Porque, em verdade, há um povo imenso, que soletra, dentro de nós: Ilhas, mares, rostos e paixões, pedaços vivos de todas as cores do mundo.
Excelências,
Ilustres Convidados,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Completam-se hoje três décadas sobre a data em que os cabo-verdianos puderam, pela primeira vez, exercer um direito politico fundamental que é escolha dos seus governantes através do voto popular. No ano seguinte, ficou definido, pela Constituição, o único critério válido de legitimação do exercício do poder político. Inaugurava-se, assim, uma nova era na nossa vida colectiva.
A trajetória percorrida tem sido motivo de orgulho de todos os cabo-verdianos. Igualmente reconhecida extramuros, a nossa Democracia, não obstante dificuldades por ultrapassar, reforça, a cada dia, a sua consistência e credibilidade, nomeadamente pela realização de eleições periódicas, livres e credíveis.
O edifício da Liberdade vai sendo construído quotidianamente e, cada vez mais, ela se transforma num bem tão valorizado que, hoje, dificilmente se consegue imaginar a sociedade cabo-verdiana e cada um de seus membros sem essa componente vital.
Considero que, não obstante os desafios a vencer, o indicador mais fiável da robustez da nossa Democracia é o facto de os processos eleitorais se terem transformado num costume, numa habitual mas sempre importante actividade que tem permitido alternâncias e continuidades tranquilas nos diversos níveis de poder, como recentemente aconteceu nas eleições autárquicas, realizadas em tempo de pandemia.
Continuamos a entender, como dissemos há dezassete anos, num evento comemorativo do 13 de Janeiro na Ribeira Grande (Santo Antão) ou num prefácio a uma obra, ainda muito actual do saudoso estudioso guiniense-togolês Fafali Kodawo, que é irreversível o processo de democracia em Cabo Verde, se o compreendermos no exacto sentido de que a vivência democrática e em liberdade é uma exigência sentida e, se necessário, defendida pela sociedade cabo-verdiana.
Excelências,
Caros Compatriotas, nas Ilhas e nas Comunidades no exterior,
Ilustres Convidados,
Celebrar o “Dia da Liberdade e da Democracia”, instituído pela Assembleia Nacional, em 2016, encerra um significado muito particular num mundo em que se verificam amiúde, ataques velados ou explícitos ao regime e ao sistema democráticos e a suas instituições, procurando corroer-lhe as bases ou fundamentos, instigando comportamentos de intolerância.
É necessário celebrar, festejar esta importantíssima conquista. Ela mudou, de forma muito significativa, a realidade política, social e cultural de Cabo Verde, libertou energias, ampliou e desbravou horizontes, favoreceu a criação de um poder local autónomo, a luta contra as discriminações de género, permitiu colocar a um nível mais elevado os processos de realização pessoal e colectiva e potenciou as condições para que pudéssemos criar uma Nação moderna, uma economia competitiva e um Cabo Verde moderno. Permitiu erigir os pressupostos fundamentais para se combater a ideia de que a «libertação» faria «exaurir«» a liberdade e a autonomia, enquanto condições de realização da pessoa humana e de sua eminente dignidade.
Naturalmente, o nosso sistema democrático conhece importantes desafios. As nossas instituições devem continuar a ser fortalecidas e o exercício das liberdades aprofundado.
Neste quadro, à Justiça e à Segurança deve-se atribuir uma atenção particular, acontecendo o mesmo com a Educação, sector particularmente vocacionado para contribuir para a interiorização dos ideais da liberdade e da democracia.
Aos partidos políticos e organizações da sociedade civil, bem como aos órgãos de comunicação social, cabem um papel muito importante, pois são instâncias essenciais nos sistemas democráticos, tanto na pedagogia cívica e política quanto na fiscalização do exercício do poder pelos diferentes órgãos.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Em tempos de crises económicas e sociais como estas que o mundo experimenta, e Cabo Verde também, provocadas por esta epidemia, 13 de Janeiro, a sua simbologia, tem um valor e alcance ainda maiores, pois que são esses tempos de dificuldades e insuficiências de angústias, descontentamentos e até de desespero, por vezes, que potenciam e favorecem as condições para a propagação dos extremismos populistas dos discursos incendiários das ideias antidemocráticas e até de propostas totalitárias de efeitos perversos ou devastadores para a construção do futuro. Em vez da responsabilidade individual, a culpa é imputada a uma entidade abstrata chamada “sistema”, a exigência é substituída pelo facilitismo, os episódios são tomados como comportamento geral, a parte é tomada pelo todo, os «palpites» como sistemas estruturados de políticas, num jogo de curto prazo com efeitos destrutivos a médio e longo prazo para o país e o seu futuro. Nestes tempos importa que os responsáveis políticos e sociais saibam distinguir o trigo do joio, se imponham limites – verdadeiras linhas vermelhas, pois o país está e deve estar acima de tudo! Não vale tudo, os fins não justificam os meios, pois se é certo que os fins geralmente são considerados mais importantes de que os meios, porém, estou convencido que as nossas estruturas e estatura morais se definem mais pelos meios que empregamos do que pelos fins que prosseguimos!
De um modo geral, os períodos de crise social e as inevitáveis limitações ao normal funcionamento dos sistemas democráticos são aproveitados para a difusão de ideias contrárias aos princípios e valores democráticos e até pelo recrutamento de pessoas, muitas vezes, em situação de vulnerabilidade e desesperança.
Essas perspectivas estão em crescimento em várias regiões do globo e existem, também, indícios claros de tentativas de influenciação de jovens cabo-verdianos, por arautos dessas propostas, nuns casos de peito aberto, noutros dissimulados sob máscaras de democracias de tipo novo, afinal de contas, bem nossas conhecidas, sobremaneira pelos seus resultados terríveis para a vida, para a liberdade, para a autonomia, mas, igualmente, para a coesão social e as condições de vida das pessoas.
Quantas vezes assistimos e ouvimos críticas à democracia vigente, que, porém, se consubstanciam em alternativas, soluções e ingredientes de todo em todo contrários a ela, ou ao seu núcleo irredutível!
Naturalmente, os democratas devem estar muito atentos e combater tais propostas e tentações, através da pedagogia paciente dos valores da liberdade e da democracia, quais jardineiros da liberdade, através do aprofundamento e alargamento da democracia, do reforço das instituições democráticas, do exercício quotidiano das liberdades democráticas, do controlo democrático do exercício do poder de modo a retirar argumentos aos mentores do ideário e das receitas antidemocráticos. Outrossim, a concepção e a execução de políticas eficientes de desenvolvimento e de promoção da qualidade de vida das pessoas constituirão, inegavelmente, um factor dissuasor de tais cantos de sereia.
As eleições que se avizinham constituem uma boa oportunidade para um debate sobre essa realidade.
Excelências,
Prezados conterrâneos,
Ilustres Convidados,
Acredito firmemente que a nossa defesa, reside no conhecimento e na efectiva assunção da nossa Constituição sobremaneira numa sua progressiva e criativa realização.
Orgulho-me da circunstância de ter tomado parte activa na elaboração da Constituição de 1992 e de ter dado uma contribuição que julgo relevante para o nosso sistema vigente, mas também para a cultura constitucional que vem fazendo, de forma crescente e segura, o seu percurso.
Cabo Verde assume hoje, de modo muito vivo, os valores universais do humanismo plasmados em vários instrumentos de direito internacional geral ou comum, de forma empenhada e inequívoca. Neste campo não pode haver retrocessos! Hoje é frequente ouvir-se cidadãos de todas as idades e de todos os estratos sociais invocar, em sua defesa, normas e valores constitucionais, fazendo-o, igualmente, associações, comunidades ou grupos profissionais,
o que é um motivo de grande regozijo para mim, enquanto cidadão e Presidente da República, mas certamente, também, para todos os cabo-verdianos.
Hoje a Constituição não é moda e nem simples “filosofia”, mas referência incontornável do nosso modo de vida, enquanto Estado, mas também enquanto sociedade! O Estado que queremos e a sociedade que projectámos estão plasmados de forma cristalina na nossa lei fundamental!
Caros amigos,
O ano de 2021 vai ser de eleições legislativas e presidenciais, marcadas para os meses de Abril e de Outubro, respetivamente, em datas muito bem ponderadas, tendo, como sempre, o interesse do país e dos cabo-verdianos, vivendo nas ilhas ou na diáspora, no quadro legal vigente. São dois importantíssimos actos importantíssimos a que todos os cidadãos maiores de 18 anos de idade são chamados a participar, para exprimirem, de forma livre e soberana, a sua vontade na construção do futuro, escolhendo os candidatos que julgarem merecedores da sua confiança para o exercício do poder político em Cabo Verde. Da composição da nova Assembleia Nacional resultará um Governo para conduzir os destinos do país durante os próximos cinco anos. Dos resultados das eleições presidenciais, um novo Presidente da República, representante da Nação cabo-verdiana, chamado a desempenhar um papel essencial de árbitro e moderador do nosso sistema político, procurando garantir, no que lhe diz respeito, as condições para que o Governo democraticamente legitimado possa cumprir o programa sufragado pelo voto popular, mas assegurando, outrossim, que a governação se processe num quadro de respeito escrupuloso pelas regras fundamentais do nosso sistema democrático e de direito! Não é oposição ao Governo, mas também não é a sua caixa de ressonância! É, antes, o instrumento de equilíbrio e moderação do sistema, o guardião da Constituição!
E vamos ter essas duas eleições no quadro de uma epidemia. Esperemos que a situação esteja melhor do que a de hoje, mas ainda teremos que cumprir normas restritivas de segurança sanitária, tais como o uso de máscaras, a higienização permanente das mãos, dos equipamentos de locais de trabalho e o distanciamento físico.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Se as leis e os procedimentos são inimigos jurados do arbítrio, a tolerância é uma espécie irmã gémea da liberdade. Do legítimo exercício da nossa liberdade de opção política e partidária, decorre o imperioso dever de tolerância, de sorte a que o adversário não seja tomado como inimigo. A diabolização dos adversários feita por responsáveis políticos tem grandes custos sociais e políticos, pois que extrema as tensões e crispa em demasia o ambiente político e divide os cabo-verdianos entre bons e maus, uma espécie de anjos e demónios. Obviamente que o combate político impõe clareza e nele ninguém de bom senso espera ver simplesmente espelhadas a amizade e a camaradagem. Isso representaria singela ingenuidade. Mas entre o discurso forte que mostra a insensatez ou mediocridade das medidas ou propostas políticas do adversário e o discurso político que transforma o oponente em inimigo de Cabo Verde a abater, vai um grande passo e torna mais difícil a convivência democrática na normalidade da nossa vida pós-eleições, especialmente quando se mostra necessária a busca de soluções consensuais para melhorar a vida concreta dos cabo-verdianos. Todos têm, pois, o dever de moderação e comedimento nessa matéria, mas a responsabilidade maior é assacada sem sombra de dúvida aos dirigentes políticos!
Outrossim, mister se revela a necessidade de afirmação crescente de uma cultura institucional (democrática), que se estribe no juízo objectivo, na criteriosa e fundada avaliação e no respeito pelas instituições e seus responsáveis, evitando-se, por exemplo, posições que, amiúde, se traduzem num partis pris de sistemática suspeição relativamente às instituições republicanas.
Os actores políticos, partidos e candidaturas têm um papel de relevo a desempenhar neste quadro muito especial. É certo que todos têm o direito inalienável de esclarecer, informar e de convencer os eleitores do mérito das suas propostas e intenções, condição indispensável para uma escolha consciente. Porém, a situação pandémica do país e o forte impacto que um aumento significativo de casos pode ter na nossa estrutura de saúde, no processo de recuperação económica e no restabelecimento progressivo da normalidade social, chama-nos à responsabilidade de reflectirmos e tomarmos providências adequadas em relação a cada acto ou evento que possa pôr em causa o caminho que já percorremos e os ganhos obtidos nesse difícil combate.
Excelências,
Prezados conterrâneos,
Ilustres Convidados,
Estimados cabo-verdianos,
Excelentíssimas Autoridades,
Ilustres Convidados,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Os sinais sanitários e económicos são relativamente encorajadores. Contudo, ainda paira alguma incerteza quanto ao futuro, porquanto a frequente ocorrência de fenómenos imprevisíveis reduz sobremaneira o valor das projecções e das previsões, mas isso não deve nos desviar do fundamental que é a construção de uma sociedade de paz e de solidariedade entre os homens, unidos num abraço fraterno na construção de um Cabo Verde para todos nós: livre e democrático, justo, moderno e competitivo. Fraternidade e solidariedade manifestadas em momentos críticos da pandemia, mas que, na verdade, fazem parte da nossa maneira de ser e de estar no mundo e que, de uma certa forma, nos ajudam a fazer face às adversidades e a vencer o inesperado.
Termino, relembrando que a Liberdade e a Democracia em Cabo Verde não foram o resultado de uma mera outorga ou concessão, mas, sim fruto do empenho e da perseverança de uma geração nobre em valores e audaz no sonho de construir um País melhor. Três décadas depois, um novo e importante desafio se impõe à geração obreira da democracia: a forma como transmitir às novas gerações o valor e a importância da liberdade conquistada, numa altura em que a mesma constitui uma realidade por todos dada como adquirida.
Os mais novos, os que já nasceram em plena democracia, tendem a pensar que foi sempre assim (e não foi) e que vai ser sempre assim, o que pode não ser.
A democracia é e deve continuar a ser uma conquista, uma construção, permanente e paciente, de todos os cabo-verdianos, unidos na vontade de fazer de Cabo Verde um país de mais liberdades, de mais justiça, de menos desigualdades (sociais, regionais e de género, nomeadamente) e mais bem-estar.
Reitero aqui o meu propósito firme de continuar a dar o meu contributo, como cidadão deste País, para que, juntos, possamos, cada vez mais, celebrar, com sobeja razão, este dia da Liberdade e da Democracia conquistado por todos nós.
Permitam-me reiterar a minha solidariedade aos que, em Cabo Verde e na Diáspora, perderam entes queridos ou estão a sofrer com a pandemia ou suas consequências, e renovo o meu reconhecimento a todos os que colocam a sua sabedoria, a sua coragem e, por vezes, a sua vida, no seu combate.
Desejo a todos os cabo-verdianos residentes no país ou no estrangeiro, bem como a todos os amigos de Cabo Verde, as maiores felicidades em 2021.
Porque, em verdade, excelências e caros amigos, há um povo imenso, que soletra, dentro de nós: Ilhas, mares, rostos e paixões, pedaços abertos e vivos de todas as cores do mundo.
Viva a Liberdade!
Viva a Democracia!
Viva Cabo Verde!
Muito obrigado.