O Presidente da República, José Maria Neves, acaba de ser agraciado com a prestigiada distinção do Gra de Prémio MEdays 2023, do Instituto Amadeus, com sede em Marrocos. José Maria Pereira Neves junta-se, assim, a um selecto grupo de personalidades de dimensão africana e mundial, que receberam tal distinção pelo seu contributo para o desenvolvimento dos países do Sul, ou que tenham um valor acrescentado real na melhoria das relações Norte-Sul ou Sul-Sul.
Até 2019, os principais vencedores foram a Sua Majestade o Rei Mohammed VI, Prémio MEDays de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, MEDays 2009; Macky Sall, Presidente do Senegal, 2019; Paul Kagamé, 2015; Mehdi Jomaa, antigo Primeiro Ministro da Tunísia, 2014; Diouncounda Traoré, antigo Presidente interino do Mali, 2013; Abdullah Abdullah, antigo Líder da Oposição Afegã, 2010 e Morgan Tsvangirai, antigo Primeiro Ministro do Zimbábue, 2008.
O PR Neves que presidiu a cerimónia de encerramento desta 14a edição do MEDAys, sublinhou em seu discurso a uma reflexão sobre as várias crises político-militares e sociais atuais no continente, associando-se ao esforço global em busca das melhores soluções para estes grandes desafios do continente. O PR põe a tónica na capacidade africana de resolver os seus desafios, apostando na formação e valorização dos quadros africanos para um “Renascimento africano”.
Leia, aqui, o discurso de Sua Excia. o PR:
Distintos Participantes,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Começo por agradecer pela oportunidade de, neste Fórum, e em nome de Cabo Verde, poder compartilhar convosco a visão de um Pequeno Estado Insular em Desenvolvimento.
As crises mais recentes – nos finais do século XX e nas decorridas duas décadas do século XXI – provocaram sérios abalos na ordem mundial, já de si com muitas fissuras. A queda do Muro de Berlim e, na sequência, o desmoronamento do bloco socialista; a primeira guerra do Iraque; o 11 de Setembro, a guerra do Afeganistão, a segunda guerra do Iraque, a crise financeira de 2007/2008, a “primavera árabe”, a guerra contra o terrorismo, são alguns dos ingredientes a se ter em conta no desenho desta nova ordem mundial em gestação.
Para ser uma tempestade perfeita, há ainda que acrescentar as consequências da pandemia da Covid-19 e da guerra na Ucrânia, os efeitos catastróficos das mudanças climáticas, os focos de conflitos – um pouco por todo o mundo – incluindo o nosso continente, as migrações, entre outras causas. As inferências em África vão da insegurança alimentar às situações de conflitos e instabilidade, não raras vezes, réplicas de choques entre as grandes potências e os respetivos aliados e estados-satélites.
Apesar de uma ou outra experiência de sucesso, e de alguma resiliência ao impacto da Covid-19, esta sucessão de eventos adversos apanhou a África em contrapé, revelando as suas fragilidades antigas, com muitos desafios relacionados com a governabilidade, segurança, problemas de terrorismo no corredor do Sahel ou ataques jihadistas, secessão, golpes de Estado, rebelião armada enfrentada pela Etiópia na região do Tigray, ou mesmo a pulverização da Líbia.
Lamentavelmente, o retrato atual é o de um continente pouco relevante na cena internacional, que enfrenta problemas de insegurança alimentar, sem soberania sanitária e sem soberania energética. No caso dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, como é o caso de Cabo Verde, as suas especificidades implicam desafios acrescidos e que demandam por soluções urgentes, pois são mais suscetíveis ao impacto de choques externos, económicos, climáticos, geopolíticos ou de outra natureza, ao que se junta a impossibilidade de beneficiarem de projetos exequíveis apenas nos países continentais.
É consensual a consciência da necessidade de mudança, tendo na mira o longo prazo, e criando as próprias soluções para o futuro. Potencialidades e capacidades existem – nós não acreditamos na “maldição dos recursos naturais” e nem podemos justificar e lamentar tudo o que corre mal, como sendo fatalidade ou resultante de fatores externos. Somos detentores de reservas hidráulicas, petrolíferas, de gás, carvão, e grande potencial solar e eólico. A África tem uma disponibilidade de 60% das terras aráveis do mundo e um clima favorável.
Felizmente o continente tem diversas experiências, muito positivas, que devem ser replicadas. Urge agregar o contributo de todas as sensibilidades políticas e sociais e colocar todos os recursos do continente ao serviço do desenvolvimento. Temos de investir nas pessoas e apostar fortemente no reforço e consolidação das instituições, na governabilidade e na boa governança. A população é jovem, dinâmica e talentosa.
Já está demonstrada a capacidade para a produção de vacinas e outros medicamentos, no nosso continente, o que pode indicar o caminho para a soberania sanitária, evitando as contingências atuais, como ficou patente durante o período mais agudo da pandemia da Covid-19. Ou seja, temos que ser capazes de transformar crises em oportunidades.
O aumento de preços dos produtos petrolíferos, na sequência da guerra na Ucrânia, deve igualmente engatilhar medidas tendentes a se atingir a soberania energética. A imensa diáspora – detentora de recursos estratégicos –, deve ser mobilizada, aproveitando os seus conhecimentos, capacidade e investimentos inovadores.
A agricultura tem sido geralmente negligenciada, sendo que a taxa de produtividade é relativamente baixa, predominando a agricultura de subsistência. Trata-se de uma realidade que carece de transformação, associando a agricultura – que deve ser industrializada –, ao agronegócio, e aumentando a produtividade. Modernizar a agricultura de pequena escala é uma prioridade, devendo-se estabelecer uma aliança entre agricultura e industrialização. Quer dizer que a África tem que acrescentar valor sobre tudo o que faz (incluindo a agricultura), não podendo basear a sua economia apenas no comércio de matérias primas. Ela deve ser capaz de determinar os preços dos seus produtos agrícolas, como por exemplo, do cacau.
A “Nova Fronteira do Renascimento Africano” passa, forçosamente, pela aposta nas energias renováveis e na transição energética, pela economia azul e uma industrialização verde. As alterações climáticas exigem um aumento de investimentos na ciência e nos serviços relacionados com o clima. Há que cuidar igualmente da transição digital.
Do mesmo passo, há que apostar no diálogo e na cooperação inter-africana para estabelecer sinergias e criar mais resiliência.
É preciso melhorar a liderança e a governança, reforçar a capacidade africana de prevenção e gestão de conflitos e apostar fortemente na diplomacia preventiva.
Constata-se a necessidade de reformas profundas a nível dos diferentes países, de modo a garantir liberdade e democracia, ingredientes importantes para a paz e o desenvolvimento e a naturalização da diversidade dentro dos diferentes países.
Será determinante o incremento de políticas públicas capazes de responder às expetativas das mulheres e dos jovens, que têm uma enorme ânsia pelo desenvolvimento. É imperioso o investimento na formação e na educação e na criação de emprego jovem. Para que a África não seja minimizada e deixada para trás, cumpre a nós, líderes, termos consciência clara dos desafios que se nos colocam, e correspondermos à altura. É óbvio que muitas coisas terão que mudar. Temos que ser mais efetivos e não ficar apenas no domínio das intenções.
Para o cabal cumprimento da agenda 2063 e da “África que queremos”, a África precisa implementar um sistema de governança multinível, com responsabilidades partilhadas e uma divisão de trabalhos com uma hierarquia de especializações entre a União Africana, as organizações regionais e os Estados membros.
A Zona de Comércio Livre Continental Africana é uma excelente oportunidade de reforço e consolidação da integração continental, capaz de impulsionar o comércio intra-africano, faltando, no entanto, a sua efetividade.
Enfim, acredito que África dispõe de recursos, talentos e imaginação para ser um dos mais importantes atores políticos e económicos deste Século XXI.
Para concluir, diríamos que no período em apreço, estas crises provocaram uma transfiguração, tanto em África como no mundo, implicando, por isso, a ocorrência de mudanças globais e o rearranjo das placas tectónicas. Destaca-se a tendência de o grupo dos G7 alargar-se para os G20; a ascensão de novas potências económicas e a emergência dos BRICS.
As Nações Unidas denotam necessidade de reformas, nomeadamente no Conselho de Segurança, de modo a refletir a realidade atual e ter a África ali representada. É cada vez mais premente a necessidade do reforço do multilateralismo, pelo potencial que encerra na construção e entrega dos chamados bens públicos globais, quais sejam, a Paz e Segurança, os Direitos Humanos e o Desenvolvimento Sustentável.
Para terminar, quero agradecer ao Instituto Amadeus pela forma calorosa como nos tem acolhido, a mim e à delegação que me acompanha, bem como felicitar pela excelente organização desta 14 edição do Fórum MEDays e pela persistência e contínuo sucesso deste importante Fórum Africano.
Agradeço, igualmente, pela atribuição do Prémio MEDays 2022, que muito me honra. Julgo que mais do que um reconhecimento à minha pessoa, é um tributo à resiliência do povo cabo-verdiano.
Bem hajam e muito obrigado!