DISCURSO PROFERIDO POR   S.E. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, DR. JOSÉ MARIA PEREIRA NEVES, POR OCASIÃO DA ABERTURA DO ATO CENTRAL DA COMEMORAÇÃO DO DIA DA MULHER CABO-VERDIANA E 42º ANIVERSÁRIO DA OMCV

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É com enorme prazer que aceitei o convite para presidir as atividades comemorativas do Dia da Mulher Cabo-verdiana e do 42º aniversário da Organização das Mulheres de Cabo Verde, OMCV. A Presidência da República associa-se, com entusiasmo, às cerimónias, acolhendo no Salão Beijing, este Ato Central, sob o Lema “OMCV, 42 Anos a Inspirar Mulheres”, compartilhando momentos de reflexão sobre uma trajetória de lutas e de vitórias. Aproveito esta oportunidade para felicitar as mulheres cabo-verdianas neste dia comemorativo a elas dedicado, e enaltecer a OMCV pelo seu trabalho ao longo destes anos.

Espero que a Conversa Aberta que se seguirá seja um momento inspirador, nomeadamente, reportando o importante papel da OMCV no empoderamento das mulheres cabo-verdianas. Aqui, rendo uma justa homenagem às fundadoras e pioneiras, que, pelo seu espírito visionário, exemplo e dedicação, se colocaram na linha da frente do caminho de progresso e de desenvolvimento que seriam trilhadas pelas nossas mulheres, homens e sociedade.

Ao longo dos séculos e em todo o mundo, as mulheres têm travado uma longa luta para conquistar, desde os direitos humanos mais elementares, com reflexos nos direitos civis e políticos, laborais, na educação, na saúde e na segurança social. As cabo-verdianas não ficaram para trás, e por cá foram igualmente protagonistas, ou estão associadas às mais belas páginas da nossa história, desde a invenção da língua materna, à liderança de grandes revoltas populares, à sua participação na luta de libertação nacional ou à entusiástica participação na construção do país e na fundação da Estado de Direito Democrático.  

As mulheres revelaram-se os pilares mais sólidos da nossa cultura e da nossa identidade, tendo contribuído de forma decisiva para a formação da Nação. Nas últimas quatro décadas, a OMCV é também tributária da crescente importância e da progressiva valorização da mulher na sociedade cabo-verdiana.

Hoje, podemos celebrar a presença feminina em todas as áreas profissionais, chegando a dominar em vários setores. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, de 2020, publicados em outubro do ano passado, nos alojamentos e restauração, a representação é esmagadora, de 98% dos empregados; na saúde, com 77% dos profissionais, a sua contribuição na estruturação e crescimento do Sistema Nacional de Saúde (SNS) e, consequentemente, nas lutas contra as epidemias e outras doenças, ultimamente, no combate à Covid-19, foi decisiva; paradoxalmente, tal como no turismo, as que labutam no setor informal, quase em regime de exclusividade, como são os casos da venda ambulante ou nos mercados, foram também as que mais duramente foram penalizadas por esta pandemia.

Há um dado estatístico, revelando que no setor da educação, 61% dos profissionais são mulheres. Mas o que seguramente será motivo de júbilo para elas, mas que deve merecer uma reflexão da nossa parte, ou seja, dos homens, é o seguinte: a população estudantil é maioritariamente feminina; elas são as melhores alunas; a escolaridade média das meninas é superior à dos rapazes; e 56% de jovens entre 25 e 35 anos com formação superior são mulheres. Isso chama-nos atenção para as dissimetrias que se vão criando entre rapazes e meninas, a favor destas, o que demanda de todos, adentro da ideia da igualdade e equidade de género, desde já, uma atenção especial à educação dos rapazes.

Em contrapartida, e infelizmente, temos as outras estatísticas, aquelas que nos preocupam, como sociedade. Elas dizem-nos que a pobreza tem um rosto de mulher, realidade que piorou especialmente com a Covid-19, e que se agravou com as consequências da guerra na Ucrânia. Este conflito traduziu-se num aumento do desemprego feminino, com destaque para o setor do turismo, particularmente nos alojamentos e restauração.

Vale mencionar que a situação de pobreza atinge mais as mulheres rurais (cerca de 45%) e menos as mulheres urbanas (aproximadamente 26%). Outro dado que chama a nossa atenção: 53% das mulheres trabalham em empregos informais, como vendedeiras ambulantes ou nos mercados, representando 94% do setor. Elas não estão inscritas no INPS, não dispondo, por isso, de assistência médica e medicamentosa.

Porém, definitivamente, os números que mais nos envergonham, são os relativos à Violência Baseada no Género, VBG. Trata-se de um enorme flagelo mundial, sem dúvida. E Cabo Verde não tem conseguido fugir dessas estatísticas. Segundo dados do INE, de 2018, 47% das mulheres entre 14 e 49 anos já foram vítimas de algumas das formas de VBG. Do total, apenas 40% procuram ajuda.

Não deixa de ser preocupante e incomodar o facto de larga maioria (60%) não denunciar essa lamentável situação. Devemos nos interrogar sobre os motivos que inibem essas mulheres de procurar por um atendimento. Por outro lado, tão grave como a VBG, é a agressão sexual, que atinge muitas meninas e mulheres do nosso país. Temos que dar um basta a todos esses casos, que são degradantes para elas e para eles, e mancham a imagem de Cabo Verde.

Em todos estes casos, se a mulher é vítima, logo, há um agressor daquela que é esposa, mãe, irmã, filha, prima, sobrinha, tia, vizinha, amiga, comadre, madrinha. A interrogação que se impõe é o que fazer com ele, ou seja, com o homem, para se quebrar este ciclo de violência. Há que adotar uma estratégia de trabalhar o comportamento dos homens, principalmente dos rapazes, no sistema de ensino, tendo em conta o adágio popular segundo o qual “é de pequenino que se torce o pepino”.

É preciso educar, na infância, para termos homens respeitadores. Acontece que os nossos rapazes acabam por ser vítimas de uma sociedade machista que lhes reserva o papel de “macho”, cabendo-lhes corresponder e desempenhar esse papel. Para se contrariar essa tendência, urge resguardar contra este tipo de comportamento, trabalhando a Educação para a Cidadania.

Para prevenirmos este tipo de ocorrência, devemos criar mecanismos para envolver mais homens nas discussões sobre a VBG, tendo sempre presente que é indispensável o contributo de todos. Trata-se de uma luta de toda a sociedade, homens e mulheres, de todas as gerações, condição social, em todas as frentes, num grande djunta mon, para eliminarmos a VBG e a agressão sexual. Exorto a todas e a todos a nos mobilizarmos para assumir e defender estas duas causas como sendo causas nacionais.

Mesmo com estas situações, que todos nós reconhecemos como não sendo abonatórias, o balanço global, se tomarmos como ponto de referência a data da Independência, é francamente positivo. Contabilizam-se progressos e vitórias assinaláveis, tanto no terreno, como pelas Leis entretanto aprovadas, incluindo a Lei da VBG e a Lei da Paridade.

Nunca me esqueço que o primeiro curso lançado em CV pelo Ministério da Saúde e Assuntos Sociais, na altura, foi um curso para aperfeiçoamento das parteiras. Não tínhamos médicos, não tínhamos enfermeiros, o trabalho era aperfeiçoar as parteiras para que as crianças nascessem em melhores condições e pudéssemos começar a reduzir a taxa de mortalidade infantil. Mais tarde foi a OMCV, de forma pioneira, que insistiu, concebeu, negociou, mobilizou recursos para o programa PMI-PF que hoje é Saúde sexual e Reprodutiva. Vejam o caminho que já percorremos, e vejam também o pioneirismo da OMCV. E os ganhos são evidentes, são enormes os ganhos que fomos conseguindo pelo caminho.

Mas, a constatação desta evidência nos atribui redobradas responsabilidades, nomeadamente, a obrigação de lutar com mais empenho para, neste século XXI, vencermos mais algumas batalhas. Já há mais mulheres na liderança de empresas, de instituições públicas e de organizações não governamentais. Já há muito mais mulheres na política e maior disponibilidade dos homens e mulheres para votarem indistintamente em homens e mulheres, desde que revelem visão, espirito de liderança e entrega ao bem comum. Mas a igualdade e equidade de género é uma luta de todos os dias. E estamos prontos para continuar a fazê-la, homens e mulheres, sempre de mãos dadas.

Para concluir, envio uma mensagem de felicitações a todas as mulheres cabo-verdianas, reforçando a confiança e a esperança no futuro, augurando que a multiplicidade de crises por que passamos, tenha servido para aumentar a nossa resiliência, para melhor enfrentarmos as adversidades. Declaro aberto o Ato Central das Comemorações do Dia da Mulher Cabo-verdiana e o 42ºaniversário da OMCV, que se celebra sob o Lema “OMCV, 42 anos a Inspirar Mulheres”. E espero que nos próximos 42 anos continuemos a inspirar, uns aos outros.

Muito obrigado!