DISCURSO PROFERIDO POR SUA EXCELÊNCIA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, DR. JOSÉ MARIA NEVES, NA ABERTURA DA SESSÃO SOLENE COMEMORATIVA DO DIA DO MUNICÍPIO DA PRAIA

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Assembleia Nacional, 19 de maio de 2023

Minhas Senhoras e meus Senhores, Caros Munícipes,

Nesta ocasião especial de comemoração do Dia do Município da Praia, aproveito o ensejo para felicitar todos os praienses e agradecer o Senhor Presidente da Câmara Municipal, Dr. Francisco Carvalho, e a Senhora Presidente da Assembleia Municipal, Dra. Clara Marques, pelo honroso convite para presidir a esta Sessão Solene.

É com imenso prazer que regresso a esta Casa para, juntos, celebrarmos o Poder Local e a Democracia.

Se tomarmos como marco a data da Independência, constatamos como foram enormes os ganhos do Município. Isto é mais evidente em relação à sua sede, a Cidade da Praia. Ela cresceu, albergando atualmente cerca de um terço da população de Cabo Verde e mais de metade dos residentes na ilha de Santiago. Aberta ao mundo, cosmopolita e competitiva, com pujança económica social e cultural, eis a Praia de hoje, mas que todos ambicionamos vê-la ainda mais desenvolvida e inclusiva.

Em novembro passado, no quadro da Presidência de Proximidade, foi-me possível sentir, de muito perto, o pulsar do Município, através de contactos mantidos com as autoridades locais, serviços públicos, operadores culturais e económicos, empresas, diversos setores da sociedade, bem como pelo contato direto com a população. Tive a oportunidade de observar, de perto, a realidade, os avanços e os desafios ainda por vencer.

Globalmente, posso asseverar, que vi muita coisa positiva. Convoco como exemplo o caso de Achada São Filipe. A convite de alguns líderes locais, desloquei-me a esse bairro situado a norte da cidade e pude apreciar o belíssimo trabalho, que eu chamaria de djunta mon, que está a acontecer aí, e que poderia ser replicado em outros bairros. Na sequência, efetuei uma visita ao bairro e assim consegui atestar, com mais detalhe, a labuta das gentes de Achada São Filipe com vista a realizar pequenos e grandes sonhos dos seus moradores.

Fiquei positivamente impressionado com tudo o que vi e achei por bem condecorar o bairro com a Medalha de Mérito, como reconhecimento dessa vivência e desse esforço, para também servir de estímulo para que mais bairros se inspirem num exemplo positivo e que pode fazer a diferença, para melhor, na vida dos seus residentes.

É muito gratificante verificar que a sociedade civil tem espírito de iniciativa e vontade, se organiza em prol de boas causas com vista à resolução dos seus problemas. Podemos ter a certeza de que os frutos serão positivos e que beneficiarão acomunidade.

Na abertura desta Sessão Solene, senti-me emocionado ao ver a apresentação dos adolescentes do Grupo Maracanã.

Há dias recebi o Grupo Maracanã no Palácio do Presidente, pude percorrer com eles a vida de Ponta D´Água e ver que, através de um comprometimento cívico muito forte de jovens, adolescentes e outras pessoas com mais experiência estão a fazer um autêntico milagre, a criar uma sociedade de mais paz, de mais amizade, de mais comprometimento com o desenvolvimento inclusivo do seu bairro. E a presença desses adolescentes aqui, hoje, a cantar é bem a prova do que podemos fazer em outros bairros. Penso que nesta cidade e em Cabo Verde precisamos de ouvir um pouco mais a voz das nossas crianças e ouvir um pouco mais a nossa música.

Também pude ver a homenagem que foi prestada ao Zé Mário. Esta homenagem ela é tocante, porque temos uma pessoa que se destaca positivamente pelo seu contributo para o crescimento espiritual desta cidade. É que às vezes prestamos apenas atenção ao crescimento material das nossas cidades, e nós precisamos crescer espiritualmente. Precisamos resgatar valores, bons valores, para nos inspirarmos neles e realizarmos as mudanças que têm de ser feitas. E, ao prestarmos estas homenagens, aprendermos a conviver, a estarmos juntos, apesar das nossas diferenças.

Ao longo dos últimos 32 anos, o Poder Local tem sido uma escola da Democracia e um dos seus pilares essenciais. Na sua materialização, temos que caminhar sempre no sentido de uma boa governança, não retroceder nas boas práticas e continuar a mitigar as dificuldades dos munícipes, principalmente daqueles que têm enfrentado mais obstáculos por via do desemprego e da pobreza.

A classe política é um extrato da sociedade, sendo, pois, pouco expectável que haja muita diferença entre duas coisas que emanam uma de outra. Porém, é nosso dever fazer o esforço que for necessário para que, de um lado e de outro, reine a cultura de diálogo e entendimento, rejeitando conflitos. Quer dizer que, na política, devemos empenhar-nos em pôr cobro à excessiva partidarização da vida das comunidades e politização do espaço público. Temos verificado que esta atitude não tem sido benéfica e nem saudável.

Para resgatar a política, contribuir para a qualidade da democracia e para a valorização dos políticos é fundamental que as pessoas percebam que todos os dias, de sol a sol, estamos a trabalhar para afrontar os seus problemas. Esta deve ser a divisa e o compromisso da classe política.

Pela sua atualidade, aproveito esta oportunidade para renovar o apelo feito a algumas autarquias, nesta tribuna, há um ano, sugerindo que os diferendos deveriam “ser tratados na base de interesses comuns dos respetivos municípios, do respeito mútuo, da busca de pontes e de pontos de entendimento, e em conformidade com a Lei e o Direito.”

Por outro lado, defendemos que entre o Poder Local e o Poder Central se estabeleça um clima de complementaridade, de partilha de responsabilidades, de solidariedade e de subsidiariedade. No relacionamento entre estes diferentes níveis de governo, há que primar pelo respeito mútuo e pelo respeito pelas competências e atribuições de cada um.

Esse respeito é também o respeito que devemos aos cidadãos e o respeito que devemos àqueles que nos escolheram para sermos seus representantes.

Deve ser evitado o discurso baseado na truculência, na confrontação, no protagonismo e na contraposição.

Requeremos um ambiente de diálogo, mais civilizado, que estabeleça pontes, discuta para encontrar consensos, e que respeite as competências dos dois níveis de poder, pois que todos foram eleitos. Nenhum tem mais legitimidade que o outro. É crucial ter sentido de Estado e respeito Constitucional.

A mesma postura de interlocução e concórdia, tão necessária na classe política, é também a que deve prevalecer no seio da sociedade cabo-verdiana. Ambicionamos que em cada município, cada Paços do Concelho seja, por excelência, a casa comum de todos os munícipes.

É indispensável ter a clareza e afirmar uma liberdade positiva, com maior “ingerência” dos cidadãos na polis. Ou seja, é fundamental uma forte participação cívica dos cidadãos, pois, é preciso mobilizar todas as forças vivas do Município. A Democracia não pode resumir-se apenas ao rito de eleições periódicas.

Quando questões relacionadas com a segurança e ordem públicas continuam na ordem do dia, é fundamental que voltemos a insistir na questão da civilidade, no bom relacionamento entre vizinhos, colegas de trabalho ou de escola, que encaremos a cidade como espaço de cidadãos.

Urge resgatar hábitos mentais voltados para o civismo, não violência, limpeza da cidade e outras posturas, para que, de facto, tenhamos cidades decidadãos.

Tendo em conta o seu contingente populacional, o Município e a cidade ainda enfrentam largos desafios, principalmente no tocante à notória carência de infraestruturas desportivas, sociais, culturais e económicas, a par com o deficit habitacional, em grande medida devido à urbanização galopante e quase sempre não projetada. O resultado mais visível é a proliferação, ao longo dos anos, de bairros de construção espontânea e não planeada.

A míngua desses equipamentos, e de planeamento urbanístico, não raras vezes, pode estar correlacionado com ocorrências ligadas a fenómenos de delinquência e de insegurança. Daí a necessidade de converter, esta cidade e outras urbes, em espaços mais acolhedores, lugares agradáveis para se viver, com espaços públicos, equipamentos sociais e de lazer.

Quanto mais se investir no planeamento, no urbanismo e na habitação, maiores serão os ganhos na luta contra a exclusão, a marginalidade e a delinquência.

Perante o atual cenário, e para que tenhamos uma cidade mais competitiva, inclusiva e justa, ela terá que atrair/exigir mais parcerias e investimentos públicos (envolvendo o governo), e público-privados, para gerar mais emprego e proporcionar melhor qualidade de vida aos seus habitantes e, especialmente, promover a ascensão social dos mais pobres e vulneráveis.

Para isso, há que ser ousado na implementação de um programa de requalificação urbana e de habitação social; na construção de estruturas desportivas de referência, com certificação nas mais diversas modalidades, bem como de um Centro Nacional de Convenções.

Em Cabo Verde, uma preocupação incontornável a se ter em conta é a pequenez do território, ou seja, a terra é um recurso limitado e um bem raro. Quer dizer que a sua gestão terá que ser feita de forma mais adequada e criteriosa, com parcimónia e segurança fundiária. Seria desejável uma lei de responsabilidade em relação ao uso de solos, eivada de muito bom-senso e afastando atitudes nefastas de improvisação na gestão e uso dos solos e no desenvolvimento urbanístico, e encontrar caminhos para a correção de erros já cometidos, e evitar falhas no futuro.

Naturalmente que o uso e ocupação da orla marítima ganha uma acuidade ainda maior de forma a evitar o que, nalguns casos e em algumas ilhas, pode assemelhar-se à privatização desses espaços. Os municípios devem pugnar por uma governança local voltada para a excelência e uma gestão prudente das finanças locais, criando um quadro legal de responsabilidade fiscal dos municípios.

A fragilidade financeira continua a ser um grande embaraço para o desenvolvimento municipal. Há que ter em conta o nível de endividamento de forma a evitar o sufoco financeiro e cultivar valores de responsabilidade e de prestação de contas.

Todos os mecanismos de financiamento do Desenvolvimento Local e Regional devem ser revisitados. Tendo em vista os constrangimentos do presente, há que equacionar a criação de um fundo para acelerar o crescimento e garantir maior competitividade entre as ilhas e combater as assimetrias regionais.

Trinta e dois anos depois da implantação do Poder Local, já é tempo de equacionar um novo quadro de Descentralização. A prática que foi este período de um Estado descentralizado, com todas as suas virtualidades e competências deve ser aproveitada e potenciada.

O balanço em relação ao grau de descentralização experimentado durante estes anos tem sido positivo, pois que promoveu o desenvolvimento económico e social em todos os cantos do país.

Do mesmo passo, é preciso que sejamos mais ousados para caminharmos para outros níveis de Poder Local inscritos na Constituição da República, nomeadamente, autarquias inframunicipais.

Esta incursão, como é claro, não dispensa que também pensemos e equacionemos o poder regional em Cabo Verde.

A cooperação intermunicipal é de se incentivar, pois, sempre que municípios vizinhos abraçam projetos comuns, todos saem a ganhar.

Assim, defendo uma maior integração numa Região Metropolitana dos municípios de Santiago Sul: Praia, São Domingos e Ribeira Grande de Santiago. Desta forma, aproveitar-se-ia melhor as sinergias, que projetadas de forma articulada, com economia de escala, facilitariam todo o planeamento da região, na perspetiva de um forte desenvolvimento.

As potencialidades são enormes, podendo impulsionar o progresso dos três municípios, aproveitando as vantagens oferecidas pela contiguidade territorial e pela complementaridade económica. Da mesma forma, é preciso que os municípios explorem melhor a cooperação descentralizada, devido aos benefícios daí advenientes, com influência positiva na qualidade de vida dos seus munícipes.

Sr. Presidente da Câmara Municipal da Praia, conte com este Presidente. A Praia pode contar com o Presidente da República, que está atento às reivindicações, às demandas e às exigências desta importante parcela do nosso país.

Renovo os votos de maiores sucessos ao Município, aos praienses de nascimento e de adoção, bem como a todos os oriundos da Praia, mas espalhados por outros pontos do Arquipélago ou pela diáspora.

Muito Obrigado!