Discurso de Sua Excia., o PR José Maria Neves, por ocasião do lançamento do IPRODIAL

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Senhor Presidente do IPRODIAL,
Senhoras e Senhores Participantes do 1º Fórum sobre o Papel do Diálogo Social e a Negociação Coletiva,
Ilustres Convidadas e Convidados,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
 
É com muito prazer que aceitei presidir a este ato de apresentação pública do IPRODIAL. Com efeito, quando, em março passado, de passagem por Mindelo, fui convidado a associar-me a este evento, pelo Presidente no novel Instituto, Júlio Ascensão Silva, aceitei sem hesitar. Trata-se de uma feliz iniciativa e uma grande oportunidade para exercitarmos na via do reforço do diálogo social, num tempo em que parece reinar a confrontação e o desentendimento.
 
O IPRODIAL tem na sua liderança o rosto do sindicalismo cabo-verdiano, versado e caldeado na luta sindical, por décadas. O seu conhecido e apreciado sentido de equilíbrio nos processos negociais, o idealismo, o pragmatismo e a moderação colocados na abordagem dos conflitos laborais, podem ser agora melhor aproveitados pelo Governo, trabalhadores, sindicalistas e patronato, bem como pela sociedade em geral.
 
Os objetivos propostos se adequam perfeitamente à vasta experiência do seu Presidente e, espero, que juntamente com os demais associados, a sociedade cabo-verdiana possa se beneficiar dessa inestimável contribuição para a promoção do diálogo social e da liberdade sindical no país, através de um processo de aprendizagem e formação, investigação e divulgação. Os meus parabéns pelos distintos propósitos, que serão acolhidos por Cabo Verde, assim espero, com entusiasmo.
 
Nos tempos que correm, qualquer exercício no sentido de promover a literacia e a cultura do diálogo social será sempre bem-vindo. E reputo de nobres os objetivos anunciados pelo IPRODIAL, nomeadamente, regendo-se por “princípios e valores de justiça social e equidade, solidariedade, cidadania e democracia, transparência e cooperação, autonomia e independência”. Estatutariamente ambiciona “sugerir, propor ou recomendar aos órgãos públicos competentes todas as medidas
convenientes para a defesa e incremento do diálogo social e promoção da liberdade sindical”.
 
Tenho fundadas expetativas em relação ao Instituto que ora se inaugura e que terá um papel muito importante no crescimento material e espiritual da sociedade. Afinal, o desenvolvimento é liberdade de espírito, é uma cultura. Só se tornará possível se for imaginado e concretizado todos os dias através dos nossos hábitos e atitudes.  
 
Gostaria de compartilhar convosco algumas reflexões, que julgo serem oportunas, quando, há pouco tempo, o Banco Mundial fez um retrato relativo à performance de Cabo Verde, diagnosticando sinais de esgotamento do seu modelo de desenvolvimento, que não deixam de ser preocupantes, caso tudo continuar como está.
 
O referido Memorando Económico, do insuspeito Banco Mundial, expôs muitas das fragilidades do arquipélago e estabeleceu comparações com outros Pequenos Estados Insulares, analisando a diferença entre os pares estruturais e os pares aspiracionais. No primeiro caso, são países que partilham características económicas e dotações similares às de Cabo Verde e, no segundo caso, países que conseguiram crescer de forma mais rápida e sustentável do que nós, como as Maurícias, Seychelles, St. Kitts e Nevis e Santa Lúcia.  
 
As conclusões são preocupantes: a nossa produtividade é baixa, limitando o crescimento da economia, a um ritmo que o impede de acompanhar ou alcançar os seus pares aspiracionais. É por demais evidente que a necessidade atual não se compadece com a manutenção do status quo e a insistência numa navegação à vista.
 
Cabo Verde já fez uma longa caminhada, de progresso, é certo, e com o contributo de todos, com destaque para trabalhadores e suas organizações de classe. No entanto, em tempo de profundas transformações, o que deu certo no passado pode já não resultar no presente.
 
Assistimos, hoje, a constrangimentos ao processo de desenvolvimento e, apesar das vantagens comparativas, o país não se tem mostrado competitivo. Significa que Cabo Verde não pode continuar nos mesmos moldes. Temos que ter consciência de que o país não ganhará em termos de competitividade e nem terá um crescimento durável se continuarmos a depender da ajuda externa e das remessas dos emigrantes.
 
Um fator contribuinte para agravar o que já está mal, tem sido a ausência, ou pouca disposição para o diálogo. Diálogo político e social. Com efeito, necessitamos, e com celeridade, de mais interlocução, de forma transversal, mais articulação entre os órgãos de soberania e, obviamente, dar mais importância ao diálogo social. E nesse particular, espero que o IPRODIAL venha a desempenhar um papel importante, bem como os sindicatos.
 
Lamentavelmente, a intervenção sindical tem enfrentado alguns desafios, particularmente quando, no exercício constitucional do direito à greve, de forma recorrente, essa forma legítima de luta tem vindo a ser esvaziada através do recurso à requisição civil. Neste caso, a Lei do Trabalho não tem sido aplicada, ou então é interpretada de forma enviesada, no tocante à garantia de serviços mínimos.
 
As organizações sindicais, que são instituições experientes, sólidas, com credibilidade e relevante papel social, devem ser capazes de buscar consensos e compromissos, junto aos seus interlocutores, especificamente, o Estado e o patronato. Acredito que também consigam sinalizar, para a sociedade em geral, a cultura do diálogo, estando assim a contribuir para revitalizar a nossa democracia, que vem sofrendo constante erosão na sua qualidade.
 
Se a prática cotidiana da democracia mostra evidentes sinais de estresse e clama por mudanças comportamentais, o mesmo se pode afirmar em relação aos sinais de fadiga identificados no modelo de desenvolvimento do país, que exige ponderação e necessidade de profundas transformações para poder sair desta encruzilhada. Para que haja uma inflexão no ritmo de crescimento económico, torna-se urgente outro tipo de compromisso: temos de ir mais depressa e com mais qualidade.  
 
Face às assimetrias regionais, taxa de pobreza, desigualdades, taxa de desemprego, principalmente o desemprego jovem, impõe-se a criação de mais oportunidades e esperança para que a juventude tenha confiança no futuro e que terá condições de enfrentar os desafios sem ser obrigada a deixar o país.  Precisamos de novas ferramentas, novas políticas públicas para engajamento dos jovens, descentralização, profunda reforma do Estado e da Administração Pública, melhoria na qualidade das prestações sociais, em particular, na educação, na saúde, na previdência social e na segurança e ordem públicas.
 
Há que implementar uma profunda reforma de todo o sistema de gestão dos Recursos Humanos, desde o recrutamento, seleção, treinamento e no plano salarial e no desenvolvimento organizacional. Isto significa uma Administração Pública mais leve, flexível e voltada para o desenvolvimento e um ambiente mais favorecedor de investimentos e negócios e mais amiga das empresas e dos cidadãos.  Em suma, temos que mobilizar todas as capacidades e competências, nas ilhas e na diáspora, em prol do processo de desenvolvimento. Isto exige profundas mudanças na forma como se tem vindo a fazer as coisas e no relacionamento entre o Estado e a Sociedade Civil. Enfim, não podemos continuar nos mesmos moldes.
 
O citado Memorando Económico do Banco Mundial faz menção aos sérios constrangimentos relacionados com a insularidade e a fragmentação territorial. No tocante ao transporte marítimo, este é descrito como sendo muito oneroso, oferecendo um serviço insuficiente e pouco fiável, com uma frota inadequada e constituindo, objetivamente, uma barreira para uma maior integração da economia nacional.  
 
Só quando equacionarmos – e conseguirmos resolver – a questão da conexão, ligação/mobilidade entre as ilhas, de forma definitiva, estaremos capacitados para avançar.
 
Para dar um outro impulso ao desenvolvimento económico do país, é incontornável a unificação do mercado, a redução dos custos dos transportes marítimos e o reforço do mecanismo de regulação técnica e económica.
 
Reitero a importância da concertação social e as suas virtualidades. Em Cabo Verde, o Conselho de Concertação Social foi criado em 1993.
 
De realçar que os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores estão consagrados na Constituição da República, assim como o órgão máximo consultivo e de concertação em matéria de desenvolvimento económico, social e ambiental, no caso, o Conselho Económico, Social e Ambiental.  
 
Lamentavelmente, ainda não foi possível a implementação deste Conselho. Sendo Cabo Verde um arquipélago e país de emigrantes, o seu funcionamento em pleno só poderá trazer vantagens. Basta referir as suas atribuições relativas às políticas ambientais, às comunidades cabo-verdianas e ao desenvolvimento regional, e que a sua composição inclui, obrigatoriamente, um Conselho para o Desenvolvimento Regional, um Conselho de Concertação Social e um Conselho das Comunidades.
 
Destaco a importância dos Acordos de Concertação Estratégica, pois, foi a partir do primeiro, conseguido entre o Estado, o patronato e os sindicatos, que permitiu fazer a revisão da Lei do Trabalho, estabelecer o salário mínimo e a gestão tripartida do INPS e alcançar consensos para ganhos salariais e para a inclusão dos funcionários públicos no INPS, beneficiar os mesmos com assistência médica e medicamentosa. Daí que é sempre vantajoso trabalhar no sentido de se introduzir a cultura e a prática do diálogo social e da negociação coletiva, como é preconizado pelo IPRODIAL.
 
Na verdade, o país precisa, como de pão para a boca, de uma profunda reforma de todo o sistema de segurança social dos servidores públicos, os que ingressaram até 2005, e que não dispõem de um Fundo de Pensão. A sua inexistência pode por em causa, a prazo, a sustentabilidade das despesas de pessoal da função pública e o desempenho de serviços públicos essenciais. A criação do já referido Fundo abriria espaço orçamental para melhorias salariais e novos recrutamentos, criando mais oportunidades de emprego e mais flexibilidade na gestão.  
 
A política salarial deve ser revisitada, para evitar graves distorções que põem em crise o sistema de mérito e o princípio de justiça. Se criarmos boas condições de diálogo, se houver vontade dos parceiros e confiança mútua iremos mais depressa e mais longe. O desenvolvimento só é possível se for um propósito imaginado e partilhado por todos.  
 
Para concluir, felicito todos os associados por esta feliz iniciativa, encorajando-vos a meterem mãos à obra, numa tarefa de diálogo social, em que todos nós sairemos beneficiados. Os meus parabéns pela feliz escolha do lema deste 1º FÓRUM: “O Papel do Diálogo Social na Construção do Estado Democrático”. A democracia é a possibilidade de dissenso.
 
A democracia é a oportunidade de consenso.
 
Muito obrigado!