza, Helena Semedo tem defendido esta causa, dando voz às populações e comunidades vulneráveis, ao nível mundial, com especial atenção às mulheres. Foi a segunda mulher a exercer funções governativas, em Cabo Verde, e a primeira representante da FAO no Níger, como dissemos, assim como Directora Regional para a África, e a primeira Africana a assumir as responsabilidades de Directora-Geral Adjunta da FAO. Em Cabo Verde liderou a criação da Rede de Mulheres Economistas do país e é membro fundador da Organização dos Economistas de Cabo Verde.
Minhas senhoras e meus senhores,
É indubitável, por aquilo que acabam de escutar, que a trajectória e o percurso profissional de Helena Semedo são o exemplo de pessoa especialmente dotada para o exercício de cargos públicos, sobretudo de nível mundial, em que o caminho da solução para os múltiplos problemas do nosso tempo passa pela experiência, compreensão e a busca de consensos, tudo conjugado com uma boa dose de optimismo e fortes convicções democráticas. Como se viu, o desenvolvimento sustentado e o papel das mulheres são alguns dos pontos que têm marcado a sua agenda, que leva sempre em conta a participação activa, de forma igualitária, de todos aqueles que são, de uma maneira ou de outra, afectados pelas decisões que toma, refiro-me a países e população – através do financiamento de programas conjuntos, que respeitam à alimentação e ao ambiente.
Estamos a falar de toda uma experiência colocada ao serviço daqueles que mais precisam, e um saber escutar os outros, sempre com o seu natural e característico sorriso afectuoso e contagiante, porque ela sabe a importância do diálogo na resolução dos problemas que se nos colocam, sobretudo nós, os oriundos dos países cujas populações são as mais carenciadas, mais dependentes da boa eficácia das políticas desenvolvimento sustentado. São capacidades aprofundadas e refinadas pela sua experiência nos vários países sob sua responsabilidade, tendo sempre presente a consciência do impacto das suas decisões.
Senhoras e Senhores,
Diz-se que a verdadeira dimensão de um país é o tamanho do seu interior. E no interior de cada cabo-verdiano – das vendedeira aos pescadores, dos agricultores aos profissionais liberais, do cidadão comum ao político, nas ilhas e na diáspora – há uma melodia que atravessa tempos e gerações, montanhas e ventos, espaço e memória, embalando o barco da nossa viagem, cantada através da nossa morna, cujo Dia Nacional celebramos hoje, sob a égide do compositor B Leza.
E é na evocação do simbolismo desta data, que recorta um dos selos marcantesda nossa existência, enquanto povo, que termino.

O currículo e a obra realizada por Helena Semedo põem em evidência a sua experiência, a sua capacidade e sobretudo os seus valores: de humanista, de pessoa dedicada ao serviço público, da pessoa certa nos cargos de responsabilidade que ocupou e que actualmente ocupa. Creio que será mais do que suficiente, pelo atrás exposto, que a trajectória de Maria Helena Semedo, personalidade da maior relevância e prestígio interno e externo, responsável por decisões com impacto determinante para o progresso das nações e dos povos africanos, para a transformação positiva das nossas sociedades, não deixa qualquer margem para dúvidas, eu dizia, ser meritoriamente merecedora da distinção, de ser nomeada doutora honoris causa, pela Universidade Aberta de Lisboa.
Tenho dito
Obrigado pela vossa atenção