DISCURSO PROFERIDO POR SUA EXCELÊNCIA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, DR. JORGE CARLOS DE ALMEIDA FONSECA, POR OCASIÃO DE ABERTURA DA PRIMEIRA CONFERÊNCIA MINISTERIAL DO TURISMO E TRANSPORTES EM ÁFRICA

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SANTA MARIA, 28 DE MARÇO DE 2019

Excelências,
Senhor Ministro do Turismo e Transportes e Economia Marítima
Senhores Ministros de países participantes,
Ilustres Autoridades,
Distintos Convidados,
Minhas Senhoras e meus Senhores,

Recai sobre mim a tamanha responsabilidade de me dirigir a uma assembleia composta por profissionais e peritos que promovem, construindo pontes, encontros entre os povos, entre as nações, entre culturas, entre pessoas (que, de outra forma, nunca se cruzariam) com o propósito de facilitar, uns e outros, a redescobrir o mundo em que vivemos. O turismo é isso mesmo. ENCONTROS e DESCOBERTAS! E faço-o consciente da importância do transporte aéreo na promoção deste encontro entre povos que, comummente, chamamos de turismo, esta actividade económica heterogénea, não só pela diversidade de serviços e produtos colocados à disposição dos turistas, mas também pelas inúmeras oportunidades que oferece ao País de destino na sua luta para o desenvolvimento económico, social e cultural. E a África não pode continuar, pesa-me dizer isto, a não aproveitar totalmente estas oportunidades explorando o inegável potencial turístico que detém.

Num mundo em que, não obstante um sem número de inquietações, o mercado turístico permanece em expansão permanente, é fundamental que olhemos para esse sector, com expressão ainda muito reduzida nas economias africanas, com particular atenção.
Esta posição decorre da necessidade de aproveitamento desse imenso potencial, mas igualmente do facto de, pela sua interligação com vários outros sectores da economia, poder constituir-se num factor catalisador do processo de desenvolvimento.
Em Cabo Verde as autoridades assumem claramente que as actividades turísticas constituem-se na principal alavanca da economia.

Aproveitar as oportunidades que o turismo oferece implica, para o nosso Continente, uma outra valoração das suas riquezas e belezas naturais e, sobretudo, inverter a actual situação em que representamos apenas 1% do mercado aéreo mundial. É demasiado redutor pensar que a explicação desta preocupante situação resulta unicamente da protecção excessiva da companhia aérea nacional deixando de lado o défice e a qualidade das infraestruturas aeroportuárias bem como as fragilidades do sistema organizacional. São estes factores, perdoem-me a ousadia, que me parecem ser os que melhor explicam o facto de a ocorrência dos acidentes aéreos em África ser 12 vezes superior ao verificado na América do Norte e na Europa. E isso é um obstáculo muito sério à realização do objectivo de fazer do Continente Africano o destino turístico, por excelência, de primeira escolha para povos de outros continentes.

A melhoria das infraestruturas aeroportuárias e do sistema organizacional impõe-se-nos, também, pelo imperativo de desenvolvimento e, particularmente, o da redução da pobreza pela via da criação de emprego. Na verdade, em África, 20% do emprego com origem no turismo é suportado pelos visitantes que chegam pela via aérea. Isso é um dado relevante que desperta a nossa atenção pelo impacto do transporte aéreo não só na promoção do setor do turismo, enquanto atividade económica, mas também na criação do emprego e da consequente melhoria do nível de vida das pessoas. Essa melhoria das infraestruturas impõe-se, ainda, pela premente necessidade de execução da Decisão de Yamassoukuro pelos países subscritores, pois que, sem infraestruturas adequadas e um nível de organização satisfatório, muitos dos 44 países assinantes da Decisão de Yamassoukuro não a podemos executar. E não a podem executar, por não estarem preparados para se integrarem um mercado regional de transporte aéreo que se deseja competitivo e aberto a todos aqueles que querem fazer, no nosso Continente, investimentos capazes de o transformar num hub aéreo.

Um mercado aéreo regional ou pan-africano, o que equivale a dizer céu aberto, requer o envolvimento dos governos na criação de companhias aéreas regionais que, devidamente geridas, reforçam as economias locais promovendo os países da região como destino turístico com impacto significativo na criação do emprego. Em boa verdade, é-nos impossível promover o turismo sem que haja investimentos sérios tanto no sistema de transporte aéreo quanto nas infraestruturas aeroportuárias. Por esta razão, a África e, particularmente, a nossa sub-região devem dotar-se de uma infraestrutura aeroportuária devidamente desenvolvida como requisito para o desenvolvimento do sector do turismo no Continente.

Não se deve, porém, ficar apenas nas infraestruturas. É preciso também ter sempre presente que a procura do transporte aéreo é uma procura derivada que resulta do facto de os turistas estarem em busca, no país de destino, de algo que os seus respectivos países, talvez, não lhes podem oferecer. Isso pressupõe que, para além da aposta nos recantos naturais e nos espaços de lazer, haja um mínimo de condições que devem ser criadas para atrair visitantes. Refiro-me, entre outras, às estruturas de saúde, de saneamento e à segurança, sem as quais os esforços para trazer turistas se esbarram nas dúvidas e hesitações daqueles que buscam algum recreio na nossa sub-região ou mesmo no nosso Continente. Nesta perspectiva, é de suma importância que haja alguma convergência entre as regras de protecção dos turistas e o tipo e a qualidade de serviços que lhes são proporcionados com o intuito de fazer da viagem uma fonte de prazer e de experiência.
Esta verificação implica ser imprescindível a integração das políticas de promoção do turismo nas políticas de desenvolvimento global que se pretendem inclusivas.

Tradução em Francês (na página seguinte)

Senhor Ministro do Turismo e Transportes e Economia Marítima
Excelências

Quando, no país do destino turístico, o turismo é o sector mais dinâmico da economia, o papel do transporte aéreo é fundamental para o desenvolvimento económico deste país. Esta é a situação do meu País e, por sermos um arquipélago, relativamente longe dos principais mercados emissores, o transporte aéreo assume como determinante do sucesso das políticas definidas para o sector do turismo. É ciente disso que defendemos a criação de condições para que se torne efectiva a Decisão de Yamassoukuro, se construa um mercado unificado de transporte aéreo que, ouso acreditar, poderá lançar a base ou mostrar caminhos a seguir na edificação de um mercado comum africano também para outros bens e serviços que não os transportes aéreos.

Lorsque, dans le pays de la destination touristique, le tourisme est le secteur le plus dynamique de l’économie, le rôle du transport aérien est fondamental pour le développement économique de ce pays. Telle est la situation dans mon pays et, parce que nous sommes un archipel relativement éloigné des principaux marchés émetteurs, le transport aérien est un facteur déterminant du succès des politiques définies pour le secteur du tourisme. Est conscient de ce fait, que nous défendons la création des conditions permettant la mise en exécution de la décision de Yamassoukuro, la construction d´un marché unifié du transport aérien qui, j’ose dire, pourrait jeter les bases ou montrer la voie à suivre pour créer un marché commun africain également pour des biens et services autres que le transport aérien.

Contudo, a criação de um mercado único para transporte aéreo só será viável se for tomada em consideração, na feitura e definição do quadro legal e institucional, as especificidades dos países que o integram, nomeadamente, as dos Pequenos Estados Insulares como é o caso de Cabo Verde. Alguma precaução se deve tomar por forma a que o quadro jurídico que regula o funcionamento do mercado permita os pequenos países, como Cabo Verde, oferecer um serviço de transporte aéreo que seja consentâneo com as particularidades do seu processo de desenvolvimento económico, em geral, e de promoção do turismo em particular. Na verdade, uma legislação supranacional que ignore a especificidade de pequenos países torna improvável sua integração efectiva, no mercado único de transporte aéreo africano, comprometendo, consequentemente, a viabilização do turismo enquanto atividade económica e, por esta via, o próprio desenvolvimento económico.

Toutefois, la création d’un marché unique du transport aérien ne sera réalisable que si la spécificité des pays qui l’intègrent, tels que ceux des petits États insulaires, comme c’est le cas au Cap-Vert., est prise en compte dans la préparation et la définition du cadre juridique et institutionnel. Certaines précautions doivent être prises pour que le cadre juridique régissant le fonctionnement du marché permette aux petits pays, tels que le Cap-Vert, d’offrir un service de transport aérien à la mesure des particularités de leur processus de développement économique global et promotion du tourisme en particulier. En fait, une législation supranationale qui ignore la spécificité des petits pays rend peu probable son intégration effective dans le marché unique du transport aérien africain, compromettant ainsi la viabilité du tourisme en tant qu’activité économique et, donc, du développement économique.
Para além das cláusulas de salvaguarda dos pequenos países insulares, o quadro jurídico e institucional que regulará o futuro mercado único aéreo africano deve também permitir a atracção de investimentos directos estrangeiros, tanto nas infraestruturas turísticas e aeroportuárias quanto nas empresas nacionais de transportes aéreos. Para o efeito, deve-se privilegiar, muito mais, a qualidade do que o volume dos investimentos socorrendo-se de uma política fiscal, também, unificada assegurando, deste modo, a indispensável transparência na cobrança de impostos e taxas, nas isenções e subsídios. Uma política fiscal unificada é o pré-requisito para que o mercado único funcione e os países mais dotados em recursos resistam à tentação do dumping para atrair investimentos porquanto, porque mais ricos, podem renunciar a determinadas receitas com o intuito de atrair investimentos.

En plus des clauses de sauvegarde des petits pays insulaires, le cadre juridique et institutionnel qui régira le futur marché unique africain devra également attirer les investissements étrangers directs, tant dans les infrastructures touristiques et aéroportuaires que dans les sociétés nationales de transport aérien. À cette fin, la qualité doit être prioritaire par rapport au volume des investissements. Ceux-ci doivent être soutenus par une politique fiscale unifiée, garantissant ainsi la transparence nécessaire dans la collecte des taxes et impositions, des exonérations et des subventions. Une politique fiscale unifiée est la condition préalable au fonctionnement d’un marché unique et pour que les pays riches en ressources résistent à la tentation du dumping pour attirer les investissements parce qu’ils sont plus riches, ils peuvent renoncer à certains revenus pour attirer les investissements.

Tradução em Inglês (na pag. seguinte)

Mas o desafio maior dos pequenos países na atracção de investimentos não é se dotar de uma estrutura fiscal atractiva, mas de se munir de capacidade endógena, em termos de recursos humanos, para conceber, avaliar e negociar programas de investimentos em sectores chave da economia em geral e, no caso em apreço, no turismo e nos transportes aéreos. É preciso, pois, que haja uma capacidade local de leitura do país e da região onde está inserido, de definição das prioridades para o sector do turismo e para o dos transportes aéreos e, obviamente, da descodificação da conjuntura internacional. Só assim será possível orientar potenciais investidores no sentido dos reais interesses do país evitando, consequentemente, investimentos descoordenados com resultados muito aquém, ou mesmo contrários ao desejado.

Subjacente a este sonho de construção do mercado único, está, tal como a define o espírito de Yamassoukuro, a liberalização do mercado aéreo intra-africano. Convém sublinhar, no entanto, que isso não se confunde com a desregulamentação, mas tão somente, que, dentro do quadro legal estabelecido, cada operador ou cada investidor é livre de aplicar as tarifas que lhe aprouver no respeito das regras de concorrência e das fixadas pela Organização Internacional da Aviação Civil não devendo, pois, esta liberalização se traduzir em esforços de poupança em detrimento do padrão de segurança determinado pela OIAC (Organização Internacional da Aviação Civil).

But the biggest challenge for small countries in attracting investment is not to provide an attractive fiscal structure, but to provide endogenous capacity, as far as human resources are concerned, to design, evaluate and negotiate investment programs in key sectors of the economy in general and, in this case, in tourism and air transport. It is therefore necessary local capacity for reading the country and the region where it is inserted, defining the priorities for tourism and air transport sectors and, of course, for decoding the international context. Only in this way will it be possible to guide potential investors towards the real interests of the country, thus avoiding uncoordinated investments with results far below or even contrary to the desired levels.
Underpinning this dream of building the single market is, as the spirit of Yamassoukuro defines it, the liberalization of the intra African air transport market. It should, however, be emphasized that this should not to be confused with deregulation, rather only that, within the established legal framework, each operator or investor is free to apply tariffs, in compliance with the competition rules and those established by the International Civil Aviation Organization, and that such liberalization should consequently not result in savings efforts to the detriment of the safety standards set by the International Civil Aviation Organization (ICAO).

A liberalização do mercado aéreo não deve, porém, ser útil apenas ao turismo. Na verdade, esta liberalização deve ser concebida de maneira a dinamizar outros sectores, nomeadamente, o sector do comércio local, regional e, por que não, o internacional, enquanto suporte das estratégias e das políticas activas de desenvolvimento industrial. Assim concebida, a liberalização do mercado dos transportes aéreos permitirá a África alargar a sua base de exportação limitada, hoje, ao petróleo e a produtos de base, facto que a coloca no início da cadeia de produção de valores. Porém, se as condições básicas que tornam a liberalização uma medida bem-sucedida não estiverem presentes, é de se procurar um quadro regulamentar alternativo que assegure a optimização do sistema de transportes mais adequado à estratégia de promoção do turismo.

Excelências
Distintos Convidados,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Ninguém duvida da importância das infraestructuras aeroportuárias e do desenvolvimento dos outros sectores da economia para o sector do turismo e, consequentemente, para o dos transportes aéreos. Porém, se tudo isso é, reconhecidamente, importante, deve-se também estar ciente de que pouco valerá se, no destino turístico, não houver uma governação adequada da aviação civil. Isso supõe a renúncia do recurso a uma legislação restritiva que condiciona o mercado dos transportes aéreos falseando a concorrência pela via do protecionismo camuflado.

Nesta perspectiva, uma boa governação do sector do transporte aéreo, supõe, também, conhecimento e aplicação das normas internacionais que regulam a aviação civil e uma clara separação das funções de regulação e de supervisão das operacionais. Esta é uma opção que Cabo Verde adoptou e que nos garantiu alguma estabilidade e eficiência na gestão do sistema de transporte aéreo no nosso País. Há, na verdade, uma entidade pública autónoma “ASA”- Aeroporto e Segurança Aeroportuária- que gere os aeroportos e uma Agência de Aviação Civil com responsabilidade de supervisão e de regulação do sector. Esta estrutura, cujo bom desempenho é reconhecido internacionalmente, tem facilitado, no nosso País, processos de decisão não condicionados por conflito de interesses e, por isso mesmo, transparentes.

A boa governação na aviação civil e no sistema de transporte como um todo é uma condição necessária para que as políticas sectoriais no domínio do transporte, e aqui me refiro ao transporte intermodal, impulsione a actividade turística e, esta, pela via da retroalimentação, estimule e dinamize todo o sistema de transporte. Assim sendo, uma escolha política que ignore a interdependência do turismo com os transportes compromete não só o desenvolvimento destes importantes sectores da economia, mas também a economia global porquanto, para ser bem-sucedido, o turismo deve estar ancorado na economia local e esta ancoragem só é possível se forem definidas políticas públicas globais que valorizam adequadamente as interações sectoriais.

Na verdade, este é o caminho que o meu País tem seguido e que nos potenciou vantagens significativas para o sector do turismo, aguardando, com muita expectativa, que os resultados deste Fórum nos ajudarão a consolidá-los através de recomendações que nos serão úteis no desenho das políticas e medidas para os sectores de transportes e turismo.

É com esta expectativa que termino a minha intervenção na certeza de que o País já ganhou com a realização deste 1° Fórum Ministerial sobre Turismo e Transportes Aéreos e que para o continente, como um todo, a Declaração de Cabo Verde será uma verdadeira torre de controle na fascinante viagem pelos nossos céus, terras e mares, em benefício das nossas gentes.

Desejo-vos um bom trabalho e uma agradável estada neste País que se abriu ao mundo e aos homens.

Declaro aberta a Conferência Ministerial sobre Turismo e Transporte Aéreo em África.

Muito obrigado!
Jorge Carlos de Almeida Fonseca