PR apela a mudanças radicais e produndas para evitar regressão do país, face aos efeitos da guerra Rússia-Ucrânia

49

O Presidente da República evidenciou, esta quinta-feira, os fortes efeitos da Guerra Rússia-Ucrânia, associadas ainda à crise derivada da Covid-19, e que provocaram uma recessão histórica em 2020, tendo o Chefe de Estado apelado à necessidade de “mudanças profundas e radicais, para se evitar a regressão do país. Chamando a atenção para os números que comprovam a recessão e consequente aumento dos números da pobreza e da insegurança alimentar, José Maria Neves apontou algumas ações para evitar a regressão do país e que implicam, entre outras, contenção e racionalização na gestão da coisa pública.

“A situação requer, igualmente, um esforço interno de contenção e de racionalização das despesas públicas. É de se congratular com o facto de o governo já ter tomado determinadas medidas e estarem ainda previstas outras, no quadro do Orçamento de Estado para 2023, visando a mitigação do impacto das crises, nomeadamente os efeitos da inflação alta, com incidência sobre a alimentação e a energia, pensando nessas famílias mais pobres.”, salienta o PR.

Este Chama ainda a atenção para a necessidade de se encontrar soluções para resolver de vez os desafios das ligações marítima e aéreas. “Urge revolucionar os sistemas de transportes aéreo e marítimo em Cabo Verde de forma a integrar as ilhas e, em alguns casos, acabar com a dupla insularidade. O deficiente funcionamento destes sectores de transporte tem prejudicado a competitividade e o crescimento económico do arquipélago, condicionando a circulação de pessoas e bens”, diz.

Outrossim, uma aposta mais forte na synergies renováveis é apontado como outra soluçãonpara aumentar a resiliência do país aos choques externos, na medida em que resuz a dependência dos combustíveis fósseis.

Nisto, o PR considera “auspicioso” a negociação em curso com alguns parceiros de desenvolvimento, “visando transformar parte da dívida externa em investimento “climático”, ou seja, em medidas de mitigação das consequências das alterações climáticas”.

O Chefe de Estado realça ainda a iniciativa do ISCEE que acaba por provocar “este tipo de discussão entre os principais atores, num lugar apropriado, e sobre assuntos desta magnitude, fornecendo pistas que serão de grande utilidade para o Estado e a sociedade”, sendo pois, de se louvar tal iniciativa.
Estas e outras considerações do PR face ao tema podem ser conferidas na leitura, na integra, do discurso, no site da Presidência da República:

 

Discurso proferido por S.E. o Presidente da República, Dr. José Maria
Neves por ocasião da Conferência Internacional da Economia do ISCEE

Gostaria de, em primeiro lugar, cumprimentar todos os presentes e expressar ao Senhor Professor Doutor José Augusto Lopes da Veiga que foi com imenso prazer que aceitei o convite para ser Padrinho e Parceiro, e presidir à abertura desta Primeira Edição da Conferência Internacional de Economia do ISCEE. Trata-se de uma excelente e oportuna iniciativa, especialmente no momento em que atravessamos um período de crises e de incertezas quanto ao futuro, tanto interna como externamente.

Se a pandemia já se encontra razoavelmente controlada, o mesmo não se poderá afirmar das suas nefastas consequências, principalmente para a saúde da economia. E para agravar, veio a deflagração da guerra na Ucrânia e os seus perniciosos efeitos a serem sentidos em Cabo Verde, em África e no mundo. Assim, é de se congratular com a realização desta Conferência que, decerto, irá trazer algumas luzes e desenhar cenários para o futuro, sendo certo que hoje os maiores desafios consistem em encontrar a forma de revitalizar a economia, de controlar a escalada de preços e de garantir um crescimento inclusivo e ambientalmente sustentável.

E quando a Academia, que é espaço de debate e intervenção crítica por excelência, provoca este tipo de discussão entre os principais atores, num lugar apropriado, e sobre assuntos desta magnitude, fornecendo pistas que serão de grande utilidade para o Estado e a sociedade, é sempre de se louvar. Na esquina da economia com a política, as Universidades funcionam como empreendedores políticos, debatendo os mais diversos assuntos e propondo políticas públicas para responder aos problemas identificados.

Pelos temas que serão aqui abordados, constata-se que se trata de uma iniciativa de grande interesse para se compreender a situação por que passa Cabo Verde e o mundo. Esta Conferência terá igualmente o mérito de servir como um auxiliar
autorizado na procura de soluções para melhor enfrentarmos as sequelas socioeconómicas da fase pós pandemia, bem como o cenário criado pela guerra na Ucrânia.

Devo ainda acarinhar esta iniciativa que ocorre justamente numa fase em que as instituições de ensino superior em Cabo Verde enfrentam desafios de vária ordem, nomeadamente o aumento das dívidas dos estudantes e a redução do número de inscritos. As fragilidades são grandes, tanto a nível do ensino, como a nível da investigação e da extensão universitária. Coloca-se com premência, hoje mais do que nunca, a questão da sustentabilidade do ensino superior em Cabo Verde.

Face à situação presente, devemos definir mecanismos inovadores, que possibilitem o financiamento de modo a que se continue a apostar no ensino superior no país. Ou seja, num ensino de qualidade, na investigação, nos avanços científicos e tecnológicos e na inovação. Por outro lado, é sempre bom lembrar o leque de competências da talentosa Diáspora caboverdiana, com especialistas em diversas áreas do saber, um valor acrescentado para a nossa Academia e que deve ser melhor aproveitado.

O atual período de crise, concretamente, a declarada situação de emergência social e económica, não será alheio à diminuição do contingente de universitários e às dificuldades de ordem financeira que algumas destas instituições enfrentam quando muitas famílias vivenciam uma acentuada erosão do seu poder de compra.
Dados do instituto Nacional de Estatística apontam para uma recessão histórica equivalente a 14,85% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2020. De 2016 a 2020 as famílias caboverdianas empobreceram, em média e em termos gerais, ao ritmo de 1,8% ao ano. Em 2020, cerca de 100 mil pessoas foram colocadas na pobreza temporária.

Dados agora divulgados apontam para um aumento da pobreza de 26%, em 2019, para 31,7%, em 2020. Infelizmente, pelos acontecimentos mais recentes, a tendência tem sido para a degradação deste cenário e os valores atuais podem ser ainda mais preocupantes.

Os progressos alcançados na redução da pobreza, ao longo das duas últimas décadas, foram anulados ou invertidos, em 2020. Perderam-se um total de cerca de 20.000 empregos e a taxa de desemprego aumentou para 14,5%, valor esse ainda mitigado pelas medidas do lay-off. Cerca de 30 mil caboverdianos encontravam-se em situação de insegurança alimentar e 107 mil sob pressão alimentar.

A acentuada inflação, enquanto o mais cruel dos “impostos”, penaliza sobretudo as camadas mais pobres e vulneráveis da população, corroendo o seu parco e manifestamente insuficiente rendimento disponível. De referir que a taxa de inflação homóloga, em agosto, foi de 8,7%.

Cabo Verde, sendo um pequeno Estado insular em desenvolvimento, praticamente desprovido de recursos naturais tradicionais, é dependente de um modelo de crescimento caraterizado por uma forte dependência do turismo, representando 25% do PIB. Foi profundamente fustigado pela crise de 2008 e agora é novamente afetado pela crise económica e social provocada pela pandemia da Covid-19 e acentuada pelas consequências da guerra na Ucrânia, pondo a nu todas as nossas vulnerabilidades.

A nossa balança corrente é estruturalmente deficitária e a balança de pagamentos muito dependente da ajuda externa e das remessas dos emigrantes. Importamos mais de 80% dos bens alimentares e cerca de 90% dos combustíveis consumidos no país. O défice orçamental é elevado e o nível de endividamento público extremamente alto e com elevado risco de default (incumprimento).

Fica evidente que face ao atual cenário, e para evitarmos a regressão, temos que empreender mudanças radicais e profundas. O desafio é lançado, aqui e agora, às Universidades, no sentido de se aprofundar os debates, com os olhos de hoje, e ver as mudanças com inteligência adaptativa. Há que dar o salto. A exigência é no sentido de sermos mais eficientes, poupando tempo e recursos, e mais eficazes nos resultados. De perseguirmos a excelência. De sermos mais ousados. Não podemos continuar a justificar as políticas de hoje com as políticas do passado, mesmo que a diferença temporal seja de cinco anos, mas que decerto estariam ultrapassadas devido à voracidade dos acontecimentos. Para a mudança que se impõe, Cabo Verde dispõe de capacidades humanas, residentes e na Diáspora.
As razões para se declarar situação de emergência social e económica são excecionais e exigem respostas excecionais e atenção prioritária, principalmente em relação às famílias mais vulneráveis. Aqui vale o ditado “quem tem fome tem pressa”. Neste caso, mais do que fazer o possível – que pode não ser o suficiente – as circunstâncias exigem que se faça tudo o que for necessário. Ou seja, é fundamental garantir o acesso dessas famílias aos alimentos, já que essa insegurança alimentar pode ser passível de gerar tensão social.

A situação requer, igualmente, um esforço interno de contenção e de racionalização das despesas públicas. É de se congratular com o facto de o governo já ter tomado determinadas medidas e estarem ainda previstas outras, no quadro do Orçamento de Estado para 2023, visando a mitigação do impacto das crises, nomeadamente os efeitos da inflação alta, com incidência sobre a alimentação e a energia, pensando nessas famílias mais pobres.

Nas políticas públicas, sua formulação e execução, devemos proceder de sorte a combinar os melhores sujeitos e as melhores ferramentas para que os resultados correspondam efetivamente aos investimentos em causa, e atendam às expetativas da sociedade. Mais e melhor investimento na Educação, conferindo melhor qualidade, e um nível mais elevado de respostas em matéria de Saúde e de Segurança Social, permitir-nos-ia minimizar outros tipos de custos.

Para aumentar a sua resiliência e reduzir a importação de combustíveis, Cabo Verde terá de realizar mais investimentos em energias renováveis bem como aumentar a eficiência energética. A negociação em curso com alguns parceiros de desenvolvimento, visando transformar parte da dívida externa em investimento “climático”, ou seja, em medidas de mitigação das consequências das alterações climáticas é auspiciosa.

Urge revolucionar os sistemas de transportes aéreo e marítimo em Cabo Verde de forma a integrar as ilhas e, em alguns casos, acabar com a dupla insularidade. O deficiente funcionamento destes sectores de transporte tem prejudicado a competitividade e o crescimento económico do arquipélago, condicionando a circulação de pessoas e bens.

Cabo Verde deve, no que se refere a setores estratégicos, como é o caso dos transportes, garantir uma forte articulação e integração de políticas, bem como gerir inteligentemente os processos de privatização e de negociação dos contratos internacionais. Deficiências ou erros nesses casos pagam-se muito caros no futuro.
Há que prestar também muita atenção, tendo em conta a dimensão do mercado e os interesses nacionais, aos sistemas de regulação técnica e económica, maxime nos domínios vitais da economia. Qualquer regressão pode ser fatal para a competitividade do país.

A nível mundial, os movimentos tectónicos começaram com a crise financeira do “subprime” de 2007/2008 nos Estados Unidos, a que se seguiu o fenómeno da dívida soberana na Europa, vindo a culminar com a crise económica e social provocada pela pandemia da Covid-19 e a guerra na Ucrânia. Tudo isto veio a contribuir para a emergência de uma nova ordem mundial, ainda de contornos pouco precisos. Vivemos tempos difíceis, complexos e de muita imprevisibilidade.

Sinais destes tempos de transfiguração, o grupo dos G7 alarga-se para os G20; a sul é a emergência dos BRICS, também num cenário de eventual alargamento a outros países. Regista-se a ascensão acelerada da China como uma grande potência económica. Isto significa que as Nações Unidas estão perante uma nova realidade, muito diversa daquela que presidiu à sua criação, no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, há quase oito décadas. Razão bastante e que obriga a uma profunda reforma da ONU para se adequar aos desafios dos tempos modernos.

A África tem sido palco de alguns conflitos e, não raras vezes, os mesmos são réplicas de conflitos entre as grandes potências. Assistimos à destruição da Líbia, ao crescimento do terrorismo na zona do Sahel, ao conflito que determinou a secessão do sul do Sudão e a Etiópia enfrenta uma rebelião armada na zona do Tigray. A nossa sub-região tem sido assolada por golpes de estado e instabilidade. Estas ocorrências não propiciam o desenvolvimento e nem o bem-estar das populações desses países. É tempo de pensar seriamente nas razões que têm dado origem a essas crises de governabilidade e procurar gerir de forma mais adequada os conflitos internos.

É dececionante constatar que, apesar da formulação da Agenda 2063 da União Africana, em 2013, e da aprovação da zona de livre comércio, a pandemia da Covid-19 veio a revelar grandes vulnerabilidades do continente, nomeadamente, uma manifesta incapacidade de produzir vacinas e medicamentos de que necessita para dar resposta aos seus problemas. Os reflexos do aumento do preço dos cereais e dos combustíveis, como resultado da guerra na Ucrânia, revelam, igualmente, a fragilidade da África.

Já o disse e repito-o agora: a África não pode ser um muro de lamentações. Decerto que face aos movimentos tectónicos, o continente deve estar preparado para novas erupções que, inclusive, podem assumir a forma de novas crises sanitárias. O mundo está a mudar e a África deve estar preparada para enfrentar prováveis situações semelhantes à que ocorreu com a pandemia da Covid-19. Não pode continuar a lamentar. Tem talentos e recursos que devem ser colocados ao serviço da paz, da segurança, da inclusão e do desenvolvimento durável.

Necessita, sim, a África de uma atitude proactiva para implementar as principais ideias e mobilizar a sua diáspora. A África dispõe de capacidades humanas, reserva de terras aráveis, água e enormes recursos naturais, pelo que terá de mobilizá-los de forma sustentável, com atenção às mudanças climáticas, e seguir pela via da transição energética e da proteção ambiental.

Mas para uma caminhada exitosa, terá que optar por uma profunda reforma institucional e uma governança multinível, com clara distribuição de tarefas entre a União Africana, as organizações regionais e os estados. A implementação destas reformas profundas implicaria na melhoria das condições de governabilidade e numa melhor governança.

Para concluir, diria que a pandemia nos ensinou a ser mais ousados e a recusar a navegação à vista. As luzes devem ser de longo alcance, para nos conduzir de forma segura, nestes tempos instáveis, para que possamos ir mais depressa e fazer as coisas mais bem-feitas.

Declaro aberta a Primeira Edição da Conferência Internacional de Economia do ISCEE.


Muito obrigado!