Discurso proferido por S.E. o Presidente da República, Dr. Jorge Carlos de Almeida Fonseca, por ocasião da Abertura da Conferência Comemorativa do 24º Aniversário da CNE Assembleia Nacional, 4 de Dezembro de 2018

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É para mim uma grande honra presidir a esta cerimónia de abertura da Conferência Internacional sobre “Os desafios da modernização e da inclusão no processo eleitoral”, precisamente num momento em que, entre nós, está aceso um grande e importante debate sobre a adopção de mecanismos que garantam uma participação verdadeiramente equitativa de homens e mulheres nos processos de decisão política e tornem mais inclusivos os procedimentos eleitorais.
Sendo este evento comemorativo do 24º aniversário da Comissão Nacional de Eleições de Cabo Verde, gostaria de felicitar a Dra. Maria do Rosário Pereira e os restantes membros da CNE, bem como os seus funcionários, pelo trabalho muito meritório que, objectivamente, têm desenvolvido no exercício das suas funções.
Saúdo com simpatia os ilustres convidados e, muito em particular, as distintas personalidades que representam Angola, Guiné-Bissau, Portugal, S.Tomé e Príncipe, Senegal e também a Federação das Associações Portuguesas de paralisia cerebral para comungarem connosco este momento de festa e reflexão, marcantes para a nossa democracia.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Esta efeméride reveste-se de grande simbolismo, pois retrata aspectos importantes do caminho que temos percorrido ao longo dos anos na construção do Estado de Direito Democrático.
Os vinte e quatro anos da Comissão Nacional de Eleições espelham, de certa forma, a trajectória do país que nos conduziu de uma comissão eleitoral adhoc, criada em 1984 e cujo mandato terminava automaticamente, noventa dias após o apuramento geral das eleições, a uma Comissão Nacional de Eleições, órgão independente e permanente, instituída dez anos depois.
As designações das comissões e os respectivos mandatos traduzem um importante salto de qualidade, uma clara rotura, a passagem do regime de partido único à democracia.
O mandato da comissão criada em 1984 extinguia-se, automaticamente, porque, na verdade, não tinha outra função que não fosse a participação num processo de legitimação meramente formal do partido no poder que, por definição, era a Força dirigente da sociedade e do Estado.
Contrariamente, no sistema democrático, as eleições são um elemento central, o seu verdadeiro barómetro. É por seu intermédio que os cidadãos ascendem e deixam o poder, é através delas que o eleitor exerce o seu direito de voto, concretizando um dos aspectos essenciais da democracia. Por isso, em democracia, a Comissão Eleitoral não pode ter uma existência efémera, não pode ser um mero apêndice, mas uma estrutura permanente e independente de muita relevância na concretização de princípios que definem a democracia e estão plasmados na Constituição da República.

Excelências, Minhas senhoras e meus senhores,

Entre nós, a Comissão Nacional de Eleições ocupa-se de todos os processos respeitantes às eleições presidenciais, legislativas e autárquicas e assegura que ocorram com liberdade e regularidade e de acordo com os princípios constitucionais.
Ela ocupa-se de todos os procedimentos necessários para a realização dos pleitos eleitorais que vão do recenseamento às candidaturas, passando pela proclamação dos resultados, julgamento de reclamações e articulação com as autoridades competentes nos casos de crime eleitorais.
Igualmente deve assegurar tratamento igual e imparcial a todos os cidadãos por parte da Administração eleitoral, proceder à formação dos seus delegados e demais pessoas ligadas aos processos eleitorais.
Nestes vinte e quatro anos, dois anos a menos do que a Constituição da República, a Comissão Nacional de Eleições tem sido parte do processo de construção da nossa democracia.
A informação do cidadão no tocante aos diversos aspectos do processo eleitoral é uma outra incumbência desse órgão e que se reveste da maior importância, pois a informação e consciencialização dos cidadãos, especialmente os mais jovens, são elementos de grande valia para a interiorização da cultura da Constituição.

Minhas senhoras e meus senhores,

A consciência cada vez maior da importância da Comissão Nacional de Eleições no edifício democrático, o grande envolvimento dos diferentes integrantes da comissão nas suas lides, a credibilidade do órgão, têm permitido uma evolução muito significativa da mesma.
São notórios os avanços da CNE que contribuem de forma muito significativa para o seu próprio reforço e do nosso sistema democrático.
Sei que esse percurso não tem sido fácil. As pressões, nem sempre legítimas, a que a CNE é submetida, especialmente nos períodos críticos relacionados com a preparação dos processos eleitorais e com o seu desenrolar, são muito intensas, e enfrentar as mesmas exige muita competência, tenacidade, espírito de missão e de autonomia e convicções democráticas fortes, inabaláveis.
Por isso, é com muito prazer, Sra. Presidente, que tenho verificado que essas características estão muito presentes no seu trabalho e no dos seus colaboradores.
Igualmente tenho acompanhado as diferentes propostas que a CNE tem apresentado com vista à modernização do sistema eleitoral levando em consideração tanto os eleitores residentes quanto os residentes no estrangeiro.
Quanto mais moderno, rápido e seguro for o nosso sistema eleitoral, com recurso às novas tecnologias e à permanente capacitação dos colaboradores, melhor. Acredito que as autoridades, de acordo com os recursos disponíveis, tudo farão para que os meios necessários para enfrentar os desafios já identificados, sejam disponibilizados para que o sistema avance ainda mais.

Minhas senhoras e meus senhores,

Num mundo em que o sistema democrático está a ser posto em causa por visões que tendem a negar a grande conquista da humanidade que representa a democracia e a substituir a tolerância e a aceitação do diferente pela imposição, às vezes através da violência, de padrões autoritários e de exclusão, é muito importante que as instituições democráticas sejam reforçadas e defendidas.
É, igualmente, fundamental que os graves problemas sociais sejam enfrentados com a determinação que permita que as condições de vida dos cidadãos conheçam alterações significativas, por uma questão de justiça e porque a frustração que a não satisfação de necessidades básicas acarreta e o desespero a ela associado podem facilitar comportamentos e práticas inadequadas.

Minhas senhoras e meus senhores,

Como Presidente em exercício da CPLP, a iniciativa de reunir instituições que administram o processo eleitoral na Comunidade de Países de Língua Portuguesa é-me particularmente cara, porquanto, ao assumir a presidência da Comunidade reafirmei o meu compromisso de trabalhar para que a Comunidade de Países se transforme, firme e paulatinamente, em Comunidade de Povos e em um espaço de democracia crescente.
Vejo com muita simpatia a criação da Rede de Órgãos de Gestão Eleitoral da CPLP. A troca de experiências e a análise das boas práticas vigentes nos estados membros será um primeiro e interessante passo no sentido da convergência normativa e de boas práticas, pilar basilar de qualquer Comunidade, mormente de uma Comunidade de Povos e Nações que optaram por se organizar politicamente como Estados Democráticos de Direito.
A valorização do voto é uma importante forma de contribuir para a participação das pessoas na construção dos respectivos países e da nossa comunidade.
Se não for possível reunir, agora, as condições para que a rede seja uma realidade, espero que elas venham a ser criadas no mais curto espaço de tempo.

Senhora Presidente,
Excelentíssimos membros da CNE,

Diz muito do vosso engajamento e do vosso profissionalismo o interesse em buscar conhecer outras experiências e boas práticas em matéria de organização e gestão do processo eleitoral; recomenda-vos a preocupação com a modernização e a inclusão nas eleições; enaltece-vos relevar a necessidade de compatibilizar todo o processo com as realidades envolventes – económica, social, política e ambiental – no país e no Mundo.
Mas, digo-vos, que é fundamental que haja acções e intervenções a montante.
Desde logo, uma aposta forte e coerente na qualidade da nossa democracia. É mister que trabalhemos no sentido da consolidação das instituições democráticas. O sucesso será sempre tributário do vosso trabalho, do vosso esforço. Mas, creiam-me, o sucesso será sobretudo corolário lógico da confiança que os cidadãos tiverem nas instituições, mormente naquelas que, em cada um dos nossos países, conduzem o processo eleitoral. Os cidadãos podem até ter dúvidas, mas a credibilidade das instituições deve estar aí presente para aplacar as naturais angústias.
Estabeleçam, de forma inequívoca, a vossa bona fide e partam à conquista da confiança dos cidadãos. A confiança, esse bem intangível e volátil, é condição sina qua non para o estabelecimento da credibilidade das instituições democráticas.

Daí, excelências, o meu apelo para que as conclusões e recomendações desta conferência registem a necessidade de, a montante, serem feitas apostas firmes e investimentos coerentes no sentido da consolidação das instituições democráticas, do aprofundamento da nossa cultura democrática e da instalação, nas nossas sociedades, de um clima em que a democracia impere como forma de ser e de estar e como sistema de resolução de diferendos.
Acredito, outrossim, que a mobilização dos cidadãos para uma participação efectiva, isto é, esclarecida e livre – que não se limite ao depositar dos boletins nas urnas por ocasião das eleições – pode contribuir grandemente para que o processo eleitoral e os actos eleitorais sejam encarados com naturalidade e decorram sem sobressaltos de maior.

Senhora Presidente,

Deixo-vos aqui expresso o apoio do Presidente da República neste esforço de aprimoramento do nosso sistema eleitoral e contem com a minha magistratura de influência naquilo em que as conclusões e recomendações desta conferência indicarem.

Minhas senhoras e meus senhores,

Antes de terminar, não posso deixar de lembrar que estamos a poucos dias de comemorar os setenta anos da DUDH. Declaração essa que estatui, sem reserva, que “a vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto».

Este é um direito fundamental para preservar a paz nas nossas sociedades e no mundo. Sejamos dignos defensores destes princípios.
Termino, agradecendo as palavras generosas e simpáticas que me foram dirigidas, e renovando as felicitações antes formuladas. Auguro sucessos nos importantes debates que se seguirão e que, seguramente, trarão importantes contribuições para o fortalecimento das nossas democracias.
Declaro aberta a Conferência comemorativa do 24º aniversário da Comissão Nacional de Eleições.

Muito obrigado, bem hajam.