DISCURSO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA POR OCASIÃO DO DIA DO MUNICÍPIO DA PRAIA, 2024

57

Começo por saudar e agradecer o Senhor Presidente da Câmara Municipal, Dr. Francisco Carvalho, e a Senhora Presidente da Assembleia Municipal, Dra. Clara Marques, por este honroso convite, possibilitando, nesta Sessão Solene, associar-me ao Dia do Município da Praia. Aproveito esta oportunidade para, neste dia especial, por intermédio de vós, saudar e felicitar todos os munícipes.

Faço votos para que todas as energias sejam canalizadas em prol do progresso e do desenvolvimento dos praienses, de todas as proveniências, e que fazem da Praia o maior e o mais cosmopolita dos municípios cabo-verdianos. Parabenizo a Câmara Municipal da Praia pelas suas realizações, em meio a muitos desafios e dificuldades, visando elevar a autoestima, conferir mais dignidade e proporcionar mais condições de conforto aos munícipes. Deixo o desafio para que se prossigam os esforços, se realizem mudanças, e para que haja uma permanente melhoria da qualidade de vida das pessoas.

O Poder Local, que ora celebramos, já demonstrou a sua importância e protagonismo, embora admitindo que algumas das suas potencialidades não foram ainda totalmente realizadas. Quer dizer que os cabo-verdianos não têm vindo a usufruir de todas essas vantagens. O município é o órgão de poder mais próximo das comunidades e dos cidadãos, que melhor conhece a realidade local e as suas necessidades. Ele deve ser acarinhado e os responsáveis políticos assumir a sua importância por se tratar de um lugar de excelência para o exercício das liberdades e da democracia.

Prossigo na incitação para que todas as virtualidades sejam aproveitadas, com um Poder Local cada vez mais vigoroso e colocado ao serviço das populações. Trinta e três anos após a instauração do Poder Local Democrático, justifica-se mais ousadia no que diz respeito à Descentralização, atribuindo mais poderes e mais recursos às ilhas e aos municípios. Insisto, igualmente, na criação de um Fundo de Desenvolvimento Local e Regional e na aprovação de uma Lei de Responsabilidade Fiscal, que corresponsabilize os principais atores políticos na gestão sã e prudente das finanças locais e do património autárquico.

Por outro lado, e no âmbito da materialização da Política Nacional de Coesão Territorial, é de saudar a criação do Conselho de Concertação Territorial, por se tratar de uma boa ideia, e espera-se que seja efetiva, de modo a evitar a digladiação ente o Estado e os Municípios, na divisão de recursos públicos, os quais devem sempre ser colocados ao serviço dos cidadãos. Pela sua natureza, atribuições, composição e forma de funcionamento, confiamos no apreciável contributo que poderá acrescentar, em matéria de Descentralização.

Quero, ainda, chamar a vossa atenção para o seguinte: é fundamental que se faça uma gestão estratégica e transparente dos solos, recursos raros e essenciais para o desenvolvimento sustentável do país. Assim, a minha contínua insistência para a adoção de uma Lei de Responsabilidade Territorial, que garanta uma governança territorial assente em princípios da legalidade, transparência, responsabilidade e accountability. A democratização do acesso a solos e um planeamento urbano adequado são pilares essenciais de coesão territorial e social.

Vivemos um tempo em que, globalmente, a democracia se encontra sob ataque, e algumas vezes, sequestrada. Temos que ter presente que democracia não é guerra; que democracia é espaço de discordância; que discordância acontece justamente para que se encontre soluções, e não para destruir o outro. Infelizmente, tem havido algum retrocesso na forma como discordamos, sobrando em truculência, o que falta em educação, elegância e respeito. Enfim, é preciso uma reflexão séria com vista a desarmadilhar a sociedade e a democracia.

Convém, igualmente, ter uma certa cautela, e não perdermos de vista que não devemos judicializar a política e nem politizar a justiça. Caso contrário, estaremos a enveredar por caminhos ínvios e para a fragilização das instituições judiciais. Isto é, a colocar em causa a autonomia e a independência do poder judicial, por conveniências políticas. Cabo Verde é um Estado de Direito Democrático, onde há separação de poderes e respeito pela legalidade democrática, e desejamos que a nossa justiça melhore, a cada dia. Temos que trabalhar para que ela continue independente e imparcial, visando a consolidação do poder democrático. Em suma, é preciso agir com a necessária precaução, sem fechar os olhos ao contexto e às dinâmicas sociais e políticas.

A partir da cidade da Praia, e de Cabo Verde, permitam-me que lance um olhar, com preocupação, sobre o regresso de um certo clima de Guerra que a humanidade tem vivido nos últimos anos. Nada pode justificar as guerras em curso, especialmente pelo nível de violência e desrespeito em absoluto pela vida humana, quando populações civis, sobretudo mulheres e crianças, são tomadas como alvo, o que não é aceitável. Isto só pode significar o fracasso da civilização. Estribados na Constituição da República, que define os princípios orientadores da nossa política externa, condenamos com veemência essas guerras e defendemos um cessar-fogo urgente e a abertura de negociações, na qual as partes beligerantes estejam efetivamente representadas. Recordamos que as fronteiras internacionalmente reconhecidas devem ser respeitadas, e que a ocupação de territórios é rejeitada pelas Nações Unidas. Defendemos inequivocamente o respeito pelo Direito Internacional, e, consequentemente, pela Carta das Nações Unidas e pelas suas Resoluções. No que refere à resolução do conflito israelo-palestiano, que já se arrasta há quase oitenta anos, escudamo-nos nas deliberações das Nações Unidas, que defendem a existência de dois Estados: Israel e Palestina.

Outro motivo de preocupação diz respeito às questões climáticas. Nestes dias, por exemplo, temos assistido com muita tristeza, às inundações no Brasil, com perdas de vidas humanas e incalculáveis prejuízos materiais. A humanidade deve ter consciência de que o negacionismo científico só pode conduzir ao colapso e à destruição do planeta. Nós, cabo-verdianos, que desde o início da nossa existência, tivemos na emigração um refúgio para fugir às secas, somos, provavelmente, os primeiros refugiados climáticos. Por isso defendemos a necessidade de uma governança climática mundial, para evitar o caos e a ingovernabilidade a esse nível.

Infelizmente, as guerras em curso e o desastre climático, têm contribuído, de forma dramática para o aumento das desigualdades, entre os países, e dentro dos países. Estamos face a questões existenciais, cujas soluções não podem ser adiadas, para evitar que o desfecho seja catastrófico e de condenação total. Não podemos ser cúmplices. Este cenário exige a inequívoca tomada de posição dos governos para contrariar este curso dos acontecimentos, que segue um rumo absolutamente suicida e irresponsável, com alguns países condenados a desaparecer, para um movimento que restabeleça uma esperança num futuro melhor.

Outras razões de preocupação se relacionam com o incremento de tráficos, especialmente o tráfico de pessoas, e certa criminalidade conexa. Assistimos ao recrudescimento do extremismo, do discurso de ódio, da xenofobia, da luta anti-imigração e a assunção do caos.

Termino realçando que estamos num ano eleitoral e que deve prevalecer o debate de ideias e a apresentação de propostas. Faço um apelo à serenidade de todos os intervenientes e que as eleições autárquicas sejam mais uma jornada de festa e de consagração da nossa democracia.

Renovo as felicitações à Câmara Municipal da Praia, pelas realizações, pela resiliência e pela busca e identificação de parcerias, o que é muito importante para o crescimento da edilidade.  Praia é cada vez mais aberta e cosmopolita, e é preciso que ela seja sempre mais atrativa e competitiva, principalmente nos domínios do turismo, da indústria e novas tecnologias, para se transformar, cada vez mais, numa cidade e numa sociedade moderna e próspera.

Muito obrigado!