Ilustres Convidados,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
É com satisfação que aceitei o convite para proferir esta comunicação, na primeira Leadership Summit Cabo Verde. Agradeço à organização por esta oportunidade de poder compartilhar algumas ideias, e espero que a Cimeira seja coroada de sucessos.
Congratulo-me com o facto de o tema escolhido, “Nova Liderança Digital”, demonstrando plena sintonia com os desafios do presente e do futuro.
Hoje, mais do que nunca, necessitamos de líderes inteligentes, em todos os domínios, para enfrentarem uma realidade muito diversa de tudo o que era conhecido, previsível, ou que foi teorizado. A nível dos governos e das organizações, o papel das lideranças nunca foi tão crucial.
Na era das disrupções, imprevisibilidades e caos, as lideranças têm de ser capazes de apreender rapidamente as demandas e as exigências dos ambientes contextuais e articular estratégias para respondê-las com razoável grau de eficácia. Tudo muda todos dias, o planeamento estratégico é reconstituído diariamente. Os caminhos, os ritmos e as respostas de ontem podem já não ser eficazes hoje. Os ambientes negociais e contextuais são cada vez mais subversivos e os sistemas organizacionais cada vez mais complexos.
Em processos socio-organizacionais muito complexos, como os que experienciamos, não raras vezes, as respostas são assustadoramente simplistas. Isso é mais evidente no campo político, onde os antiliberais e populistas, apresentam propostas simplistas e radicais para problemas muito complexos, mas que rapidamente, face ao descontentamento gerado pelo fraco desempenho dos sistemas políticos, mobilizam franjas significativas da sociedade e dos cidadãos eleitores, chegando mesmo a ganhar eleições. No poder, face à complexidade da governança, acabam por soçobrar em consequência de um desempenho absolutamente sofrível.
Em sistemas complexos, as respostas não podem ser simplistas, devem, isso sim, estar à altura da complexidade ambiental e do nível das exigências e das demandas. Tais processos complexos requerem uma grande inteligência adaptativa e uma enorme capacidade de inovar, ou seja, de transformar positivamente os sistemas organizacionais, a formação das decisões e a forma de fazer as coisas.
Nos processos de mudança atuais, do conceito de “destruição criativa”, estaremos a evoluir para um conceito de “inovação disruptiva”.
Com efeito, a inovação é o principal argumento competitivo e um importante acelerador das transformações. Estas resultam das sinergias que são geradas pela evolução do conhecimento. À medida que os diferentes domínios da ciência e da tecnologia abatem as fronteiras e estabelecem pontes entre si, geram-se formas colaborativas que tornam possíveis novas descobertas.
A biotecnologia e as tecnologias informacionais têm sido uma fonte inesgotável de inovação e têm potenciado transformações drásticas em muitas áreas.
As mutações nos mercados e nas tecnologias são, por sua vez, os principais motores de transformação nas estruturas, nos processos e nas estratégias empresariais.
Pressões constantes para inovar produtos e processos, e para responder a mudanças radicais obrigam ao ajustamento permanente das estratégias e dos modelos de atuação, a gerir ciclos contínuos de transformação e a desenvolver novas competências.
As lideranças estão no olho do furacão destas decisões, e tempos disruptivos requerem lideranças disruptivas. As lideranças do Século XXI têm que ser inteligentes, pre-ativos, pragmáticos e inclusivos. Glosando Ortega y Gasset, diria que, hoje mais do que nunca, o líder tem de ser ele e as suas circunstâncias.
Se a mudança é o processo pelo qual o futuro invade as nossas vidas, essa invasão tem sido, na verdade, avassaladora e surpreendente, revolucionando todas as dimensões da sociedade e das nossas vidas.
As empresas são um bom exemplo de como a mudança destrói e abre novos caminhos. Para exemplo, das 500 maiores corporações da Fortune, em 1955, subsistem, hoje, menos de meia centena, e apenas três se mantêm no top 10. As outras, faliram, foram objeto de fusões, ou saíram do ranking. Na maior parte dos casos, são organizações que falharam porque não foram capazes de adaptar-se às radicais mudanças ambientais e organizacionais no seu setor de negócio.
Outrossim, tem havido a desestruturação do campo político, com o definhamento ou desaparecimento de partidos de direita e de esquerda moderados, em vários países desenvolvidos com largas tradições democráticas. Há algum cansaço das instituições e a politics está em crise. As organizações da governança global também se ressentem da sua profunda inadequação estrutural às dinâmicas sociopolíticas da atualidade. A ordem mundial está a transfigurar-se. A crise financeira de 2008, a pandemia da Covid 19 e a guerra geo-estratégica da Ucrânia têm tido consequências avassaladoras nos processos produtivos, na formação de preços, no mercado de trabalho e no campo geopolítico e nas relações internacionais. As redes sociais estão a pôr em crise as instituições tradicionais de intermediação, como os órgãos de comunicação social, os partidos, os sindicatos, as igrejas, as escolas e as universidades. Está tudo a mudar, à velocidade da luz.
Entretanto, no horizonte, colocam-se já novos desafios com enorme potencial disruptivo. É o caso, por exemplo, da inteligência artificial, que vai obrigar-nos a redesenhar os cargos, a redefinir os processos decisórios e a fazer uma autêntica reengenharia da organização do trabalho.
Neste domínio, pode-se referenciar o governo da Roménia, que já recorre à ajuda de inteligência artificial para governar, sendo o primeiro país a indicar, neste mês, um robô como assessor do governo. Podemos antecipar um tempo próximo em que robôs realizam estudos, elaboram pareceres, fazem leis e escrevem discursos e notas de imprensa dos governos; tempo próximo em que robôs dão aulas nas universidades e escrevem teses de doutoramento.
Acrescenta-se, igualmente, a evolução da internet das coisas, que abre novas perspetivas à nossa relação com o real. E, também, a tecnologia blockchain que nos obriga a repensar o conceito de confiança nas relações de mercado.
Neste mundo ambíguo, imprevisível e disruptivo, a liderança é necessariamente contingencial. Não há estilos predeterminados. Sendo, a um tempo, arte e ciência, ela tem uma dimensão ilógica, irracional e intuitiva, mas requer, também, um conjunto de capacidades cognitivas, analíticas, de relacionamento interpessoal e emocionais.
A nova ordem mundial em formação requer lideranças visionárias e catalisadoras dos processos transformacionais em curso.
Em todos os momentos decisivos da história da humanidade, surgiram lideres ou personalidades excecionais que acabaram por inventar um futuro radicalmente novo e que revolucionaram o mundo.
Karl Jaspers, no seu majestoso livro Os Mestres da Humanidade, considera que houve, entre os anos 800 e 200 antes de Cristo e em diversas áreas geográficas distantes e aparentemente sem conexões entre si – Índia, China, Pérsia, Grécia e Israel –, graças ao relevante papel de “figuras determinantes e decisivas” como Buda, Confúcio, Zaratustra, Sócrates, Platão e profetas como Isaías e Jeremias, que abriram caminho a Jesus, uma profunda e radical mudança na consciência humana. “Nesta época constituíram-se as categorias fundamentais com que hoje pensamos e tiveram inicio as religiões mundiais das quais os homens vivem ainda hoje”.
No seu livro O Mundo Pós-Americano (2008), Fareed Zakaria expõe-nos as expedições marítimas realizadas pelo Almirante Zheng He, no primeiro terço do Século XV, 87 anos antes de Cristóvão Colombo, as quais trouxeram poder e glória à Dinastia MING. Com a ascensão de um novo Imperador, nos anos 30 deste século XV, e as dissensões no seio da elite chinesa, esse audacioso projeto de descoberta de novos mundos é descontinuado, deixando espaço aos navegadores ocidentais que continuaram a aventurar-se pelos mares da Índia e da China, com as consequências geo-estratégicas e geopolíticas que se conhecem e que prevalecem até aos dias de hoje. Basta analisar os posicionamentos e as movimentações políticas no xadrez internacional das grandes potencias mundiais, particularmente da China e dos Estados Unidos, no que se refere à Guerra na Ucrânia. Os novos líderes chineses de então não estiveram à altura dos desafios da época. Viraram a China para dentro, levando o Império do Meio à estagnação e à contínua perda de importância face ao ocidente.
Outros líderes como George Washington, Abraham Lincoln, Franklin Roosevelt, Winston Churchill, Kwame NKrumah, Léopold Sédar Senghor, Amílcar Cabral, Lee Kuan Yew, Ronald Reagan e Nelson Mandela, cujas lideranças lampejantes foram inspiradoras, adubaram profundas mudanças no curso da história dos seus países e da humanidade.
Christian Caryl, no seu livro Estranhos Rebeldes: 1979 – O Ano que Mudou o Mundo e o Nascimento do Século XXI (2014), explica como a ascensão ao poder de líderes como Deng Xiaoping (1978), na China, Khomeini (1979), no Irão, Margaret Thatcher (1979), no Reino Unido, e a escolha de Karol Wojtyla (Papa João Paulo II, 1978), da Polónia, como líder da Igreja Católica, provocaram mudanças sísmicas na geopolítica mundial.
Temos, do lado empresarial, a inspiração de líderes como Bill Gates e Steve Jobs. O Papa Francisco, cujo nome já é um programa, está a liderar, com sagacidade e sabedoria, a Igreja Católica do Século XXI, num ambiente contextual de enormes riscos e desafios para a Igreja Universal, particularmente no Ocidente.
No seu recente e celebrado livro “Mega-Ameaças” (2022), Nouriel Roubine apresenta-nos 10 grandes mega-ameaças que nos apoquentam na atualidade. “Ao juntá-las no mesmo sítio, conseguimos perceber como se sobrepõem e se reforçam mutuamente. Há ligações entre acumulação da dívida e ciladas de dívida, dinheiro fácil e crises financeiras, inteligência artificial (IA) e automação do emprego, desglobalização, conflitos geopolíticos entre grandes potências, inflação e estagflação, colapso de moedas, desigualdade de salários e populismo, pandemias globais e alterações climáticas. Tudo isso dificulta a nossa capacidade de dar resposta às outras. Uma única ameaça parece inquietante. Dez mega-ameaças a acontecer ao mesmo tempo são muito pior, muito pior”.
Na expressão seminal de Daniel Innerarity vivemos “tempos gasosos”. Nestes tempos, como escrevi no meu livro Nos Tempos de Pandemia (2020), “o mundo precisa de líderes amantes da liberdade, da tolerância e da moderação, da natureza e da vida. Líderes idealistas, inteligentes e transformadores, que sonham com um mundo melhor para todos e, com todos, num quadro de pluralismo, trabalham para a sua concretização. O ineditismo dos tempos próximos, a volatilidade e a ambiguidade da ecologia política e económica exigem sobretudo inteligência adaptativa dos líderes. Só lideres dotados de capacidade para aprender, em cada momento, as mudanças, e, na mesma velocidade, tomar as medidas que garantam a necessária adequação dos atores, das estruturas e das políticas terão sucesso”.
Nos seus 50 anos de independência, Cabo Verde fez razoavelmente bem o que tinha que fazer. Agora é tempo de dar o salto, de modernizar o país, de sofisticar a formação das políticas e de acelerar os processos de execução. Isto só é possível de formos capazes de transformar as vantagens comparativas e fontes de vantagens competitivas. Só com lideranças visionárias, estratégicas, inclusivas e catalisadoras de processos transformacionais poderemos realizar tais desiderandos. Somos um estado oceânico, temos enormes e inesgotáveis reservas de energias verdes, se fizermos a revolução digital e transformarmos Cabo Verde num Ciber Islands, podemos com certeza construir a ponte para o futuro e mobilizar todas as capacidades materiais e espirituais desta nação diaspórica para realizarmos a nosso sonho e cumprir Cabo Verde.
Muito obrigado.