Minhas Senhoras e meus Senhores,
Com a declaração do Conselho Nacional do PAICV, em fevereiro de 1990, em como iam ser criadas condições para abertura política, deu-se início ao processo de transição para a democracia representativa. A criação do MPD, em março, veio trazer uma nova dinâmica ao campo político, levando o PAICV a redefinir o calendário e a acelerar todo o processo. Assim, em setembro, faz-se a revisão da Constituição. Com a queda do artigo 4, que consagrava o PAICV como força política dirigente da sociedade e do Estado e a consagração dos princípios de separação e interdependência de poderes e da livre criação de partidos políticos, abre-se caminho ao multipartidarismo. Foram aprovadas as leis eleitorais para a eleição dos deputados ao Parlamento e do Presidente da República, que passou a ser eleito por sufrágio direto e universal. As eleições legislativas foram marcadas para 13 de Janeiro e as presidenciais para 17 de Fevereiro de 1991.
O MPD ganhou as eleições legislativas por maioria qualificada, relegando o PAICV para a oposição. Nas presidenciais, Mascarenhas Monteiro ganhou as eleições com 72,1% dos votos. Lembre-se que todo o calendário eleitoral foi negociado entre o PAICV e o MPD, os dois partidos que participaram nas primeiras eleições multipartidárias realizadas em Cabo Verde. A UCID, fundada em finais da década de 70 do século pretérito, apoiou, na altura, o MPD, não tendo, pois, participado diretamente no pleito eleitoral.
Foi uma transição pacífica e exemplar, realizada em apenas nove meses, abrindo-se, assim, caminho a profundas mudanças políticas, sociais e económicas.
Convencionou-se que 13 de janeiro, data marcante na história política contemporânea do país, seria comemorado como o Dia da Liberdade e da Democracia.
Estamos aqui hoje, pois, para comemorar, com entusiasmo e orgulho, a Liberdade e a Democracia.
Presto homenagem aos partidos fundadores da democracia cabo-verdiana – UCID, PAICV e MPD – e a todos os protagonistas desse momento exaltante, aqueles que ganharam o poder de governar e aqueles que assumiram as responsabilidades de oposição democrática. A democracia, espaço de divergência, realiza-se no confronto e na discussão de ideias e propostas entre o poder e a oposição. Ela é tanto mais vigorosa na medida em que os direitos das minorias são garantidos e respeitados e a oposição democrática cumpre o seu papel.
Tinha marcado para esta tarde uma homenagem de Estado ao Dr. Carlos Veiga, líder do Movimento para a Democracia e primeiro Chefe do Governo da II República, no Palácio do Presidente. Infelizmente, estando ausente do país por razões de saúde, não pôde deslocar-se à Cidade da Praia.
Em tempo de celebrar os 50 anos da Independência, e no dia em que comemoramos a liberdade e a democracia, o Dr. Carlos Veiga merece ser distinguido como champion da liberdade e da democracia, pelo seu pensamento, pela sua visão, pelo seu desempenho e pela sua realização.
Todos temos acompanhado as suas posições políticas e outras, mesmo quando delas discordamos no quadro do leal e necessário confronto de ideias, com respeito e cordialidade de quem o situa no restrito círculo das grandes figuras nacionais. No dia de hoje, devemos honrar este homem que tão relevante serviço tem prestado ao Estado de Cabo Verde, enquanto Primeiro Ministro e protagonista de profundas mudanças políticas, sociais e económicas.
Esta homenagem clama também pela valorização da política e dos políticos e por mais participação da sociedade civil e dos cidadãos na vida política nacional e mais confiança da cidadania nas instituições democráticas.
Insisto no seguinte: em tempos de policrise, a serenidade e a contenção, máxime dos atores políticos, precisam-se. Mesmo face a excessos de linguagem ou de atitudes incorretas e desrespeitosas, temos de manter a calma e a responsabilidade, para garantir o essencial, que é a estabilidade política e institucional bem raro nesta era em que vivemos. A possibilidade de divergência e a democracia deliberativa requerem respeito mútuo, responsabilidade e autolimitação. Sempre é possível discordar com elegância, educação e respeito.
Outro ponto em que vou ser muito claro: Não há um povo da independência e um povo da liberdade e da democracia.
Há um só Cabo Verde. Um Cabo Verde inteiro, que não se resigna, que sempre lutou contra a subjugação, pelas liberdades civis e políticas, pela igualdade e pela dignidade. Há um só povo, um povo inteiro, que comemora com o mesmo regozijo o 13 de janeiro, o 20 de janeiro, o 5 de julho e a Constituição de 92.
Quando se verifica, com preocupação, que a nível global, a liberdade e a democracia estão sob ameaça, convém analisar o que podemos fazer juntos para fortalecer a nossa ainda jovem democracia. As instituições democráticas revelam algum cansaço e os cidadãos estão cada vez mais descrentes da política e dos políticos, o que requer, naturalmente, uma aprofundada reflexão em várias vertentes.
Esta reflexão não pode deixar de fora um tema que está na ordem do dia: estamos a referir à Inteligência Artificial (IA). Falar de IA é falar do presente e do futuro. Ela já é uma realidade nas nossas vidas, pois já revoluciona diversos setores, a nível global. E Cabo Verde não pode ficar de fora. Das variadíssimas aplicações da IA, poderíamos destacar as redes sociais, assistentes virtuais, a medicina, e educação, a segurança, as indústrias, as economias criativas.
Ao festejarmos o dia da Liberdade e da Democracia, importa considerar que a IA trás acoplada vários reptos quanto à sua aplicação, que se quer com ética e responsabilidade.
Ela pode ser usada para aproximar as ilhas e conectá-las com a diáspora, melhorar a formação de políticas públicas, sofisticar a prestação de serviços essenciais, acelerar o ritmo de crescimento económico, melhorar os índices de competitividade e de qualidade de vida das pessoas.
Ela poder ser usada para a disseminação de informações, bem como para a verificação dos factos, destacando-se os desafios éticos e as implicações do uso de tecnologias avançadas nas eleições. Com efeito, a energia nuclear, a pólvora ou as redes sociais, não são um mal em si, podendo ser usadas de forma perversa ou não.
O nosso propósito, obviamente, deve ser o de utilizar a IA para fortalecer a democracia e promover a dignidade da pessoa humana. Porém, não raras vezes, ela tem sido utilizada precisamente para fragilizá-las. Tal é o caso da desinformação em massa, que representa o maior risco para o regime liberal, pelas suas nefastas consequências. Pode ter como resultado o autoritarismo, que se fortalece, não porque os eleitores dizem o que pensam, mas porque perdem a capacidade de distinguir entre a verdade dos factos e a falsidade da mentira.
Difamação, calúnia, discurso do ódio e o negacionismo fazem parte, infelizmente, da realidade global. Sabemos o quanto a proliferação de fake news e teorias da conspiração podem minar a confiança nas instituições democráticas. Vale acrescentar que qualquer tecnologia que possa ser usada para gerar conteúdo falso ou enganoso, pode ser transformada em arma.
A má informação e a desinformação, as mentiras e as teorias de conspiração predominam em muitas plataformas de redes sociais, com os resultados que se conhecem. Geram tensão social e polarização, facilitando a disseminação de notícias falsas.
A democracia, na atualidade, é corrente ser subtilmente atacada, ao contrário dos golpes antidemocráticos que tradicionalmente aconteciam no passado. Hoje, a corrosão ocorre geralmente dentro das próprias instituições democráticas, de forma gradual e sem violência. Assim, a democracia acaba por chegar ao fim pelo próprio mecanismo do voto. Estamos no terreno dos autocratas, com estes explorando os conflitos inerentes ao jogo democrático. Vencendo as eleições e uma vez no poder, tentam minar os pilares da própria democracia, como a independência do Judiciário e a liberdade de imprensa e de opinião.
Por tudo isto, há que regulamentar a IA, e ter cidadãos bem informados. De realçar que cidadãos bem informados e espaços de debate e crítica, são princípios fundamentais da democracia deliberativa. Em contrapartida, a desinformação pode ser um problema central para a democracia digital: cidadãos desinformados produzem discussões e decisões péssimas. Devemos informar ativamente os cidadãos e mobilizá-los para participarem no debate político. Temos que adotar estratégias para fortalecer a democracia e garantir a integridade do processo eleitoral contra as fake news.
Apelo à relevância da transparência e da ética no uso da tecnologia. Do mesmo passo, reputo de muito importante a adequada regulamentação da IA. A presente Sessão Solene marca o início da XIV Semana da República que irá decorrer, não por acaso, sob o lema “Cabo Verde 2075: Novas Possibilidades – Transformação Inteligente”. Quando refletimos sobre o futuro do país, da sua democracia e do seu desenvolvimento, torna-se pertinente uma incursão pelas soluções inovadoras, capazes de impulsionar um desenvolvimento sustentável nos próximos 50 anos. Neste âmbito, terá lugar, na Presidência da República, a Conferência “Inteligência Artificial e Desenvolvimento” que, nomeadamente, abordará temas como “Desafios da Transformação Digital de Cabo Verde e África” e “Controlo de Fluxos Económicos e Financeiros: o Papel da Inteligência Artificial”.
Precisamos de andar mais depressa. Temos que maximizar as potencialidades da IA, num país arquipelágico e diasporizado, um Estado transnacional, dando outra dimensão a Cabo Verde. Há que questionar como é que podemos ultrapassar a atual condição, permitindo-nos “acelerar o passo” da transformação socioeconómica. Setores como saúde, educação, desporto, cultura, fomento empresarial, ensino superior, ciência e inovação são exemplos do que poderíamos ganhar se rompermos com a imediaticidade, o pensamento burocrático e o status quo e introduzirmos eficiência, eficácia e cultura de resultados nas nossas ações e criatividade na relação com as comunidades espalhadas pelo mundo.
Temos que projetar o futuro nos próximos 50 anos e encetar uma mudança de hábitos mentais e criar uma verdadeira cultura de desenvolvimento e prosperidade, elevando os índices de bem-estar e felicidade das pessoas.
Este é tempo de união, no quadro das nossas diferenças, e com respeito mútuo, serenidade e sentido do bem comum, contribuirmos para o vigor do 13 de janeiro, Dia da Liberdade e da Democracia.
Muito Obrigado!