Discurso S.E. o Presidente da República, na Sessão Solene: Dia da Liberdade e Democracia, Assembleia Nacional 13 de Janeiro de 2019.

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Excelências,
Ilustres Convidados,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
A nossa Pátria crioula, castanha, azul, negra, verde e branca, sinuosa portadora de mil cores, como se pretendesse esculpir e pintar o mundo todo com o nome de Cabo Verde.
Hoje é dia de festa. Hoje comemoramos os vinte e oito anos das primeiras eleições democráticas no país.
A vivência dessa mudança histórica, que hoje celebramos, é algo absolutamente indescritível.

É muito provável que, para quem nasceu e cresceu depois desse dia marcante, a emoção da celebração não seja tão intensa.
Ainda que seja muito importante que todos e, especialmente, os mais jovens, conheçam e festejem as grandes datas nacionais, o facto de uma parte deles não viver tão intensamente a comemoração dessa efeméride, pode até ser considerado um elogio à estabilidade do nosso sistema.

A democracia para eles, apresenta-se como algo natural, como um modo de estar normal a que se habituaram desde criança, da mesma forma que aprenderam a falar o crioulo ou a brincar com os colegas. Quase um costume, ao jeito do critério que Norberto Bobbio erigiu para atestar o estatuto de irreversibilidade de uma democracia.
Votar, ser votado, exprimir livremente o pensamento, dizer o que pensa sem medo de ser incomodado por isso, reunir-se e manifestar-se, são comportamentos tão naturais que podem, por vezes, até passar despercebidos.

Que a justiça deva funcionar para julgar as pessoas que incorram em ilícitos ou conflitos entre os cidadãos e que, para tal, os juízes devam ser independentes e obedecer apenas à sua consciência e à lei, parece algo trivial, evidente.

Que todos os cidadãos são iguais perante a lei, é uma questão tão óbvia que nem vale a pena ser discutida.
As pessoas podem ter a filiação partidária que quiserem, podem até nem ter partido, da mesma forma que podem professar qualquer religião ou não ter qualquer uma.

Quem nasceu ou cresceu depois de 13 de Janeiro de 1991, não conheceu outra realidade. Essas pessoas devem ter informações precisas a esse respeito para poderem compreender que antes não era assim e que a democracia não foi, não é uma dádiva.

Devem apreender que a sua conquista é o resultado de muita luta e que a sua preservação tem de ser assegurada pelo envolvimento dos cidadãos na defesa das suas instituições e no exercício dos seus princípios enformadores.

Mas é necessário falar, explicar o grande avanço que significou a institucionalização da democracia no país.
Uma nova era foi inaugurada. Foi possível proporcionar à independência nacional uma nova qualidade.
A democratização e a sua consolidação proporcionaram transformações fundamentais no país. Libertaram-se energias antes contidas, foi possível estruturar a sociedade em moldes diferentes. De acordo com princípios diferentes dos seguidos até a data.
Excelências,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

É muito importante que essa nova realidade seja vivida com naturalidade. Que a forma de relacionamento entre as pessoas e entre elas e as instituições seja percebida como decorrência de uma opção do povo, várias vezes reafirmada através do voto popular.
É muito positivo que as reivindicações de hoje não sejam a instituição da democracia mas o seu aperfeiçoamento, a sua qualificação, o seu aprofundamento e alargamento.
Mais do que reivindicar o direito de falar, as pessoas exigem a adopção de medidas que permitam que esse e outros direitos essenciais sejam exercidos da melhor forma possível.

Tenho defendido com muita ênfase que o processo de democracia em Cabo verde é irreversível, no exacto sentido de que a vivência em liberdade e em democracia é uma exigência sentida, e, se necessário, defendida pela sociedade cabo-verdiana. No sentido que flui da conclusão do saudoso investigador e amigo Fafali Koudawo, num estudo sobre a democracia na Guiné-Bissau e em Cabo Verde :«… O resto, com os seus altos e baixos, convergências e rupturas, é do domínio da evolução normal de um regime pluralista em processo de maturação…».
Porém, tal posição não significa que vivamos num sistema perfeito e acabado, que assegura, de forma automática, a sua própria sobrevivência.
O sistema democrático é um processo em construção permanente, que exige constante aperfeiçoamento e adaptação a necessidades que, incessantemente, se apresentam.

As suas instituições não podem ser estáticas, têm de se adequar às transformações socioculturais permanentes e antecipá-las, sempre que possível.
Elas não estão imunes aos desafios que a cada dia se perfilam no horizonte. Devem ter a condição de se adaptar às mesmas.

Neste quadro as relações das instituições com os cidadãos devem ser dinâmicas, uma vez que estes são a sua razão de ser. O diálogo com as pessoas tem de ser permanente e estas devem sentir, na prática, que as instituições existem para dar corpo às suas necessidade e anseios.
Por vezes essa relação assume contornos de alguma complexidade porque a instituição não consegue, por razões diversas, acompanhar essa dinâmica ou porque o cidadão tem dificuldades em assumir as suas responsabilidades.

É nesta lógica que situo o grande esforço que o Parlamento cabo-verdiano tem desenvolvido no sentido de se modernizar e de se aproximar cada vez mais dos cidadãos.
É muito importante que essa dinâmica seja mantida e intensificada, pois ela é essencial para a consolidação da nossa democracia.

Esse processo permite uma atuação mais rica da Casa Parlamentar e contribui, também, para o constante aperfeiçoamento do desempenho dos Deputados da Nação.

Excelências,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
A escola é um espaço privilegiado para a promoção das práticas e princípios democráticos, do espirito de tolerância e da solidariedade.
É muito importante que, desde bem cedo, esses valores, que estão plasmados na Constituição da República, sejam cultivados no espaço escolar.
É salutar que as crianças e jovens interiorizem os princípios e valores que enformam o sistema democrático e a Constituição da República e se sintam parte de um processo que deve estar sempre presente no seu quotidiano.

Devem conhecer as diferentes instituições da República e as normas que as regem, mas simultaneamente devem ser estimuladas a praticar no seu dia a dia os princípios que lhes são subjacentes.
Não duvidamos que, para além do conhecimento e exercício dos princípios básicos do Estado de Direito Democrático, e do adequado funcionamento das suas instituições, são necessários outros requisitos para a consolidação do sistema democrático.
Os cidadãos necessitam ver os seus problemas resolvidos, ou, pelo menos, verificar que existem medidas adoptadas nessa direcção.
Muitas vezes, especialmente em decorrência de factores que nos são alheios e de sérios constrangimentos que nos ultrapassam, não temos condições de dar as respostas atempadas e desejáveis.

É fundamental que, nessas circunstâncias, as pessoas conheçam, na medida do possível, as razões da não satisfação das suas necessidades. Este procedimento reforça a relação de confiança entre os cidadãos e as instituições e confere mais coesão ao sistema democrático.

Para além desta necessidade de informar, é importante perceber que a resolução de muitos problemas da comunidade passa por um maior diálogo e por processos de maior interacção social. Precisamos envolver mais a sociedade civil no processo político. Não digo apenas ouvir, mas um relacionamento mais directo com os setores organizados da sociedade civil. As ONGs, sindicatos, associações profissionais, movimentos sociais são as formas organizadas da sociedade que reflectem precisamente as diferenças existentes no seio da sociedade e que, chamadas ao debate político, contribuem para uma maior consistência, senão mesmo legitimação da decisão política.

Não é novidade para ninguém que há já algum tempo em Cabo Verde vozes a clamar contra a centralização excessiva do poder político, senão contra a sua fulanização, e a pugnar por uma cada vez maior localização ou regionalização do poder, forma mais eficaz de diagnosticar e resolver os problemas das comunidades e assegurar um desenvolvimento equilibrado e justo das diferentes parcelas do território nacional; não são raras as queixas quanto ao bloqueio do sistema partidário indígena, ao diálogo de surdos que é a coexistência entre os partidos, ou à ocupação da Administração pelos partidos dominantes em cada momento. Há quem propugne a concorrência dos cidadãos organizados à, até agora, exclusiva atribuição aos partidos do direito de apresentação de candidaturas às eleições nacionais, do mesmo passo que alguns exigem a retirada dos partidos da “coisa” municipal.

Num Estado de direito democrático, a necessária concorrência entre os partidos políticos e outras instâncias ou organismos da sociedade civil não deverá traduzir-se numa qualquer ideia de extinção dos partidos ou, mesmo, no apagamento do essencial de sua função de representação política da comunidade e de participação no exercício do poder político. Haverá ainda sociedade e Estado e necessidade de mediação entre uma e outro. E nessa mediação o papel do que são hoje os partidos políticos mantém-se, bem que com configuração, extensão e visibilidade diferentes. A competição entre o sistema partidário e outros sistemas ou subsistemas da sociedade civil poderá exprimir-se e resolver-se numa constante partilha e recomposição de espaços e territórios, definidas não só normativamente, mas através de mecanismos naturais de compressão e descompressão. Mecanismos e medida de compressão/descompressão que estarão condicionados, por um lado, pelo grau de desenvolvimento e afirmação da sociedade civil e seus agentes, organismos ou aparelhos, e, por outro lado, pela maior ou menor “vizinhança” entre os partidos e os cidadãos, e, sobremaneira, pela forma e extensão com que a componente cultural e humana se envolver e puder influenciar o processo global de desenvolvimento.

Estamos convencidos de que quanto maior for a capacidade de concorrência, de crítica e de fiscalização da sociedade civil e seus organismos, maiores condições haverá para um sistema de partidos capaz de propiciar espaços de liberdade, transparência de procedimentos e afirmação e realização da cidadania. A sociedade civil será, assim, uma instância permanente de produção de fluxos de ideias, de propostas e de liberdade mesmo para o interior dos partidos, ao mesmo tempo que agirá como instância de fiscalização do funcionamento adequado do sistema de partidos. A verdade é que a democracia nasce da sociedade e na sociedade. Esta tem que conter a abertura necessária para que o Estado (ou os partidos) não se converta em “a thing made up of misteries”, no dizer de Paine.

Excelências,
Nos tempos actuais, ocorrem, em várias regiões do mundo, situações que tendem a colocar em risco importantes conquistas da humanidade em diversas áreas. De entre essas ameaças podemos destacar o terrorismo, o crime organizado à escala internacional, os desequilíbrios ambientais e ataques ao sistema democrático.
É um facto que essa realidade impõe desafios muito importantes que são cruciais para nós e que exigem uma estreita e permanente colaboração com outros Estados, para além de medidas internas.

Estas devem ser canalizadas, também, para o reforço do sistema democrático, pois existe um esforço, amiúde pela via da sedutora simplificação e manipulação da realidade, no sentido de o descredibilizar em benefício de modelos autoritários que negam as liberdades e garantias dos cidadãos, os direitos das minorias e a multiculturalidade. Soluções que, em nome de propósitos legítimos e razoáveis ou em nome do povo – que, no fundo, desprezam e com quem não convivem –– mostra-o a experiência da história e da vida – acabam por se traduzir na liquidação progressiva da democracia.
Entendo que o reforço do Parlamento caminha nessa direcção e que essas preocupações devem ser amplamente debatidas pela sociedade, como forma de envolver todos nessa frente de preservação das conquistas democráticas.

Excelências,
Agradeço as palavras que me foram dirigidas e renovo os votos um Feliz 2019 a todos os cabo-verdianos, dentro e fora do país.
Neste dia da Liberdade e da Democracia saúdo fraternal e efusivamente todos os democratas que, no país e na diáspora, contribuíram com o seu sacrifício e determinação para que o 13 de Janeiro fosse uma realidade.
Exorto todos os cabo-verdianos a cerrarem fileiras em torno dos valores da liberdade e da democracia da liberdade e a tudo fazerem para que a nossa Pátria seja cada vez mais livre, próspera e justa. A nossa Pátria crioula, castanha, azul, negra, verde e branca, sinuosa portadora de mil cores, como se pretendesse esculpir e pintar o mundo todo com o nome de Cabo Verde.
Viva o 13 de Janeiro
Viva a Democracia
Viva Cabo Verde

Muito Obrigado