Com discurso
O presidente da República aponta São Filipe, na ilha do Fogo, pelo seu percurso desde o Século XV, como uma das referências históricas da construção da Nação Cabo-verdiana e um dos “portos-seguros” na definição da identidade cultural cabo-verdiana.
José Maria Neves, que participou, esta terça-feira, no lançamento da Agenda/Programa comemorativa do Centenário da Cidade de São Filipe, justifica, assim, o Alto Patrocínio da Presidência da República às comemorações e a associação do início das festividades à Semana da República 2022, que tem como foco a cultura e a participação cívica.
Presidente de Honra das comemorações, o chefe de Estado deixou, durante a cerimónia, o seu apreço pelo trabalho de todos quantos estejam engajados em fazer do Centenário da Cidade de São Filipe “um momento singular, diferenciado e de excelência”, ou seja, uma mais-valia para São Filipe, para a ilha do Fogo e para Cabo Verde.
“O sucesso do Centenário radicar-se-á na visão estratégica quanto ao seu contributo para o desenvolvimento nacional, sendo esta também a ambição da autarquia local”, sublinhou José Maria Neves, para quem a cidade de São Filipe e a ilha do Fogo, em geral, são beneficiadas por uma natureza peculiar e uma cultura riquíssima.
“Do vulcão, às culturas de uva e café, por um lado; às sempre muito participadas festas populares, à música, à culinária, à literatura, enfim, há um leque muito grande de potencialidades” exemplificou Neves, apelando, entretanto, à criação das necessárias condições aos investimentos, nacionais e estrangeiros, na cidade e no município, para a maximização das diversas potencialidades de que a cidade de São Filipe, o município e a ilha do Fogo dispõem.
Para já, o chefe de Estado considera importante que uma série de reformas sejam pensadas, desde logo a de “possibilitar a cidade, de enorme potencial em patrimónios materiais e imateriais, tornar-se mais visível a nível nacional e internacional, assim como reconfigurar a sua ambição para um salto qualitativo que faz de um passado, absolutamente fascinante, uma condição de futuro”. E, para que este desiderato seja alcançado, diz, o apoio do Estado é decisivo.
“Espero que o próprio Centenário seja uma oportunidade de pensar estrategicamente o Município e de recentrar o seu caminho para o tal futuro promissor”, augura o mais alto magistrado da Nação.
José Maria Neves apela a todos os sanfilipenses e foguenses, no geral, a aderirem ao “ambicioso e arrojado programa” do Centenário da Cidade de São Filipe, apresentado nesta terça-feira pela Câmara Municipal, para uma comemoração em grande que vai decorrer sob o slogan, “São Filipe, uma cidade para visitar, viver e amar”.
As comemorações do Cententenário da Cidade de São Filipe, a ser assinalado a 22 de Julho deste ano, decorrem durante todo ano de 2022, com atividades desportivas, culturais, além de sessões solenes, conferências temáticas, prémios literários e um Conselho de Ministros descentralizado, entre muitas outras actividades.
Ouça aqui, o video/áudio do discurso e, leia-o, a seguir ao vídeo/áudio, na íntegra:
Discurso:
DISCURSO DE SUA EXECELÊNCIA, O SENHOR PRESIDENTE DA
REPÚBLICA DE CABO VERDE, DR. JOSÉ MARIA NEVES NO ÂMBITO DO
PROGRAMA DA SEMANA DA REPÚBLICA 2022 E NO ANÚNCIO OFICIAL DO PROGRAMA COMEMORATIVO DO CENTENÁRIO DA CIDADE DE SÃO FILIPE
SÃO FILIPE, 18 DE JANEIRO DE 2022
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Com a satisfação especial que sempre me acomete quando chego a esta ilha e a esta cidade, quero expressar-vos, antes de mais, o meu consequente envolvimento institucional e pessoal à Comemoração do Centenário da Cidade de São Filipe, bem como o engajamento da Presidência da República no apoio à concretização do ambicioso programa, ora anunciado.
A estas palavras, adito a admiração pelo vosso trabalho e o vosso empenho, assim como o privilégio, que reputo histórico, em ser o Presidente de Honra do Programa Comemorativo que, tal como o cidadão nesta ilha do Fogo, é ambicioso, primoroso e orgulhoso.
Damos continuidade à Semana da República, instituída pelo meu antecessor, Doutor Jorge Carlos Fonseca, e que já vai na sua 11ª edição – em democracias consolidadas o que é bom deve ser continuado. Aliás, devemos criar uma cultura de respeito pelas instituições já sólidas e garantir a continuidade que os contextos políticos e económicos recomendam, evitando-se, desse modo, a síndrome da primeira vez ou ruturas absolutamente desnecessárias, que levam a descontinuidades de políticas, com desperdícios de recursos e de tempo, em domínios muitas vezes cruciais de desenvolvimento. Sendo esta a primeira vez que tenho a honra de presidir a Semana da República, manifesto todo o meu agrado por a Presidência da República patrocinar este programa, neste ano sob o signo da história, da memória e da cultura. Regozijo-me, pois, com a integração das comemorações do Centenário da Cidade dos Sobrados, assim como da Ribeira Grande de Santiago, pelas suas especificidades e similitudes.
A comunidade nacional (e internacional) vive uma situação de crise, agravada pela pandemia da Covid-19 e agora com as desacelerações económicas e sociais, que nos desafiam quotidianamente e que nos interpelam a um extraordinário sentido de responsabilidade e de convergência. É neste contexto que, com todos os cuidados de proteção sanitária, devemos assumir os reptos inadiáveis, de que este Centenário integra. Assumimo-lo estoica e honrosamente.
De resto, habituámo-nos sempre em lutar e vencer, transpondo os constrangimentos e vicissitudes. Vivemos tempos muito difíceis – a escravatura, a fome, o colonialismo, o subdesenvolvimento -, mas nunca perdemos a coragem da esperança e a vontade de triunfar.
Como sempre nos aconteceu ao longo da História, e em particular nestas mais de quatro décadas e meia de país independente e mais de três de democracia, o povo cabo-verdiano deu mostras de uma resiliência surpreendente e de uma maturidade cívica exemplar. Por isso, aqui e agora, a Semana da República 2022 e o Centenário da Cidade de São Filipe.
Estou convencido de que os dois eventos que se realizam, em parceria com a Semana da República, irão enriquecer, ainda mais, o Programa do Centenário. Refiro-me a esta cerimónia de lançamento do livro “Noite Escravocrata/Madrugada Camponesa – Cabo Verde, do século XV ao século XVIII”, do historiador António Correia e Silva, a ser apresentado pela professora Antonieta Lopes e o engenheiro João Pereira da Silva, uma obra que aquilata sobremaneira o papel de São Filipe e do Fogo na História de Cabo Verde.
Realço igualmente a conferência a realizar-se amanhã, e a ser proferida pelo Dr. Jorge Tolentino Araújo, sobre o escritor Henrique Teixeira de Sousa, num painel de diálogo com o professor Fausto do Rosário. Acredito que estas duas atividades possam ser apenas a nossa contribuição inicial para o Centenário, que doravante passará a contar sempre com o selo institucional do Alto Patrocínio da Presidência da República.
Quando pensamos no percurso de São Filipe, como espaço desde o século XV, não podemos deixar de o enquadrar como uma das referencias históricas da construção da Nação Cabo-verdiana e como um dos “portos-seguros” na definição da identidade cultural cabo-verdiana. Assim, o Centenário da Cidade de São Filipe cruza-se de forma proveitosa e coerente com a Semana da República 2020, cujo signo matricial é o elemento cultural e cívico.
Quero, por isso, felicitar e agradecer a Câmara Municipal de São Filipe, na pessoa do seu Presidente, Dr. Nuias Silva, pela adesão ao Programa da Semana da República 2022, pelo Programa Comemorativo do Centenário da Cidade de São Filipe e pelo convite que me formulou como Presidente de Honra das Comemorações, que prontamente aceitei, com elevada satisfação.
Quero igualmente deixar uma palavra de muito apreço pelo trabalho de todos quantos engajados em fazer do Centenário um momento singular, diferenciado e de excelência, mais-valia para São Filipe, para a ilha do Fogo e para Cabo Verde. O sucesso do Centenário radicar-se-á na visão estratégica quanto ao seu contributo para o desenvolvimento nacional, sendo esta também a ambição da autarquia local.
A cidade de São Filipe e a ilha do Fogo, em geral, são beneficiadas por uma natureza peculiar e uma cultura riquíssima. Do vulcão, às culturas de uva e café, por um lado; às sempre muito participadas festas populares, à música, à culinária, à literatura, enfim, há um leque muito grande de potencialidades. No caso específico de São Filipe, trata-se de uma cidade que, para além de ancestral e patrimonialmente emblemática, revela-se atrativa para o investimento nacional e estrangeiro, devendo-se criar as condições que se mostrarem necessárias aos investidores, a começar pelos nossos Emigrantes.
No passado domingo, na conferência do historiador Dr. António Leão Correia e Silva alusivo ao tema “Por uma etnografia da liberdade na História de Cabo Verde”, no quadro desta Semana da República 2022, falou-se dos Custos da Patrimonialidade, conceito que não só deve recair sobre a Cidade Velha, mas gizada a espaços de alta intensidade patrimonial como a cidade de São Filipe.
Para tanto, uma série de reformas devem ser pensadas, desde logo a de possibilitar a cidade, de enorme potencial em patrimónios materiais e imateriais, tornar-se mais visível a nível nacional e internacional, assim como reconfigurar a sua ambição para um salto qualitativo que faz de um passado, absolutamente fascinante, uma condição de futuro. Para alcançar este desiderato, o apoio do Estado é decisivo. Sem políticas públicas para alavancar São Filipe a esse nível, não se poderá chegar aos resultados que hoje visionamos, mas é preciso envolver a Sociedade Civil e os parceiros de desenvolvimento.
Muitos serão, tenho a certeza, os novos parceiros interessados a se associarem ao Programa Comemorativo do Centenário da Cidade de São Filipe. Espero que o próprio Centenário seja uma oportunidade de pensar estrategicamente o Município e de recentrar o seu caminho para o tal futuro promissor.
Constitucionalmente, cabe ao Governo da República definir e dirigir a política interna e externa do país. Deve-se, no entanto, destacar que são inerentes às democracias deliberativas a liberdade de expressão, boas condições de uso da palavra, a justificação pública das decisões e a possibilidade de contra-argumentação. Ou seja, a democracia enquanto “governo pela discussão”, de que nos fala Giovanni Sartori. Nos países desenvolvidos e industrializados, o debate público de políticas, envolve ativamente os empreendedores políticos, das autarquias locais aos sindicatos, da academia ao patronato, dos parlamentos aos partidos políticos, da imprensa às ONGs, das Igrejas a personalidades prestigiadas no meio. Enfim, as políticas públicas resultam de um intenso diálogo entre a sociedade política e a sociedade civil, onde se expressam os consensos e os dissensos existentes num dado momento.
Em Cabo Verde, para além de distensionar o ambiente político e criar confiança entre os atores, urge chamar a todos para a mesa das discussões e o processo de formação das políticas públicas.
Nesse âmbito, considero que as ilhas e os municípios, pelo seu protagonismo e desempenho no processo global de desenvolvimento local e regional, devem ser mais implicados no processo de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas.
E esta Ilha do Fogo, pela sua importância histórica, pela sua vasta diáspora, pelos seus recursos e vocação, deve não só merecer um olhar atento do Estado, como deve ser chamado a estar mais presente nas dinâmicas políticas nacionais, maxime as atinentes ao processo de desenvolvimento local e regional.
Partimos, agora, de uma base sólida e profícua, sob o signo da cultura, do património e da requalificação dos espaços, mas há que diversificá-la e desenvolvê-la. Há ainda muito para fazer.
É com este apelo que reitero a minha admiração e felicitações à Câmara Municipal de São Filipe, na pessoa do Senhor Presidente, pela ousadia de um programa ambicioso e arrojado que hoje se cumpre. Espero que mantenham o vosso entusiasmo, promovendo oportunidades de desenvolvimento e tornando competitivas as vantagens comparativas irrecusáveis de São Filipe e da ilha do Fogo.
Neste ano, e a partir desta grata oportunidade, comemoramos uma cidade centenária, festejamos uma ilha a transformar-se para o desenvolvimento, mas, antes de mais, celebramos um povo, o nosso – o povo cabo-verdiano, irradiado nesta Nação Global, nas ilhas e na diáspora. Que gloriosa comemoração centenária esta de São Filipe!
Muito obrigado.