Discurso de Sua Excia. Presidente da República, Dr. José Maria Neves, por ocasião do ato de homenagem ao Governo e deputados da 1° Legislatura

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Excelências

Presidente Pedro Pires,

Senhores Antigos Deputados da Nação,

Senhores Membros do Primeiro Governo da República,

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Neste dia de memória e reconhecimento, a República recolhe-se num gesto de respeito. Evoca os seus fundadores, honra o seu legado e afirma, com gratidão, o percurso trilhado até aqui.

Passados cinquenta anos sobre a proclamação da nossa Independência, prestamos sentida homenagem à geração fundadora — aqueles que, com coragem moral, visão estratégica e profundo sentido de missão, aceitaram o inédito desafio de edificar um país a partir do essencial: da vontade colectiva de um povo de ser livre, digno e soberano.

A 30 de Junho de 1975, num momento carregado de simbolismo e densidade histórica, foi eleita a primeira Assembleia Nacional. Pela primeira vez, cidadãos cabo-verdianos, investidos de autoridade política, assumiam a nobre incumbência de representar o povo e de traçar, com mãos próprias e vontade soberana, os alicerces da República em gestação.

E a primeira reunião dessa Câmara de Representantes do Povo realizou-se, neste Salão Nobre dos Paços do Concelho da Praia, no dia 4 de Julho de 1975, às 16H30, tendo escolhido Abílio Duarte como seu Presidente.


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A esses eleitos foram confiadas duas missões decisivas: proclamar a Independência da República de Cabo Verde e aprovar, no prazo de noventa dias, a sua Constituição. A primeira foi cumprida com elevação e solenidade a 5 de Julho de 1975, data emblemática da nossa autodeterminação. A segunda, por diversas circunstâncias, apenas se concretizaria cinco anos mais tarde, com a entrada em vigor da primeira Lei Fundamental, em Setembro de 1980.

Entretanto, foram lançadas as bases do novo Estado soberano. Aprovou-se a Lei da Organização Política do Estado (LOPE), que consagrou o PAIGC como força dirigente da sociedade. Foi eleito o Presidente da República e, sob sua proposta, designado o Primeiro-Ministro.

Constituiu-se, então, o primeiro Governo de Cabo Verde — um colectivo de doze cidadãos – liderados por Pedro Pires e animados por um invulgar espírito de entrega -, que abraçou a missão de lançar os alicerces de uma nova ordem política, social e económica. As prioridades, bem delineadas, centraram-se na segurança alimentar, na construção de um sistema nacional de saúde e na valorização do capital humano, expressa na aposta firme na democratização do ensino e na generalização do acesso à educação básica.  

Um autêntico programa de reconstrução nacional, alicerçado na justiça social e na dignidade intrínseca da pessoa humana, que visava erguer, com firmeza e clarividência, os fundamentos de um Estado funcional e coeso, e lançar, desse modo, as bases estruturantes do processo de desenvolvimento do país — alavancado, desde os primeiros instantes, por


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uma cooperação internacional solidária, esclarecida e profundamente comprometida com o sucesso do projeto cabo-verdiano.

Importa sublinhar, com o devido destaque, que entre os eleitos figurava apenas uma mulher — a distinta Deputada Isaura Gomes — cuja presença se impôs como símbolo precoce, mas firme, do papel imprescindível das mulheres cabo-verdianas na construção da República.

O percurso de Cabo Verde tem sido notável. Em 1990, quinze anos após a conquista da soberania, o país protagonizou uma transição política exemplar, pacífica e civilizada, do sistema de partido único para um regime de democracia representativa — processo que constitui, ainda hoje, motivo de legítimo orgulho nacional.

Desde então, sucessivas gerações de cabo-verdianas e cabo-verdianos, oriundos dos mais diversos quadrantes ideológicos, sociais e institucionais — com ou sem filiação partidária — têm contribuído para o aprofundamento do Estado de Direito democrático, o reforço das instituições, o progresso económico e a consolidação de uma cultura cívica e participativa.

Esta homenagem reveste-se, pois, de profunda carga simbólica, mas também de inquestionável densidade substantiva. É um acto de justiça histórica e, simultaneamente, uma reafirmação serena e convicta da missão colectiva que nos une enquanto povo e enquanto Estado soberano. Valorizar o percurso feito — com as suas conquistas, transições e consensos — é condição essencial para melhor projectarmos o futuro.


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Este momento é igualmente um apelo à participação ativa de todos os setores da sociedade, à superação de clivagens artificiais e à convergência em torno do interesse nacional. Independentemente das diferenças ideológicas e políticas, todos fazem falta: partidos, sindicatos, organizações da sociedade civil, cidadãs e cidadãos comprometidos com o destino colectivo da Nação.

Porque a história de Cabo Verde é, acima de tudo, a história da sua coesão — de uma Nação dispersa, mas unida; feita de ilhas e de comunidades espalhadas pelo mundo, mas movida por um só propósito; forjada na adversidade, mas sustentada pela solidariedade e pelo sentimento de pertença das suas gentes.

A coesão nacional tem sido o cimento silencioso da nossa estabilidade, da nossa democracia e da nossa resiliência.

É esse capital — feito de unidade, pertença e compromisso — que importa preservar, aprofundar e projetar.

Porque a República constrói-se com todos. Por todos e para todos.

Hoje, Cabo Verde curva-se diante daqueles que, com firmeza e espírito visionário, lançaram as primeiras pedras da nossa casa comum.

A Nação exprime a sua mais profunda gratidão.

A República rende justa homenagem.

E a História regista — com respeito e reverência — o vosso legado.

Muito obrigado pela vossa atenção.