Intervenção, feita de improviso, de Sua Excelência, o Presidente da República, por ocasião da abertura da segunda edição da Conferência Workplace Wellbeing Cabo Verde

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Em primeiro lugar, para manifestar, enquanto Presidente da República, a minha satisfação pela realização desta jornada. Nós vamos comemorar 50 anos da nossa independência. E, nesses 50 anos, fizemos razoavelmente bem o que tínhamos de fazer.

Mas, 50 anos depois, temos de ter uma perspetiva voltada para a inovação. Inovação significando a introdução de mudanças positivas. E nós fico satisfeito precisamente porque a Dilara Spencer e todo o seu grupo, em parceria com a Universidade de Santiago, trazem para o debate questões muito atuais e que são essenciais para o futuro de um país como Cabo Verde.

Na verdade, nós estudamos nas universidades que as organizações são sistemas sociotécnicos abertos. Qualquer organização, enquanto sistema aberto, está em permanente interação com o seu meio ambiente envolvente, com o que os especialistas chamam de ecologia organizacional.

E nós temos o ambiente contextual, todo o contexto que envolve o funcionamento das organizações. Temos o ambiente negocial, que é o ambiente com o qual a organização está em permanente negociação. E temos o espaço interno de qualquer organização.

E é esse conjunto de elementos que constitui esse espaço interno, esse sistema, esse conjunto de elementos em permanente interação, que converge para a realização do objetivo final da organização, que nos interessa aqui enquanto ambiente de trabalho. É claro que nós vivemos num mundo extraordinariamente complexo. Daniel Eminariti diria um mundo gasoso.

Há mudanças profundas e neste momento temos muitas vezes dificuldade em acompanhar a velocidade das mudanças que acontecem. E mais recentemente, para além das guerras geoestratégicas, e vocês estão a imaginar o impacto da guerra na Ucrânia, na saúde mental dos ucranianos, vocês estão a pensar no nível de destruição de Gaza, e o impacto na saúde mental dos palestinianos que residem em Gaza. Ontem eu lia um texto na Folha de São Paulo que dizia que Gaza terá recuado mais de 70 anos, com a destruição havida no último ano de guerra.

Estão a imaginar aqueles médicos que trabalham nos hospitais, aqueles professores que trabalham nas escolas, aquelas crianças que hoje estão nas ruas completamente degradadas? Ou imaginem o grau de destruição do Sudão, que passa por uma guerra silenciosa e destrutiva, e que infelizmente não tem a visibilidade necessária para causar indignação?!

Mas, para além das guerras, dos conflitos, dos extremismos, cada vez mais temos movimentos extremistas e a tentação é respondermos da mesma forma, com o mesmo nível de extremismo e de violência.

Estão a ver o fenómeno das migrações da África em relação à Europa, ou outros espaços socioeconómicos dinámicos e muito mais desenvolvidos e com muito mais oportunidades,. Ainda há dias visitava Moia-Moia e uma senhora aproximou-se e disse-me “Sr. Presidente, a nossa comunidade já não tem energia, os jovens já saíram todos da nossa comunidade. Neste momento estamos nós, os avós, estamos a criar os filhos dos nossos netos, que já saíram de Moia-Moia e não temos gente para agricultura, para pecuária, para produzir, para animar sequer a nossa comunidade”.

Há uma saída massiva de jovens das diferentes comunidades rurais, ou para o meio urbano, Praia e São Vicente, ou para o estrangeiro. Mas as condições em que as pessoas fazem o percurso para chegarem a esses espaços, ainda ontem chegou a uma das nossas ilhas um desses barcos com pessoas que vieram da costa ocidental africana à procura de algum paraíso imaginário aqui no planeta Terra.

Esses fenómenos, as mudanças climáticas, eu venho de Nova Iorque, onde participei na Cimeira sobre a elevação do nível da água do mar e a mobilidade climática.

São fenómenos que ainda não estão muito próximos, em Cabo Verde, nós somos um arquipélago e temos os mesmos constrangimentos, os mesmos problemas de desenvolvimento de outros arquipélagos, de outros pequenos estados insulares, mas sobretudo os pequenos estados insulares do Pacífico estão a sofrer diretamente o impacto da subida do nível da água do mar. Portanto, as ilhas estão a submergir, estão a perder o seu território e têm de encontrar outro espaço para irem viver.

Têm que abandonar os seus territórios e irem encontrar um outro espaço. Só um pequeno estado, um microestado que é Tuvalu, que já está praticamente submerso, já tem território num outro espaço e tem que mudar para esse espaço. Mas imaginem todo o património cultural, não é? Todo o património material construído e toda uma vida numa determinada ilha que se perde para irem viver num outro espaço.

Mas os problemas jurídicos, económicos, sociais e culturais que isso coloca. Portanto, a mobilidade climática já é um desafio para os pequenos estados insulares por causa das mudanças climáticas, das alterações climáticas. Como é que fica a cabeça dessas pessoas? Terem de deixar tudo para irem para um outro espaço, para irem reconstruir tudo de novo e como é que fica a saúde mental dessas pessoas?

Portanto, como vivemos neste mundo gasoso, com todos esses fenómenos, todo esse contexto económico, social, político que irrompe desse contexto, todo esse ambiente disruptivo acaba por ter uma influência direta no funcionamento das organizações.

Porque as organizações são porosas e estão em permanente interação com o seu meio ambiente envolvente. E, por isso, neste mundo de hoje há cada vez mais problemas mentais na sociedade como um todo. Fala-se que mais de mil milhões de pessoas têm problemas de saúde mental.

Têm uma ou outra perturbação, uma ou outra doença mental, não é? Ou está relacionado com a bipolaridade, com a ansiedade, com depressão, com estresse, etc. E as causas são muitas, não é? Desde hereditárias, neuro químicas, etc. E aqui em Cabo Verde o fenómeno também é complexo.

Temos todos os tipos de doenças mentais, todos os tipos aqui em Cabo Verde. E também temos níveis elevados já de suicídio. Os dados estatísticos mostram que de 2018 a 2022 tivemos cerca de 50 suicídios por ano.

E em 2024 já estávamos perto de 25 suicídios. Então, esses dados mostram-nos a necessidade de pensarmos essas questões. Um outro elemento importante em Cabo Verde é que nós somos uma sociedade de interconhecimento.

Somos uma sociedade pequena. Todo mundo conhece todo mundo. Se há países onde não há privacidade, é Cabo Verde.

E vocês sabem disso. Não é pelo fato de eu ser Presidente da República, mas eu se for jantar num restaurante na Praia, amanhã todo Cabo Verde fica sabendo. Não, é uma sociedade de interconhecimento onde todos sabem de tudo sobre todos.

Não é? E os equilíbrios em Cabo Verde também são extremamente precários. Aqui os equilíbrios são muito precários. E depois, nós estamos aqui cercados pelo mar.

Depois, nós estamos aqui cercados pelo mar. Parece até uma prisão, voltados muito para dentro. Nós pensamos que o mundo começa e acaba à porta da nossa casa, do nosso trabalho.

Muitas vezes não nos abrimos às novidades do mundo, como diz o Fernando Pessoa. Então, é fundamental termos em conta esse contexto em que vivemos. As nossas organizações estão relativamente pequenas, micro-organizações em microterritórios.

E depois, temos uma cultura organizacional herdada da época colonial excessivamente juridiscizada. Aqui em Cabo Verde não temos o gestor dos recursos humanos. E temos o aplicador de leis.

Portanto, é ver se está ou não em conformidade com a linha B do artigo 15 da Lei tal! E a partir daí, decide-se, sem levar em consideração, outros aspetos fundamentais da vida das pessoas. Então, em Cabo Verde, o que nós precisamos urgentemente é de sistemas de gestão de recursos humanos.

E precisamos não de chefes. E eu, quando era primeiro-ministro, dizia que precisávamos mudar o nome de algumas estruturas organizacionais em Cabo Verde, em vez de chefe, chefe de repartição, chefe de secção, para tirar esta ideia de chefe, para termos líderes. E o líder em qualquer organização não está apenas no topo.

Lideranças temos em todos os níveis organizacionais com responsabilidades diferenciadas. Mas a todos os níveis há espaços para o exercício da liderança. É claro que o líder tem de ter capacidade cognitiva, tem de ter capacidade analítica, mas, sobretudo, tem de ter capacidade de relacionamento interpessoal e capacidade emocional.

Se não temos líderes, temos chefes, então temos grandes vazios na gestão das pessoas no ambiente de trabalho. E é claro que nós passamos oito horas nos ambientes de trabalho. E se passamos oito horas nos ambientes de trabalho, se tivermos um ambiente de trabalho tóxico, esse ambiente de trabalho perturba toda a nossa vida. Durante o dia e durante os meses das nossas vidas. E, então, é preciso pensar muito bem na questão da gestão dos recursos humanos nas nossas organizações.

E daí a importância do debate que nós estamos a ter aqui. De acender determinadas luzes, de chamar a atenção para as pessoas, é fundamental repensarmos toda a problemática da gestão das pessoas nas organizações. Porque isso vai ter, depois, um impacto na organização. Impacto na produtividade, no desempenho de toda a organização, na sua sustentabilidade. E vai ter um impacto também na própria sociedade, na própria qualidade de vida das pessoas e na sociedade em geral.

Então, é por isso que eu digo que este congresso, o Workplace WellBeing em Cabo Verde, é extraordinariamente importante para acender essas novas luzes, para pensarmos os próximos cinquenta anos.

Imaginem se tivermos  um ambiente de trabalho tóxico. Levantarmos de manhã e já nem queremos ir ao trabalho. Já não queremos encontrar com determinados colegas. Já não queremos encontrar com o chefe. Precisamente porque o ambiente de trabalho é um ambiente tóxico que nos prejudica.

Mas em Cabo Verde também temos um outro problema, que é a questão da excessiva partidarização do espaço público e muitas vezes não se privilegia o mérito e o bom desempenho, mas a realidade em relação a determinadas pessoas ou organizações.

E quando nós estamos num ambiente de trabalho em que o mérito não é valorizado, em que o nosso desempenho não é valorizado, acabamos por desmotivar-nos e a pautarmos pela mediania e não pelo melhor desempenho dentro das nossas organizações.

Daí a importância desse ambiente interno, do nível de relacionamento entre os colaboradores dentro de uma determinada empresa, do acompanhamento que as pessoas devem ter dentro das empresas. É claro que as empresas não são clínicas para o tratamento das pessoas, mas para o próprio benefício das pessoas e para o próprio benefício das empresas, para a própria sustentabilidade da empresa, é fundamental termos pessoas felizes no ambiente de trabalho. E esse é um papel fundamental do gestor dos recursos humanos, do gestor das pessoas.

Então, felicito a DS Consulting e a Universidade de Santiago por esta discussão sobre questões novas que vamos trazendo para podermos introduzir mudanças nas nossas organizações e podermos influenciar políticas públicas no domínio da gestão e do exercício das lideranças aqui em Cabo Verde.

Eu tenho dito que precisamos mudar a forma como fazemos as leis, termos equipas interdisciplinares para discutir as questões e depois fazer as leis, criar as normas e ter uma perspetiva muito mais inovadora na gestão dos recursos humanos.

Portanto, bem haja quem pensa e quem procura criar oportunidades desta natureza para discutirmos, para acender novas luzes, para encontrarmos novas possibilidades de trabalho e, sobretudo, para termos ambientes menos tóxicos, mais saudáveis de trabalho, onde há colaboração, onde há equipa, onde há possibilidades de motivação e de estímulo para desenvolvermos o nosso trabalho.

Quem fala de um ambiente de trabalho, pode falar de um ambiente escolar. Há muitos estudantes que que até gostariam que determinado professor falte num determinado dia, porque irão para casa muito mais felizes.

Ou então, há pessoas que não querem cooperar ou trabalhar ou estar junto de determinados colegas. Portanto, também nas escolas, nos ambientes escolares, essa questão é muito importante. Daí o fato de termos a Universidade de Santiago a interessar-se pela discussão dessas questões, é extraordinariamente importante.

Então, termino desejando-vos um bom congresso, um bom trabalho, que discutam muito como é que nós podemos fazer as pessoas, apesar deste ambiente muito conturbado e complexo, mais felizes. Mais felizes no ambiente de trabalho, mais felizes no ambiente escolar, mais felizes no ambiente familiar. Não é só no trabalho, que ambiente é tóxico, não é? Às vezes, temos no ambiente familiar, etc.

Para termos ambientes mais saudáveis, não é? Porque nos próximos 50 anos de Cabo Verde, temos de construir melhor qualidade de vida. Nós somos tão pequenininhos, num país tão lindo, 10 ilhas. Quando eu estudava no Brasil, quando me perguntavam, como é Cabo Verde?

Eu dizia, nós somos 10 ilhas. Eles diziam, “que barato!”. Não é?

Então, nós estamos aqui em 10 ilhas muito bonitas, muito lindas, com essa beleza extraordinária que é Cabo Verde, então que tenhamos jovens, rapazes e meninas muito saudáveis, num país onde se sentem, efetivamente, felizes. E é com debates desta natureza, é que nós podemos criar novas possibilidades de um futuro muito melhor, para os cabos rodeados e os cabos rodeados.

Obrigado.