Discurso de S. E. o Presidente da República de Cabo Verde para a Conferência Internacional sobre a VBG

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Discurso de S. E. o Presidente da República de Cabo Verde para a Conferência Internacional sobre a VBG
15 de Maio de 2019

É com imenso prazer que vos damos as boas-vindas e vos acolhemos neste dia tão significativo em que se comemora o Dia Internacional da Família, efeméride que se reveste de extremo simbolismo tendo em conta o papel fundamental da família na afirmação plena do ser humano e no desenvolvimento de qualquer sociedade.

Infelizmente, o motivo que nos faz reunir aqui hoje, a chamada violência baseada no género, não é comemorativo, centrando-se num problema que afecta de modo peculiar as famílias, com consequências terríveis a diversos níveis, tanto da integridade física como da saúde mental. Não é uma situação particular do nosso país, constituindo uma das mais graves e constantes violações dos direitos humanos a nível mundial. Todavia, ultimamente, tem-se verificado um significativo agravamento desse tipo de violência no país, com situações lamentáveis de crimes violentos que deixam vários menores órfãos e famílias destroçadas. Tem-se também a percepção de uma certa normalização desse tipo de violência nas relações e entre os mais jovens, com o fenómeno de violência no namoro. Assim, apesar de se registar uma recente diminuição dos casos registados de VBG no país, essas situações aumentam o nível de alerta das autoridade, instituições e activistas sociais que intervêm nesse âmbito, bem como de toda a sociedade no geral.

É no sentido de enfrentar atempadamente este problema e contribuir para prevenir a vitimização de mais mulheres, homens, crianças e famílias que, pela importância que confiro às questões sociais, decidi, participar activamente da organização desta iniciativa da Associação Cabo-verdiana de Luta contra a Violência Baseada no Género (ACLCVBG).

Nesta jornada que conta com a parceria fundamental do Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade do Género (ICIEG) e o importante apoio da Cooperação Luxemburguesa em Cabo Verde, pretende-se promover uma reflexão aprofundada e procurar alternativas para a abordagem dessa problemática.
Agradeço, pois, a todos os que se uniram e apoiaram a concretização desta Semana de Reflexão que decorre de 13 a 17 do corrente mês, assim como desta Conferência Internacional durante estes dois dias.

A relevância que assume esta problemática implica uma sua denúncia, como grave distorção das relações humanas, a adopção de medidas preventivas, a protecção das vítimas e a punição dos que nela incorrem.
Mas a eficácia dessas abordagens depende do conhecimento profundo dessa realidade que hoje perpassa as diferentes sociedades, e, dentro delas, os diferentes extractos sociais.

Muito provavelmente, o comportamento violento dirigido às mulheres traduz mecanismos psicológicos profundamente arreigados na mente das pessoas e que tem encontrado abrigo em diferentes culturas.
Igualmente é muito provável que essa conduta seja simultaneamente o reflexo e uma forma de concretização de importantes disfunções sociais que tendem a secundarizar a mulher.

Temos a necessidade de conhecer cada vez melhor as diferentes facetas desta realidade que a todos deve envergonhar.
Não duvido que uma das vias para essa abordagem é a troca de experiências entre académicos, vítimas, profissionais e entidades públicas e da sociedade civil de diversas paragens.
É muito importante reflectir sobre a nossa realidade, conhecer a de outros países e culturas e comparar expêriencias, conhecimentos e perspectivas de soluções.
Interessa actualizar o diagnóstico em termos estatísticos, legislativos, das estruturas de atendimento e do conhecimento do impacto das políticas públicas na VBG, como propõem os organizadores.
Por outro lado, é muito importante o conhecimento de experiências de outras realidades, a formação de profissionais e, sobretudo, a definição de caminhos e a elaboração da Carta-Compromisso.
Por todas estas razões, em conformidade com a importância que atribuo a esta dolorosa questão e, na sequência de uma declaração pública a respeito da violência baseada no género, acolhi a proposta de participação na organização desta importante Conferência Internacional.
Saúdo a Associação Cabo-Verdiana de Luta Contra a Violência Baseada no Género pelo importante trabalho que tem realizado nessa área particularmente crítica e todos os participantes nesta importante jornada e, de forma muito particular, os convidados que vieram de outros países partilhar connosco os seus conhecimentos e práticas.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,
No nosso país, o problema fundamental não se centra no quadro jurídico, porquanto, ao longo dos anos, se tem adoptado um conjunto de medidas legais que promovem a igualdade do género, designadamente no Código Laboral, no Código Civil, na Lei Especial Contra a VBG, assim como com a entrada dos princípios da CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de Todas As Formas de Discriminação Contras as Mulheres) na ordem jurídica interna.
De referir, ainda, que, também, está em fase adiantada de debate a chamada “Lei da Paridade”, promovida pela Rede Cabo-verdiana das Mulheres Parlamentares e os diversos parceiros sociais.
O maior problema mantém-se a nível das práticas, particularmente familiares, mas também em outros contextos, mormente nos contextos laborais.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Os dados nacionais mais recentes apontam para a manutenção de desigualdades de género que favorecem a dita violência baseada no género.
As mulheres e meninas (cerca de 89%), continuam numa situação socioeconómica mais vulnerável. São mais afectadas pelo desemprego e pelo emprego precário e informal, assim como pela pobreza, particularmente nas zonas rurais. Continuam a ser as grandes responsáveis pelas tarefas domésticas ou familiares e de cuidado dos dependentes.
De um modo geral, tem-se registado uma evolução positiva a nível da participação política, mas aquém das expectativas, uma vez que, por exemplo, a participação das mulheres no Parlamento Nacional não é ainda satisfatória, sendo inferior a 25% e tendo a participação de mulheres no poder executivo diminuído de 55% para 25%.
Contudo, o Programa do Governo de Cabo Verde (2016-2021) assinala a importância de atingir e efectivar a igualdade de género, tida como um dos pilares fundamentais para o crescimento económico e social nacional, no âmbito dos compromissos assumidos na esfera nacional, bem assim, com o intuito de atingir os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com especial atenção ao cuidado dos dependentes (crianças, idosos e pessoas com deficiência) nas políticas públicas de inclusão social e de apoio às famílias. Nesse sentido, concluiu-se recentemente a execução do Plano Nacional para a Igualdade de Género 2015-2018, com o objectivo de “contribuir de forma integral para a promoção da igualdade de direitos, deveres e oportunidades para homens e mulheres e ao empoderamento das mulheres”.
É de se destacar também a criação, desde 2012, e a consolidação de um Sistema Nacional de Indicadores de Género, assim como do Observatório de Género, com a parceria do ICIEG, da ONU Mulheres e do Instituto Nacional de Estatística, que permitem um melhor acompanhamento, a avaliação e a criação ou reformulação das políticas e programas de promoção da igualdade do género em Cabo Verde.
Nesta linha é de louvar a inclusão, pela primeira vez, de um módulo sobre a VBG no III Inquérito Demográfico e de Saúde Reprodutiva de 2017.
Igualmente, os gabinetes, centros e redes de apoio às vítimas, formais e informais têm preenchido as lacunas, existentes nesse âmbito, no país.
Contudo, a mulher continua a ser o rosto da pobreza no país, do desemprego e trabalho precário, do trabalho doméstico e dos cuidados dos dependentes, da vitimização por este tipo de violência e de muitos crimes sexuais no geral, havendo uma percepção de relevante insegurança entre as mulheres.
No entanto, nalguns sectores da sociedade, tende-se a minimizar essa realidade, a pretexto dos inegáveis avanços já verificados.
Esta situação não será alterada sem o envolvimento de homens e rapazes nesta causa e a realização, cada vez mais, de acções de promoção das chamadas masculinidades positivas.
Nesse âmbito, destacam-se a acção extremamente relevante da “Rede de Homens pelo Fim da Violência Baseada no Género – Laço Branco”, e do “Programa de Reinserção de Homens Arguidos por Violência Baseada no Género”.
Tais acções evidenciam a necessidade de se actuar em diversas vertentes, complementando a punição com uma verdadeira responsabilização que permita a consciencialização do problema pelo próprio agressor, a sua mudança comportamental e potencial recuperação.
No ano de 2015, liderei um movimento no país de mobilização de rapazes e homens para o combate à violência e todo o tipo de discriminações das mulheres, enquadrado no Projecto da ONU Mulheres denominado “He for She” (Eles por Elas), durante o qual promovi o debate sobre essa problemática.
Os resultados foram muito positivos, tendo-se ultrapassado a meta da mobilização de cinco mil subscrições de rapazes e homens para a causa.
É fundamental reforçar acções de diálogo e educação desse grupo-alvo para que se verifiquem alterações substanciais neste domínio.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
A proteção das vítimas continua na ordem do dia, sendo necessária uma maior atenção à protecção das vítimas, permitindo uma atempada e adequada assistência social, psicológica e financeira que proporcione as condições para a cessação do ciclo de violência, a supressão das necessidades básicas, materiais e imateriais, e a reorganização de uma vida digna para as vítimas.
Para isso, é fundamental que o compromisso com esta causa seja efectivamente traduzido em programas sustentáveis e em estruturas verdadeiramente funcionais e eficazes, acompanhadas de respostas judiciais adequadas e em tempo útil, capazes de proporcionar a necessária justiça para os que sofrem esse tipo de violações dos direitos humanos.
Não duvido que as reflexões sobre essas questões serão aprofundadas neste evento e que contribuições importantes serão produzidas.

Minhas Senhoras e Meus Senhores;
Como é do vosso conhecimento, celebra-se hoje o Dia Internacional da Família sob o lema “Família e Acção Climática: foco no Objectivo de Desenvolvimento Sustentável 13.
As alterações climáticas são outra grande ameaça à família, às sociedades e ao planeta, pelo que é fundamental a união de todos no controlo dessas alterações que já estão criando sérias dificuldades às famílias, nomeadamente nos Estados insulares e de pequenas dimensões como Cabo Verde.
Assim, aproveito a oportunidade para exortar o Governo, no quadro das importantes políticas sociais e acções que vêm sendo desenvolvidas nos serviços mais próximos das famílias mais vulneráveis por forma a prestar-lhes apoio adequado e atempado e acompanhar o seu processo de desenvolvimento, auxiliando-as na sua subsistência e fortalecimento.
É na família que a maior parte dos males sociais tem origem e é também nela que reside a força maior para os combater.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Faço votos para que esta conferência seja muito bem-sucedida e que produza resultados efectivos para enfrentar esse problema social, e que, eventualmente, sejam desenvolvidos modelos que possam ser reproduzidos em outros contextos, sendo certo que não poderá haver verdadeiro desenvolvimento no nosso país, ou em qualquer sociedade, sem a inclusão social, a protecção dos mais vulneráveis ou discriminados e uma cultura de paz e de cooperação humana.
Acima de tudo, que, juntos, possamos evitar a perda de mais vidas, a destruição de famílias e todos os males daí subsequentes. E que, juntamente com as famílias, possamos enfrentar esses males com optimismo e determinação.
Declaro aberta esta Conferência Internacional sobre a violência baseada no género.