O Presidente da Republica vetou, hoje, dia 18 de Abril, por inconstitucionalidade, o acto legislativo que procede à primeira alteração à Lei de Investigação Criminal, aprovada pelo Lei n.º 30/VII/2008, de 21 de Julho

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A Assembleia Nacional submeteu à apreciação do Presidente da República, para promulgação, o acto legislativo que procede à primeira alteração à Lei de Investigação Criminal, aprovada pelo Lei n.º 30/VII/2008, de 21 de Julho.

Aquele acto legislativo consagra, no seu artigo 2.º, a alteração do artigo 14.º da Lei de Investigação Criminal estabelecendo que a acção encoberta não carece de controlo judicial, exigindo-se apenas que se comunique ao juiz a autorização dada pelo Ministério Público para a realização da acção encoberta, o que é bem diverso de lhe ser solicitada autorização ou que o mesmo valide a medida, sendo que, por via da redacção proposta, tal comunicação não tem qualquer efeito prático uma vez que não pode o juiz exigir que a acção encoberta mereça a sua validação.

Esta norma do acto legislativo submetido à promulgação suscitou a S.E. o Presidente da República dúvidas quanto à sua conformidade constitucional com a garantia de controlo judicial de acto ou omissão que viola direito, liberdade ou garantia do arguido, consagrada nos artigos 35.º, n.ºs 6, 7 e 8 da Constituição da República (CRCV). Ou seja, se se encontram asseguradas as garantias de defesa em processo penal, em especial, a necessidade de fazer intervir um juiz em fase de instrução sempre que estejam em causa, ou possam estar, mesmo que potencialmente, direitos, liberdades e garantias;
Entende o Presidente da República que a Constituição da República garante ao (suspeito e posterior) arguido a defesa e inviolabilidade dos seus direitos, liberdades e garantias, inclusive no que à obtenção da prova diz respeito e que esta tutela, ao abrigo da CRCV, cabe a órgãos judiciais.

Não desconsiderado que a fase da investigação (instrução) é dirigida pelo Ministério Público (MP), que é autónomo em relação ao poder judicial, e que a responsabilidade da investigação pertence, na instrução, exclusivamente ao MP, entende S.E o PR que a intervenção de um juiz na fase da investigação faz-se necessária sempre que estejam em causa actos que interfiram com direitos fundamentais das pessoas, ainda que subordinada a uma intervenção provocada pelo MP. Perante o desenvolvimento das estruturas policiais, das técnicas de investigação, dos mecanismos como meios de vigilância electrónicos, sistemas informáticos de controlo de dados, de uma séria de novas realidades que acabam por conflituar com o direito das pessoas e que, por isso, exigem um controlo mais apertado.

O Presidente da República considera que o juiz tem uma função garantística na fase da instrução que é absolutamente essencial, pois só uma entidade independente, imparcial e descomprometida com a titularidade da acção penal pode garantir, de forma totalmente livre, o controlo da legalidade das investigações e o respeito pelos direitos, liberdades e garantias das pessoas. O MP, enquanto titular da acção penal, por um lado, e tendo em conta a natureza restritiva de direitos fundamentais das medidas em causa, por outro lado, não pode cumular, com objectividade, as duas competências, sob pena de ser um “juiz em causa própria”.

Defende o Presidente da República que o exercício de todas as funções materialmente jurisdicionais até a remessa do processo para o julgamento só possa caber ao juiz, como por exemplo, as medidas que contendam com os direitos, liberdades e garantias. Assim, ainda que as acções encobertas se desencadeiem na fase da investigação, para garantia dos direitos, liberdades e garantias do suspeito ou arguido, é necessário que seja o juiz a autorizar ou a validar a realização de acções encobertas, não bastando uma simples comunicação ao juiz de que o MP as autorizou.

Pelas mesmas razões, sérias reservas apresentou também S.E. o PR relativamente à validade do material probatório resultante de acções encobertas realizadas na fase de instrução não autorizadas ou validadas por um juiz. Os interesses do processo criminal encontram limites na dignidade humana e nos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático, não podendo valer-se de actos que ofendam direitos fundamentais básicos, razão pela qual são nulas as provas obtidas com ofensa da reserva da intimidade da vida privada, não podendo tais elementos ser valorados no processo, a não ser que a actuação tenha sido efectuada com intervenção (autorização) judicial, seja considera necessária e proporcional.

Face a estas dúvidas, a 28 de Março do corrente, S.E. o PR, usando da competência conferida pelos artigos 135.º, n.º 1, alínea r) e 278.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República (CRCV), requereu ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da constitucionalidade do artigo 2.º da Lei submetida a promulgação, em especial da parte em que altera o artigo 14.º da Lei de Investigação Criminal, Lei n.º 30/VII/2008, de 21 de Julho.

O Tribunal Constitucional pronunciou-se, por unanimidade, pela inconstitucionalidade do artigo 2.º do acto legislativo de alteração da Lei de Investigação Criminal na parte em que altera o seu artigo 14 por violação da garantia de controlo judicial de acto ou omissão que viola direito, liberdade ou garantia do arguido e do direito geral à privacidade e das garantias associadas de protecção ao domicílio, correspondência, comunicações e dados pessoas, mas também por violação da garantia contra a não incriminação e dos direitos à vida e à integridade pessoal. Estes, respectivamente, por atentar contra a garantia constitucional processual penal de não autoincriminação e, em última análise, contra o próprio direito ao silêncio do arguido, a não ser mediante autorização judicial, bem como por implicar riscos de vida e à integridade física (e moral) de agentes de investigação e de terceiros que carecem de autorização de um poder independente que efective uma ponderação perante os interesses em presença.

Pelo exposto, S.E o Presidente da República, com base no disposto no n.º 3 do artigo 279.º da Constituição da República, vetou, hoje, dia 18 de Abril, por inconstitucionalidade, o acto legislativo que procede à primeira alteração à Lei de Investigação Criminal, aprovada pelo Lei n.º 30/VII/2008, de 21 de Julho.