Discurso de Sua Excia. o Presidente da República, José Maria Neves, por ocasião do ato de homenagem aos 80 anos do nascimento do Presidente António Mascarenhas Monteiro

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Este ato solene é um tributo da República ao saudoso Presidente António Mascarenhas Monteiro, que acontece no âmbito das celebrações do 80º aniversário do seu nascimento. O papel desse grande protagonista da gesta democrática cabo-verdiana, primeiro Presidente eleito em Democracia, é consensualmente reconhecido. Trata-se, pois, de um dever de memória, a que tenho a honra e o privilégio de presidir. Consiste no reconhecimento do papel de um grande cabo-verdiano, uma figura marcante da nossa história política recente, o que justifica plenamente esta homenagem de Estado.

Homenagear o Presidente António Mascarenhas Monteiro é, antes de mais, realçar a essencialidade dos ideais da democracia, do Estado de Direito, do diálogo, da paz e da dignidade da pessoa humana.

De gerações diferentes, tornámo-nos amigos quando exercia as funções de Deputado nacional e, em várias ocasiões, pedi para falar com ele, então Presidente da República, sempre com muito proveito, sobre assuntos diversos da vida política nacional e internacional.

Já Primeiro Ministro, tive o grato privilégio de trabalhar com o saudoso Presidente Mascarenhas Monteiro. Pessoa de esmerada educação e fino trato, de personalidade cativante, despertava um sentimento de admiração, respeito e afeto. Pude beneficiar dos seus sábios conselhos, mesmo depois de ter deixado a Presidência da República. Nos momentos mais difíceis e complexos da minha primatura, nunca regateou um pedido meu para um encontro ou uma conversa mais informal. Foi sempre muito generoso para comigo. Sugeriu-me medidas de política, advertiu-me sobre muitas questões da política interna e externa e ajudou-me a enfrentar situações intrincadas da governação.

Lembro-me da nossa conversa aquando da minha indigitação como Primeiro Ministro, em finais de Janeiro de 2001, foi uma aula de boa governança e de nobreza política. Referiu-me os poderes do Presidente no nosso sistema de governo, o papel da oposição democrática e a necessidade de respeito pelo adversário e de elevação e elegância no debate político. Insistiu muito na ideia da dignidade, do prestígio, da competência e da verdade com que os altos cargos públicos devem ser exercidos.

A forma como Mascarenhas Monteiro exerceu os cargos públicos, notadamente o de Presidente da República, fez dele uma reserva moral da Nação, pelo seu compromisso irrestrito e inabalável com a Democracia e com o Estado de Direito.

Apetrechado de elevadas qualidades humanas e uma sólida formação jurídico-constitucional, enquanto Chefe de Estado, deu corpo à magistratura de influência, sempre com discrição e recato, escutando muito, como era seu timbre. Como um bom juiz, foi parco em palavras, e estas, quando pronunciadas, eram sempre escutadas com muita atenção. Defendeu e praticou uma gestão dos negócios públicos com uma permanente dimensão ética.

Pela sua grandeza, frontalidade e firmeza de convicções, pelos princípios e valores defendidos e praticados, foi a pessoa certa no lugar certo, com um papel incontornável nos primeiros passos da construção da democracia, em Cabo Verde.

Estadista nato, a sua assertividade, maturidade e discernimento foram cruciais, conferindo-lhe uma autoridade inconteste como árbitro e moderador do sistema político, num momento decisivo para a vida da República. Nunca se omitiu ou dececionou, tendo exercido o elevado cargo com moderação, coerência, serenidade e distinção.

Mascarenhas Monteiro foi um acérrimo crítico das desigualdades sociais, solidário e defensor dos despossuídos, por quem nutria particular sentimento de empatia, advogando políticas públicas visando a melhoria das condições de vida das camadas mais desfavorecidas. No seu entender, o processo de desenvolvimento deve ser harmónico e sustentado, capaz de conduzir à realização da justiça social.

A sua aversão a crises ou situações de instabilidade ficou bem patente quando promulgou a Constituição da República, em 1992. No seu entendimento, seria essa a melhor atitude para salvaguardar o interesse nacional, de forma construtiva, e evitar conflitos entre as Instituições. Na ocasião, achou que o Órgão Presidente da República fora, repentinamente, “esbulhado” do essencial dos seus poderes. Considerou que, a coberto do processo de Revisão Constitucional, utilizou-se um atalho para se chegar a uma nova Constituição. No entanto – teria ponderado –, a sua não promulgação seria “suscetível de criar uma situação de bloqueio institucional de que poderiam resultar maiores prejuízos para o país”.

Para Mascarenhas Monteiro, o diálogo e a cooperação institucional deveriam prevalecer e nortear o relacionamento entre todos os Órgãos de Soberania. Ele entendia que a instalação dos mecanismos formais de um sistema democrático, pressupõe a plena vivência de princípios e valores enformadores dessa essência. Realçava, igualmente, e no tocante à sociedade, “o dever de exigir cada vez mais dos seus políticos, criticando e apontando caminhos para o melhor acautelamento dos interesses locais e nacional, exercendo em suma o direito de vigilância próprio de um Estado de Direito”. Pelos vistos, um desafio e um aprendizado que permanecem atuais.

Nesta senda, o nosso homenageado sempre reconheceu no Parlamento uma instância privilegiada e idónea para a prática contínua do consenso, vocacionada para exercer uma importante função pedagógica, esperando dos Deputados uma postura de dignidade, elevação e rigor na defesa dos interesses nacionais. Ou seja, os cidadãos deveriam esperar que a Assembleia Nacional fosse um espaço de diálogo, e não um campo onde prevalecesse um clima de suspeição mútua; e dos Parlamentares, exemplos de tolerância e de respeito mútuo, evitando a perda de credibilidade da classe política.

De recordar que numa altura de fragilização dos partidos políticos, Mascarenhas Monteiro teve um papel fundamental na defesa e no reforço do papel dos mesmos na sociedade democrática. A sua valorização e dignificação seriam tarefas de que o próprio Estado não deveria furtar-se, por serem eles os atores principais de qualquer sociedade verdadeiramente democrática.

Defendeu, igualmente, o papel essencial da Oposição, que deveria ter uma atuação firme e determinada, no quadro do Estatuto da Oposição, para o normal funcionamento da Democracia.  O seu apelo ia no sentido de os dois elementos indispensáveis ao jogo democrático – Governo e Oposição –, gerarem os necessários consensos e exercerem os seus papéis respetivos, em prol dos interesses nacionais fundamentais.

Ao reconhecer que “ninguém detém o exclusivo das soluções para Cabo Verde”, Mascarenhas Monteiro estaria a lançar o repto à Sociedade Civil para, também ela, concorrer, com a sua participação, na busca de entendimentos e de decisões que melhor sirvam o processo de desenvolvimento socioeconómico e cultural do nosso país.

No ano do Centenário de Amílcar Cabral, é de mencionar o sentimento de apreço e de gratidão do homenageado em relação a Cabral e aos seus generosos companheiros de luta que “tornaram possível a realização do grande sonho da independência nacional”.

Esta é também uma homenagem ao Diplomata prestigiado e defensor dos Direitos Humanos. A forma como exerceu as mais altas funções de Chefe de Estado, os traços de personalidade, um profundo conhecimento da política internacional e dos Direitos Humanos, fizeram com que o Presidente Mascarenhas Monteiro merecesse a confiança, a admiração, o reconhecimento e o respeito de seus homólogos estrangeiros e da comunidade internacional.

Assim, tanto no decurso dos dois mandatos, como depois, foi muito solicitado, cumprindo uma agenda internacional intensa, sempre na defesa dos valores da Democracia e do Estado de Direito. As Condecorações e Distinções recebidas, bem como os graus de Doutor “Honoris Causa” atribuídos ao primeiro Chefe de Estado eleito em Democracia, são demonstrativos do reconhecimento e do prestígio granjeados no exercício dos cargos públicos.

Para Cabo Verde foi um privilégio ter um ser humano de craveira excecional como foi o saudoso Presidente António Mascarenhas Monteiro. Cabe-nos inspirar em homens desta dimensão para melhor qualificarmos a Democracia e as Instituições Democráticas, e sermos continuadores consequentes do seu legado. Seria a forma mais adequada de honrarmos a sua memória!

Muito obrigado!