Comunicado Sobre votação abstenção do Governo na ONU relativamente à proposta de cessar-fogo humanitário em Gaza

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Considerando a magnitude do que está a acontecer no Médio Oriente, com uma escalada de violência que se tem traduzido num cenário de absoluta catástrofe humanitária, ceifando já mais de 18 mil vidas humanas, sendo 70% crianças, entende o Presidente da República que o posicionamento de Cabo Verde na votação da Resolução, na Assembleia Geral das Nações Unidas, ontem dia 12 de dezembro, tendente a um cessar-fogo imediato, jamais poderia ser o da abstenção.

Importa ter presente que essa situação de total descalabro dos valores subjacentes à Declaração Universal dos Direitos Humanos e ao Direito Internacional Humanitário tem, justificadamente, apoquentado a consciência da comunidade internacional e a da sociedade cabo-verdiana em particular. Trata-se de uma catástrofe em toda a extensão.

Urge não esquecer que, nos termos do artigo 1º da Constituição da República, “Cabo Verde é uma República soberana, unitária e democrática, que garante o respeito pela dignidade da pessoa humana e reconhece a inviolabilidade e inalienabilidade dos direitos humanos como fundamento de toda a comunidade humana, da paz e da justiça”.

Este dispositivo constitucional representa uma baliza muito clara e precisa para a atuação do Estado cabo-verdiano, designadamente para o desempenho dos seus Órgãos de Soberania, da Administração, dos diversos órgãos e agentes do Estado, seja no plano interno, seja na arena internacional. Cabo Verde tem de ser reconhecível, interna e externamente, perante aquilo que a Lei Magna fixa como sendo o seu núcleo definidor. Não se pode desconhecer a Constituição e comportar-se conforme as circunstâncias ou eventuais jogos de conveniência.

No exercício do seu dever constitucional de vigiar e garantir o cumprimento da Constituição, o Presidente da República não pode, de forma alguma, deixar de reagir a esse tipo de desempenhos do Estado na arena internacional, mormente num palco tão sensível e importante como é o das Nações Unidas.

Tal como acontecera na votação da Resolução que visava a abertura de um corredor humanitário em Gaza, também agora, na votação de ontem, o voto abstenção por Cabo Verde não tem por si justificação suficiente, devidamente traduzindo a serena ponderação de todos os fatores, a começar pelos parâmetros constitucionais e a credibilidade externa de Cabo Verde.

Em matérias tão delicadas, como de resto em todas quantas se referem à prestação do Estado cabo-verdiano no plano internacional, tem de haver articulação entre os Órgãos de Soberania com diretas responsabilidades de representação externa da República: o Presidente da República e o Governo. Isso não significa limitação ou qualquer sorte de prejuízo para as competências de cada um; significa, isso sim, funcionamento do dever de lealdade institucional, bem como garantia de melhor prestação por cada um, ou seja, e como resultado, melhor prestação do Estado enquanto um todo.

No fundo, há um valor supremo a salvaguardar sempre que é a boa imagem da nossa República. A correta compreensão deste quadro de funcionamento, que é o quadro próprio do nosso sistema de Governo, evita equívocos e confusões desnecessários, como seja o de pretender que o dever de articulação se reduz a meras informações de factos consumados. A articulação é um processo a montante.

Termos em que o Presidente da República, ao mesmo tempo que não se reconhece nas votações acima referidas, alerta, uma vez mais, para a necessidade de leal e verdadeira articulação em domínios tão sensíveis para a nossa República, tal o caso das relações externas.